Virna Alencar
01/06/2019 20:00 - Atualizado em 06/06/2019 15:10
Após enfrentar uma batalha judicial que perdura nove anos, o campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Campos, corre o risco de ficar sem a sua sede. A área foi doada na década de 70 pela antiga Usina São José, mas, o grupo Itamarati, que comprou a usina quer retomar o espaço. Neste mês de maio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) “bateu o martelo” e concedeu o mérito aos empresários. Na próxima quarta-feira, às 10h30, uma reunião será realizada no Instituto Federal Fluminense (IFF) com representantes de universidades públicas federais da cidade, do poder público e entidades para discutir o que pode ser feito para ajudar a UFRRJ.
Segundo o diretor da unidade, Jair Felipe Ramalho, diante da ameaça de ordem de despejo, importantes estudos que auxiliam a produção agrícola em todo o estado do Rio de Janeiro, em especial a de cana-de-açúcar, poderão ser prejudicados, além de levar a descontinuidade de cursos e demissão de terceirizados, entre outros danos.
Ao todo, são 43 hectares de área, incluindo seis mil metros de área construída, ocupados, em parte, por laboratórios onde são desenvolvidas dezenas de pesquisas, como por exemplo, a que utiliza insetos para controle de pragas que devastam plantações e direciona produtores em todo o estado.
Jair Felipe contou que na década de 70, o Brasil entendeu a necessidade de que era importante fazer pesquisa com cana de açúcar, na produção de novas variedades, então, o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) criou o Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar (Planalsucar), em 1971. Como existia uma unidade do IAA, na cidade, se iniciou esse trabalho de pesquisa e, em 1973, o dono da Usina São José, Leonel Miranda, doou essa área, de forma escriturada, com o encargo de fazer pesquisa com cana de açúcar. Acontece que em 1990, o então presidente Fernando Collor de Mello extinguiu o IAA e a inventariante devolveu oficialmente a área também de forma escriturada e a doação perdeu o propósito, apesar de as pesquisas com a cana-de-açúcar desenvolvidas pela universidade nunca serem interrompidas.
— Na época, a usina nos cedeu o espaço em comodato, que seria um empréstimo, durante 10 anos, que foi renovado por mais 10. No entanto, ela foi vendida para outro grupo, Itamarati, do Mato Grosso, que ficou na região por um tempo e tinha outros interesses financeiros. Nós tentamos negociar para ficarmos com mais ou menos um quarto da área, mas o acordo não deu certo. Conversamos com a Advocacia Geral da União, que entrou na justiça, nos representando, tentando anular essa devolução. São nove anos brigas judiciais, sendo partes do processo a AGU e a Usina São José. Perdemos em primeira instância, recorremos, mas, recentemente, há 15 a 20 dias, saiu o último acórdão do STJ nos negando o mérito. A qualquer momento podemos receber uma ordem de despejo já que a área agora é deles — disse Ramalho.
Atualmente, atuam no campus 64 servidores concursados, como engenheiros agrônomos, zootecnistas, técnicos em química e administrativos, além de terceirizados, trabalhadores rurais. A estrutura também conta com auditório, estufas e áreas de vegetação. Nelas, seriam perdidos três mil clones de cana, variedades que há anos vêm sendo plantadas no campus, sendo as principais hoje no país.
A ameaça também reflete sobre o Curso de Especialização intitulado “Tecnologia da produção e usos da cana-de-açúcar”, que permite a capacitação de técnicos da região para atuar nas diversas vertentes do uso da cana-de-açúcar, tais como a industrial, a pequena agroindústria familiar, o uso para alimentação bovina. O campus funciona também como uma unidade de apoio aos cursos regulares da UFRRJ, permitindo que os estudantes façam seus estágios curriculares na própria universidade, recebendo dezenas de estudantes dos cursos técnicos e profissionais do IFF, Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Escola Técnica Estadual Agrícola Antônio Sarlo e Escola Técnica Estadual João Barcelos Martins, além de estudantes de escolas e universidades privadas capacitando-os para o mercado de trabalho.
A equipe de reportagem não conseguiu localizar o grupo Itamarati para alguma posição.
Prefeito busca meios para manter unidade
Para reverter a situação, o diretor afirmou que contatos têm sido feitos com advogados do grupo para saber se há possibilidade de uma negociação por outras áreas. Na próxima quarta-feira (5), alternativas serão discutidas em reunião entre representantes de universidades públicas federais da cidade, do poder público e entidades, na reitoria do IFF, às 10h30.
— A universidade tem áreas em Seropédica, que poderia ser feita uma permuta. Conversamos com o prefeito de Campos na semana retrasada e estudamos possibilidades junto à Procuradoria. Na última quarta-feira conversamos com os vereadores na Câmara Municipal e também levamos a situação a deputados federais, entre outros políticos, que se mostraram sensíveis a situação. Em reunião no IFF, estaremos avaliando, em caso extremo, o que poderiam fazer para nos ajudar em termos de espaço, podendo abrigar, de repente, os nossos servidores e laboratórios. Iremos conversar também com o presidente da Pesagro, no Rio, se há disponibilidade de algum espaço de terra para fazer experimentação — declarou Jair Ramalho.
De acordo com a Prefeitura de Campos, uma comissão instituída pelo prefeito Rafael Diniz (PPS) analisa meios para manter a UFRRJ em funcionamento na cidade e ao mesmo tempo respeitar os direitos do grupo que adquiriu a área, onde há cerca de 40 anos está localizada a instituição de pesquisas.
— Desde o início do mandato, reforço o compromisso da nossa gestão com a academia. Campos é um celeiro de universidades de ponta que, há anos, promovem conhecimento, desenvolvem pesquisas e apontam os rumos que devemos seguir. E a Universidade Rural de Campos, além de tradicional, é importantíssima para o nosso município e também para a região. Estamos analisando todas as possibilidades — frisou Rafael Diniz.
Situação ocorre em meio a corte de verba
A situação da UFRRJ acontece mediante a outro cenário que afeta todas as instituições federais de ensino superior, que é o corte de 30% das verbas do Ministério da Educação.
No último dia 30, alunos, professores, servidores de instituições de ensino de Campos e representantes da sociedade chegaram a fazer uma adesão à paralisação nacional em defesa da Educação. Na ocasião, cerca de duas mil pessoas se reuniram no Boulevard Francisco de Paula Carneiro com gritos de ordem como “A nossa luta é todo dia, educação não é mercadoria” e “Todos pela educação”.
Já na última terça-feira (28), o reitor do IFF, Jefferson Manhães, analisou, em entrevista ao programa Folha no Ar, da rádio Folha FM 98,3, os impactos, para o IFF. Segundo o professor, o instituto não terá recursos, a partir de junho, para honrar parte dos pagamentos.