Um milhão de novas infecções acontecem todos os dias de quatro importantes doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) que, embora curáveis, são de difícil detecção por não apresentarem sintomas iniciais. Um estudo divulgado na semana passada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que casos de sífilis, clamídia, gonorreia e tricomoníase não estão caindo de forma suficiente, fazendo dessas quatro condições uma epidemia perigosa e silenciosa, nas palavras da principal autora do estudo, a epidemiologista da OMS Melaine Taylor.
“Além de serem doenças assintomáticas, essas DSTs estão associadas a estigmas, à vergonha”, lamenta. “Como são infecções que ocorrem sem sintomas, as pessoas não percebem que estão infectadas. Então, não se testam, não se tratam, e o risco de transmissão é imenso não só para o parceiro, mas entre mães e filhos”, disse Taylor, em uma coletiva de imprensa por telefone.
Caso detectadas, são doenças curáveis. Porém, se ignoradas, podem trazer complicações graves, especialmente para os filhos. Gestantes que não sabem que estão infectadas pelo vírus da sífilis, por exemplo, estão sujeitas a aborto, e a criança pode nascer morta, com baixo peso, surdez e dificuldade de aprendizado. Em 2016, a sífilis causou, sozinha, 200 mil partos prematuros e neomortes, fazendo dela uma das principais causas de óbito de bebês globalmente.
Por ano, as quatro doenças que entraram no boletim da OMS são responsáveis por 376 milhões de novas infecções em indivíduos de 15 a 49 anos, sendo que algumas delas ocorrem concomitantemente em uma mesma pessoa. Os dados são mundiais e foram levantados em 130 pesquisas ao redor do globo. Em 2016, houve 127 milhões de novos casos de clamídia, 87 milhões de gonorreia, 6,3 milhões de sífilis e 156 milhões de tricomoníase. São números muito semelhantes aos do levantamento anterior, publicado em 2012. “Não ocorreu nenhum declínio substancial, essas DSTs continuam sendo um alto fardo global. Esses dados indicam que as pessoas estão assumindo riscos com sua saúde, sexualidade e seus parceiros”, observa Melaine Taylor.
A epidemiologista e integrante do Departamento de Saúde Reprodutiva da OMS lembra que as DSTs têm um impacto alto na população. Além dos efeitos em crianças que foram contaminadas verticalmente, quando não tratadas, podem levar a doenças neurológicas, cardiovasculares e infertilidade, além de aumentarem o risco de infecção por HIV. “Estamos vendo uma preocupante falta de progresso no sentido de parar com a propagação das infecções sexualmente transmissíveis em todo o mundo. Esse é um chamado para esforços combinados que garantam a qualquer pessoa, em qualquer lugar, o acesso a serviços de que elas precisam para prevenir e tratar essas doenças debilitantes”, disse, em nota, Peter Salama, diretor executivo de Cobertura de Saúde da OMS.
Subnotificação no Brasil
O Brasil, lembra infectologista Eliana Bicudo, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), é um exemplo mundial no programa de DST/Aids, com distribuição ampla e gratuita de preservativos. Mesmo assim, a médica destaca que o país sofre uma epidemia dessas infecções, muitas vezes subnotificadas. “Para piorar, no caso da gonorreia, o gonococo (bactéria causadora da doença) já adquiriu resistência de mais de 50% ao tratamento anterior, e, agora, são necessários dois antibióticos para tratar”, revela. “O problema é que nenhuma das nossas políticas públicas funcionou. É uma questão educativa, temos de falar mais sobre as infecções sexualmente transmissíveis e as complicações delas, como infertilidade e impotência”, acredita.
Teodora Wi, integrante do Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa da OMS, afirmou, na coletiva de imprensa, que é preciso parar de “esconder a sujeira debaixo do tapete. Embora extremamente comuns, essas doenças não recebem atenção suficiente. Continuamos estigmatizando as pessoas que vivem com elas, negligenciamos os cuidados e falhamos com a prevenção. Precisamos falar aberta e honestamente sobre DSTs. Para os médicos, é importante que não as tratem diferente de qualquer outra infecção. Do ponto de vista da saúde pública, os países devem aumentar o orçamento dessa área e insistirem na busca de melhores métodos de prevenção e detecção”, afirma. Para os pacientes, ela recomenda que se eduquem, façam testes rotineiros e comuniquem os parceiros, caso estejam infectados. (A.N.)