Deputada federal eleita pelo Psol, Talíria Petrone foi vereadora em Niterói e é considerada uma das herdeiras de Marielle Franco dentro do partido. A parlamentar classifica o assassinato da colega como crime político e uma tentativa de atingir seu companheiro de bancada, o deputado Marcelo Freixo. Crítica da Reforma da Previdência, a ex-jogadora de vôlei esteve em Campos durante a semana, onde se encontrou com estudantes da UFF e afirmou que a solução do déficit orçamentário não pode passar pelo corte de verbas da Educação. Talíria disse não ter muito contato com os deputados da região, mas questionada sobre os irmãos Wladimir e Clarissa Garotinho, criticou o “coronelismo” na política e finalizou chamando a atenção para o protagonismo econômico do Norte Fluminense.
Folha da Manhã – Você foi eleita em 2016 como vereadora em Niterói, junto com Marielle Franco, no Rio, e em cima de bandeiras em comum, como a defesa dos direitos das mulheres, comunidade negra, LGBT e Direitos Humanos. Como foi esse movimento de pinça, você com ela no Grande Rio, ela no Rio e você em Niterói?
Talíria Petrone – A gente vivia já, desde esse período, um momento de ascenso da luta das mulheres. O Brasil tem uma participação das mulheres na política que é a menor na América Latina. Tinha menos de 10% no Congresso, por exemplo. Em Casas municipais e estaduais não sei exatamente o percentual, mas é menor. Eu fui a única mulher em exercício na Câmara de Niterói por quase um ano. Éramos duas eleitas, de 21 vereadores. Havia um entendimento, em alguns movimentos de mulheres, mas também no partido, de uma necessidade da construção de figuras públicas que representasse esse setor. Foi uma decisão de candidaturas para construção de figuras públicas, inclusive tinha pouca perspectiva de eleição. A minha, em especial, foi uma candidatura com pouco dinheiro, com um grupo de mulheres, com cinco, dez, nas praças da cidade e ambas, a Marielle e eu, tivemos expressões muito significativas. A Marielle a quinta mais votada do Rio com 46 mil votos e eu a mais votada de Niterói. O que eu acho que refletiu um pouco essa demanda, a dar o passo dessa candidatura.
Folha – Como você viu a execução da Marielle e do motorista Anderson Gomes e a prisão de dois suspeitos – o PM reformado Roni Lessa, que teria feito os disparos, e o ex-PM Elcio vieira de Queiroz, que teria guiado o carro – a dois dias de completar um ano dos homicídios? O deputado, seu companheiro de bancada e legenda, Marcelo Freixo, disse não acreditar na versão de ódio dada pelos suspeitos, que confessaram o crime, cobrando a prisão dos mandantes. Qual é a sua opinião?
Talíria – Eu acho que a execução de Marielle é parte de um momento de fragilidade da democracia brasileira. Eu acho que esse é o primeiro ponto. O Brasil já é o país que mais assassina defensores de Direitos Humanos no mundo, em especial, aqueles ligados à luta pela terra e por justiça ambiental. A Marielle assassinada numa capital brasileira, no centro da cidade, depois de uma atividade política é explicitamente um crime político, que tem um ano sem solução. Na minha opinião, a prisão dos dois que executaram o crime não é a solução do crime.
Folha – Parece que tem a questão fundiária também, na Zona Oeste.
Talíria – Isso não existe. Isso eu posso garantir que não existe porque o conflito fundiário com as milícias que hoje dominam a Zona Oeste é um conflito do qual a Marielle não fazia parte. Marielle não tinha base eleitoral lá, não tinha atuação do mandato lá. Então ela não incomodava interesses específicos daquele território. Essa é uma questão que tentaram engatilhar e aí é a Justiça quem tem que dizer.
Folha – Primeiro o inquérito policial, depois o Ministério Público com a denúncia e a Justiça julgar, né.
Talíria – É, eu acho que quem tem que dizer quem foi é a Justiça, mas a minha impressão é de que é um crime político, é um crime que conjuga vários elementos. O elemento político do Rio de Janeiro, por essa máfia que está aí historicamente e agora estão presos. Tem muito uma relação, acho, para atingir o Marcelo Freixo, no seu exercício, que era junto com Marielle, de enfrentamento às milícias, mas não para aí. Eu acho que se soma a isso, as marcas que a Marielle carregava no corpo. Porque a Marielle? A Marielle carregava no seu corpo questões que motivam indignação quando o seu corpo ocupa o espaço político. Marielle mulher, mulher negra, mulher da favela. Ela provoca um incômodo e eu acho que isso se soma. Não é apenas um crime de ódio porque é um crime planejado. Existem 15 armas como essa no Brasil. A pessoa pensou, planejou a agenda dela por muito tempo.
Folha – Não há relação entre os dois casos, mas como você vê a suposta ligação do senador Flávio Bolsonaro (PSL) com outro PM reformado, Fabrício Queiroz, que era assessor parlamentar dele, com a milícia específica que é o “Escritório do Crime”?
Talíria – Não vou ser leviana em afirmar que há um envolvimento do Bolsonaro com a morte da Marielle, independentemente da minha opinião sobre isso. Acho que quem tem que dizer isso é a Justiça. Segundo ponto. Mas também não dá pra negar que há um histórico da família Bolsonaro com as milícias. Desde a defesa pública das milícias, coisa que a família Bolsonaro já fazia anteriormente. Depois tenta mudar um pouco o discurso, até empregar parente de milicianos. É impossível empregar parentes de milicianos sem saber.
Folha – Você está no primeiro mandato na Câmara Federal. Sua militância política fica em Niterói e Grande Rio. Você tem acompanhado como companheira de bancada os deputados daqui de Campos e região?
Talíria – A que eu acabei tendo mais proximidade, por conta da participação na Comissão de Constituição e Justiça, foi a deputada Clarissa Garotinho (Pros), que teve posições, no último período, enfrentando o que eu entendo e me parece que ela apresentou também como desmonte da Previdência. Embora eu seja de Niterói, acho que temos um histórico especial em cidades do interior, que é de coronelismo na relação de algumas famílias com os territórios. Eu acho que isso é parte da fragilidade da democracia brasileira. São as mesmas famílias no poder e acho que é preciso oxigenar essa política.
Folha – E o Wladimir Garotinho (PSD) e o Felício Laterça (PSL)? Você tem contato?
Talíria – Ainda não tenho muito contato com eles. Podemos em breve retomar essa conversa. Inclusive, vou procurar o Wladimir. Saí de uma reunião com profissionais da UFF e eles me informaram que o Wladimir se comprometeu em articular com a bancada federal do Rio de Janeiro emendas para a manutenção do prédio da UFF. Vou ter uma conversa com ele.
Folha – Reforma da Previdência. A senhora já esteve na Comissão de Constituição e Justiça com o Paulo Guedes, já foi criticada por MBL, cochichou no ouvido, enfim. Qual a sua posição sobre a Reforma da Previdência?
Talíria – Primeiro eu acho que o MBL tem que estar preocupado com o futuro do Brasil e não em fazer vídeos montados. Eu tenho assessores e, ainda bem, tenho excelentes assessores e assessoras. Vou sempre consultá-los. Nós temos um mandato coletivo e nossa assessoria não nos envergonha, nos orgulha. O que está em disputa é o que vai ser o futuro do Brasil e, infelizmente, me parece que a saída encontrada para o déficit, que eu acho que tem todo um debate em torno da composição desse déficit, mas infelizmente, não pode ser o desmonte da Previdência. Temos hoje um país com marcas profundamente desiguais. A gente tem 50 milhões de pessoas fora do mercado formal de trabalho. Como entra a Reforma da Previdência aí? O regime de repartição, que é parte de um regime constitucional, que é o da solidariedade, ele é hoje, talvez, a maior forma de incidir sobre essas desigualdades históricas. E me parece que há uma tentativa de desmontá-lo. E o que eu penso sobre isso? Primeiro acho uma falácia a ideia do combate aos privilégios. O que é entendido enquanto privilegiado é o conjunto de servidores. Existem servidores privilegiados, mas a massa de servidores, sou professora concursada, por exemplo. Dá aula de 6h até às 22h. Não entendo que profissionais da Educação sejam privilegiados. Mas mais do que isso, embora não se apresente cálculo atuarial, por exemplo, não tem os números.
Folha – Você chegou a trancar o curso de história, na Uerj, para jogar vôlei profissionalmente em Portugal. Como foi essa experiência?
Talíria – Eu era atacante. Tinha uma impulsão enorme. Meu problema era o bloqueio. Meu braço é torto e eu não conseguia chegar, mas eu era uma boa atleta. Não era a melhor, mas era muito esforçada e disciplinada. Fui a capitã da maioria dos times que participei. Aí eu era atleta e um antigo treinador meu que estava em Portugal e me chamou para jogar lá. Eu fui morar na Ilha do Pico, nos Açores. Tranquei o curso de História e fui. Fiquei dois anos.
Folha – Gostou? Dá pra comparar a vida de atleta profissional com a vida de político?
Talíria – Foi uma experiência incrível. Sem dúvidas. Eu acho que minha primeira experiência profundamente coletiva foi como atleta. O vôlei é um esporte que não dá para alguém fazer uma jogada sozinho. O senso de coletividade que foi necessário para minha condição de atleta é como eu encaro a política. Embora não seja a característica da maioria daqueles que ocupam o espaço institucional.
Folha – O Ministério da Educação anunciou o corte de 30% da verba do ensino público federal. Em Campos, a UFF está com uma dívida que é prévia a esse governo, de R$ 1,5 milhão, dos contêineres onde funciona a maioria dos cursos. O reitor do IFF, Jefferson Manhães, disse que, se aprovado contingenciamento, ele só tem verba para funcionar até outubro. Qual é a solução?
Talíria - Não tem que ter contingenciamento. A gente precisa discutir o orçamento brasileiro. Orçamento é escolha. A gente paga quase metade do orçamento com juros de dívida. A gente paga, inclusive, esses juros, com taxas maiores do que são as possibilidades internacionalmente. Não estou dizendo aqui “vamos parar de pagar”, mas é preciso rediscutir, fazer auditoria da dívida, discutir o que vale esse orçamento, porque, se o discurso é de déficit...
Folha - Está falando da dívida pública, não é?
Talíria - Estou falando da máfia do orçamento brasileiro. Se há déficit, de onde vai tirar? A gente tem um congelamento de investimentos em Educação e Saúde, a PEC dos Gastos, num país que já tinha problemas no acesso à Educação, seja a educação básica, que também vai ter um corte de R$ 2,5 bi, se não me falham os números. Acho que tem que tirar de outro lugar.
Folha – No dia 29 de setembro, teve em Campos, na praça São Salvador, e no Brasil todo, o #EleNão. As mulheres foram para a rua. Homens também, mas mulheres que criaram e foram para a rua gritar o #EleNão a oito dias do primeiro turno. Na pesquisa seguinte, do Ibope, feita nos dias 29 e 30, ela aponta que, no dia da manifestação e no dia seguinte, o voto feminino de Bolsonaro pulou de 18 para 24%, fora da margem de erro. A reação global das mulheres brasileiras parece contrária à manifestação. Se não deu certo pela pesquisa, por que insistir nisso?
Talíria - Primeiro: eu não acho que não deu certo.
Folha - Bolsonaro foi eleito.
Talíria - Vou chegar nesse ponto. Não acho que não deu certo porque há um processo necessário de mobilização protagonizado por mulheres no último ciclo. E massivo. O que eu acho dessa eleição do Bolsonaro é que tem a ver um pouco com a luta das mulheres como resistência a isso. Existe uma negação da política pelo povo, com razão, por uma desesperança com os últimos períodos. Embora a gente tenha tido avanços sociais no último ciclo, existe um anseio de uma política mais próxima do concreto, desvinculada das grandes empresas, dessa conciliação do último ciclo.
Folha - Depois do resultado em 2018, você não acha que é seguro afirmar que o Psol assumiu do PT o papel de grande partido da esquerda no Estado do Rio de Janeiro?
Talíria - Eu acho que sim. Acho que o PT já é frágil no último período no Rio de Janeiro.
Folha – Nunca teve no Rio a força que teve no Brasil.
Talíria – Isso, nacionalmente. E acho que a gente teve um crescimento muito grande no Rio de Janeiro, mas não só, no Brasil. Nossa bancada dobrou no Congresso Nacional. Então, embora seja um período grave, e parece um período de muito retrocesso democrático, que exige uma conversa e muita generosidade no campo da esquerda, é também o momento de construir uma alternativa mais radical. Não no sentido da ausência de diálogo, é importante colocar. No sentido de ir na raiz. Eu acho que o Psol tem assumido esse protagonismo. Não sozinho. A gente, hoje, vive uma ampliação na relação do partido com movimentos sociais como MTST, com a Apib...
Folha – Estamos em Campos, a eleição de 2020 já está movimentando a cidade. Você não deve estar, logicamente, íntima do debate político local, mas já é algo que se fala bastante por aqui. Wladimir é um pré-candidato, o prefeito Rafael Diniz (PPS) é candidato à reeleição. O Psol pretende apresentar candidatura própria a prefeito de Campos em 2020? E candidatos a vereador?
Talíria - Eu acho que o Psol local vai precisar fazer essa discussão, mas a minha opinião é que é muito importante que o Psol dispute a política da cidade de Campos.
Folha – Majoritária?
Talíria – Também. Penso que Campos é uma cidade muito importante economicamente, simbolicamente...
Folha - Foi Getúlio Vargas quem disse que Campos é o retrato do Brasil
Talíria – Acho bastante importante. A gente tem como também prioridade a intervenção em Campos. A participação. A gente quer para além de uma participação na capital. Já rodamos algumas cidades, bastante no interior, durante a campanha e agora estamos nessa. Já estive na Região dos Lagos, no Sul Fluminense, mas entendemos que o Norte Fluminense é uma região muito prioritária, junto com São Gonçalo, que é a cidade vizinha de Niterói. São lugares populosos que também movimentam a economia, mas também, na nossa opinião, foram abandonados nos últimos ciclos pelo poder público.