Aluysio Abreu Barbosa e Arnaldo Neto
13/04/2019 18:46 - Atualizado em 19/04/2019 12:32
As ligações entre São João da Barra e Campos vão além do rio Paraíba e dos hábitos de veraneio. A vida política dos dois municípios também caminha de mãos dadas. Mesmo que quem ontem entrelaçou dedos com um, hoje, o faça com o antigo adversário do ex-aliado. Prefeito de SJB duas vezes, Betinho contou um pouco da história política dos Dauaire, aberta por seu pai e hoje escrita por seu filho. A entrevista foi feita na quinta (11), um dia antes do deputado estadual Bruno Dauaire trocar o PRP pelo PSC do governador Wilson Witzel. Mas deu para Betinho falar um pouco do passado, próprio e em comum com a prefeita Carla Machado e o ex-governador Anthony Garotinho. E para projetar 2020 nas duas cidades.
Folha da Manhã – Como recebeu a notícia de que a partilha dos royalties, aprovada pelo Congresso Nacional em 2013 e, desde então, segura por uma liminar, voltará à pauta do Supremo em 20 de novembro? Que paralelo faz com aquele momento em 2001, do acidente com a plataforma P-36, quando São João da Barra, governada por você, ficou sem royalties?
Betinho Dauaire – Nós começamos a governar São João da Barra como município limítrofe, não era produtor de petróleo. Começou, a partir de fevereiro de 1999, com valores mínimos de produtor com a mudança da legislação. Em cima desses valores de royalties que começaram a entrar no município, nós começamos a aplicar em grau de investimentos. Eu fiquei sem royalties um mandato quase todo. Depois, passei a receber R$ 13 mil de royalties. Era simbólico, mas já era um pé dentro de município produtor. Nós procuramos investir na estrutura do município, que era muito carente. Naquela época, nós tínhamos uma receita de R$ 11 milhões/ano, quando começamos, com R$ 17 milhões de dívidas, serviços essenciais todos paralisados. Nem a Prefeitura tinha luz. E é simbólico, eu tenho uma reportagem da Folha da Manhã registrando isso, eu trabalhando à luz de vela na Prefeitura de SJB.
Folha – Você pegou o governo após Ranulfo Vidigal, após a emancipação de São Francisco em 1995.
Betinho – É, peguei o governo após Ranulfo. E ainda tinha isso, a divisão. Nesse período até a plataforma afundar, nós aumentamos a infraestrutura do município. Construímos e humanizamos postos de saúde, construímos e reformamos diversas escolas. Com isso, aumentamos o grau de investimento e também o custeio da máquina para manter esses programas. E, de repente, é como um chefe de família que tem a sua casa, melhora o salário um pouquinho, aí compra um ar condicionado, mais uma TV, um freezer, aumenta a conta de luz, bota o filho em uma escola particular e perde o emprego. Assim foi aquela tragédia que, maior do que isso, foram as 11 vidas que se perderam. Na época, eu fiz uma reunião de emergência, reduzi todos os custos da Prefeitura, naquilo que poderia ser reduzido sem prejudicar os serviços nas áreas de saúde e educação. Continuamos junto à ANP (Agência Nacional de Petróleo), à Ompetro (Organização dos Municípios Produtores de Petróleo), a pleitear a volta do município como produtor. Só que ali, logo depois, tinha um navio sonda na área e, depois de um período, o município voltou a produzir, com royalties acanhados. Para se ter uma ideia, a minha maior arrecadação anual, com todas as receitas do município, no último governo, eu acho que deve ter chegado a R$ 60 milhões. Hoje, é um R$ 1 milhão/dia, aproximado. O importante disso, o que eu fico satisfeito, é que nós, mesmo com receita baixa, nossa administração foi a que mais obras fez, que mais grau de investimento teve na média crescente.
Folha – Carla Machado também não investiu muito em obras?
Betinho – Isso, teve um grau de investimento. Mas não teve uma constante. Eu dei uma estudada, através dos estudos socioeconômicos do Tribunal de Contas do Estado, que mede essa questão do grau de investimento do município. A primeira usina de reciclagem de lixo da região foi na nossa administração. Estação de tratamento de esgoto, deixei pronta, direitinha, só com burocracia na Cerj [antiga concessionária de energia elétrica]. Bairro da Chatuba também, a questão do esgotamento nós fizemos. Estou falando de coisas estruturantes, urbanização de diversos bairros. Extensão de rede elétrica, nós fizemos dezenas de quilômetros, junto ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Enfim, pronto-socorro 24 horas, que não tinha, laboratório público, fora os projetos e ações importantes. Por exemplo, em SJB, todo mundo sabia quem era o médico e o advogado. Eu criei o projeto do vestibular gratuito, depois da bolsa universitária, do transporte [universitário] gratuito e depois o primeiro curso técnico que existiu no município, que é o de Turismo. Na área da saúde, a mortalidade infantil, segundo dados que me entregaram no início de governo, era de 23 a cada mil. E nós deixamos ali, eu acho que teve um, no máximo, o que já é uma perda. Por quê? Programas de saúde, pré-natal e acompanhamento da criança de quando nasce até uma certa idade, por causa da desnutrição. Foram muitos programas. Eu construí as maiores escolas que têm no município e as primeiras creches.
Folha – Quais?
Betinho – Em SJB, na entrada ali, o Domingos Fernandes da Costa. No Açu, a primeira que eu fiz, e em Barcelos. Fiz creches no município em vários lugares. Essas escolas me foram motivadas por uma questão de humanização. Com o reconhecimento pela Organização das Nações Unidos no combate à miséria, ao analfabetismo.
Folha – Mas, após se eleger e reeleger, você não fez sucessor. Ari Peçanha foi uma escolha correta?
Betinho – Mas não foi uma escolha minha, foi de uma pesquisa. Existia Adilson Almeida e Ari. Contratamos o Ibope, que fez a pesquisa para decidir quem era o candidato. O candidato foi Ari, e nós respeitamos a decisão. Houve muito boato. No final, eu acabei pagando o pato da derrota. Apesar de não ter sido uma derrota política, com mais 350 votos, Ari ganhava.
Folha – Se, em história, existe?
Betinho – É, não adianta. A candidata (Carla Machado) ganhou a eleição. Maravilhoso, fiz a transição do modo que tinha de fazer.
Folha – Você e Carla Foram aliados. Ela foi líder do seu governo e depois presidente da Câmara. Como se deu o processo de ruptura?
Betinho – Ela foi líder do meu governo e conseguimos elegê-la presidente. Mas ela teve um caminho diferente. Foi uma opção dela na época.
Folha – Como foi essa decisão?
Betinho – Da noite para o dia, eu acordei com ela tirando foto no Palácio, com Garotinho e a turma dela.
Folha – Até então, a rivalidade política era dos Dauaire com o grupo de Garotinho?
Betinho – Na verdade, a briga não era entre os Dauaire e Garotinho na época. Em 1996, eu cheguei à Prefeitura, eu acho que Garotinho era prefeito também.
Folha – Foi eleito prefeito em 1996, saiu em 1998, concorreu a governador e ganhou.
Betinho – Nesse período que ele foi prefeito, ele era referência e liderança. Naquela época, a referência de oposição eram os vereadores. A gente tinha uma relação meio tumultuada, eu reduzi o repasse para Câmara, tive oposição durante um período. Depois que Carla assumiu [como presidente], também começou outra problemática. Enfim, descobri assim...
Folha – Com as fotos dela no Palácio?
Betinho – É. Em grande estilo, né?
Folha – Isso não parece história do marido traído, que dizem ser sempre o último a saber?
Betinho – Quem gosta dessas metáforas é o Bolsonaro. Ele adora botar um casamento para terminar. Mas faz parte da política. Eu entendo isso tudo naturalmente hoje. Buscou o caminho. Cada um busca o seu.
Folha – Ela começou a chamar você de “coronel de tênis”, numa referência ao seu pai.
Betinho – Ganhei a eleição.
Folha – Sua reeleição a prefeito.
Betinho – Isso. Garotinho virou governador e pediu para que eu a colocasse à disposição do Estado para ser agente de desenvolvimento local. Coloquei sem o menor problema, apesar de manifestações de alguns que hoje até são aliados dela. Rosinha ganhou e pediu para colocar ela à disposição, como agente de desenvolvimento regional. Coloquei. Minha política é um nível por cima.
Folha – SJB tem Congos e Chinês, marimbondo e abelha. A polarização política faz parte da cultura do município?
Betinho – SJB foi assim no início, um pouco mais antigo, entre o deputado federal Simão Mansur e o deputado estadual Afonso Celso Ribeiro de Castro. Depois, virou Alberto Dauaire e Simão Mansur. Levou essa polarização, até chegar a era Garotinho e, depois, viemos eu e Carla. Sempre existe uma vontade de uma terceira via, para fugir dessa polarização. Essa terceira via vem ensaiando desde 1996, com nomes diferentes, mas, como SJB é uma cidade com eleição em um turno só, tem suas dificuldades. Agora, quem faz essa polarização, que essa terceira via tenta combater, é o próprio eleitor. Não é o Betinho, nem a Carla.
Folha – Antes de a gente chegar à próxima eleição, vamos voltar à questão da polarização. Em 2000, você vence Carla. Depois ela bate o seu grupo, com Ari. Já em 2008, vocês se enfrentam e ela sai vencedora. No pleito seguinte, o candidato dela, Neco, vence você em uma eleição que tem, inclusive, ação judicial eleitoral em curso. Quando a gente chega em 2016, com Bruno já deputado, a família Dauaire fica neutra. Foi uma forma de fugir dessa polarização?
Betinho – A família Dauaire não procura zona de conforto para disputar eleição. A família Dauaire colocou o nome em julgamento da população de SJB em 23 eleições. Das 23 eleições, nós tivemos 20 vitórias políticas. O que é vitória política? São mandatos ou sendo mais votado no município.
Folha – Dessas, quantas são do seu pai, quantas suas?
Betinho – Alberto Dauaire mais votado ou com mandato: 1950, 54, 56, 58, 62, 66, 70, 72, 74, 82, 86, 90, 92. Eu disputei a eleição de deputado em 1994 duas vezes. A primeira foi anulada, fui o mais votado no município nas duas. Disputei a Prefeitura em 1996 e 2000, venci as duas. Disputei a de 2006 para deputado, fui o mais votado do município. Em 2008 e 2012, fui o menos votado. De sete eleições, fui o mais votado em cinco. Bruninho, de duas eleições, venceu as duas, sendo o mais votado no município em uma. Meu pai, em 1992, contra Ranulfo, foi o menos votado. Então, de 23 eleições, nós fomos os mais votados no município ou tivemos mandato ou vitória política em 20. Nós não buscamos zona de conforto para disputar eleição. Então, nós não participamos da eleição (2016), respondendo sua pergunta, porque não nos identificamos com nenhuma das candidaturas.
Folha – O próprio Wladimir admite que Carla, podendo disputar, será difícil de ser batida em 2020. Agora, se ela for condenada pelo TSE na Machadada, e não puder disputar, abre uma janela a Bruno. Concorda?
Betinho – Eu acabei de responder essa pergunta. Nós nunca procuramos zonas de conforto, nem escolhemos adversários. Tanto é que eu disputei com Carla com ela sentada na cadeira de prefeito, com apoio de Pezão, com apoio de Cabral, com apoio de Eike Batista. Quer mais forte do que isso? Eu disputei com ela. Carla disputou comigo quando eu estava sentado na cadeira de prefeito e ela, de presidente da Câmara. O Bruno disputou com ela, que tinha acabado de sair da Prefeitura, para deputado estadual. Eu acho que essa questão de receio e zona de conforto não faz parte do nosso dicionário e nem do dela.
Folha – Mas concorda que Carla, podendo concorrer, é uma fortíssima candidata?
Betinho – Ué, tá sentada na cadeira de prefeito.
Folha – É experiente, tem boa avaliação.
Betinho – Sabe fazer uma política como algumas pessoas gostam. Enfim, ela como candidata pode criar uma dificuldade. Ela tem uma popularidade que hoje é muito questionada. Toda eleição é diferente das outras. Ao mesmo tempo que você coloca essa questão de ser uma eleição mais complicada com Carla, existem várias pessoas que comentam que existe uma desmotivação da prefeita em relação ao Executivo. Não sei se é um cansaço. Tanto é que ela tentou buscar degraus maiores na esfera estadual, quando foi candidata a deputada estadual e ficou na segunda suplência. Ela até ensaiou uma eleição para deputada federal (em 2018) e recuou. Isso é natural. Nesse desgaste, é natural buscar um espaço maior. Cada eleição envolve circunstâncias diferentes. Ela mesma, até hoje, não declarou se deseja ser candidata ou não. Então, as dificuldades vão ser enfrentadas quando as candidaturas forem colocadas.
Folha – Se fala em SJB e Campos que, pelo estilo assertivo, Carla seria um “Garotinho de saias”. Concorda?
Betinho – Acho que cada um tem seu estilo. Às vezes, coincide em um ponto e, em outros, são completamente diferentes.
Folha – Você é um político de estilo mais sutil, como foi seu pai e é seu filho. Já Carla e Garotinho têm em comum essa coisa da veemência.
Betinho – São estilos diferentes. Cada segmento da população se identifica mais com um ou outro.
Folha – De SJB a Campos, Rafael já admitiu que disputará a reeleição a prefeito. Os deputados Gil Vianna e Rodrigo Bacellar também lançaram suas pré-candidaturas. O garotismo deve trazer Wladimir, embora ele tergiverse. Como você projeta?
Betinho – Eu vejo que eles estão construindo o seu caminho. Não conheço o trabalho deles de perto, conheço mais o trabalho de Wladimir. E eu não vejo um segundo turno sem o nome de Wladimir Garotinho na disputa. O momento político é favorável a ele. Por duas coisas: ele traz, querendo ou não, a memória política da Rosinha e do Garotinho com as classes mais carentes. Com um grau de investimento desta administração maior que a atualidade. Porque vários programas, além de obras, foram suspensos. Estou colocando o lado positivo. Acho que isso conta. E que Wladimir também transita bem com a classe média.