Educação mostra seu papel, apesar de tudo
Camilla Silva 16/03/2019 17:30 - Atualizado em 18/03/2019 18:03
Mesmo com os recentes episódios de violência dentro de escolas, o ambiente escolar se mostra rico para o desenvolvimento intelectual e moral de seus alunos. Em Campos, a Escola Municipal Branca Peçanha, no Parque Eldorado, por exemplo, que chegou a ter aulas suspensas em 2018 por conta da violência que assolou uma das áreas de conflito mais perigosas de Guarus, atualmente colhe resultados positivos devido ao bom desempenho de seus projetos e palestras. As últimas tragédias envolvendo unidades escolares, como a de Suzano, também reacendeu a questão da segurança dentro das instituições.
A Escola Municipal Branca Peçanha tem 1.010 alunos, de 4 até 15 anos, matriculados nas séries do pré II ao 5º ano, divididos no turno da manhã e da tarde. Segundo a diretora-geral da unidade, Neilce Faquer Manhães, apesar do contexto violento que existe no bairro em que a instituição está sediada, o trabalho desenvolvido com os alunos tem sido motivo de orgulho. “Todo mundo sabe que aqui existe um contexto violento, mas a comunidade ajuda a escola. Nunca recebemos ameaças diretamente. Nós já tivemos a escola depredada e vandalizada no passado, mas hoje essa não é mais a realidade daqui. Toda melhoria que fazemos é mantida”, afirmou Neilce ao acrescentar que a escola, como instituição, precisa ser parceira: “Olha para o rosto dessas crianças. Olha quanta diversidade a gente tem aqui. Cada um tem uma história de vida diferente. Às vezes, não muito fácil. A escola precisa ser parceira”.
Na última quarta-feira (13), a escola Branca Peçanha chegou a ser homenageada com moção de aplausos da vereadora Joilza Rangel (PSD). “Apesar de ser um momento trágico para a educação do país, por conta do atentado em Suzano, queremos homenagear uma escola do município por conta do Dia da Escola e também uma gestão. Porque vi o quanto faz a diferença um trabalho de um gestor. A Neilce, a Sabrina e a Cristina fazem uma diferença enorme na educação de Campos. Todas as salas de aula da escola têm ar condicionado. A escola tem todo um suporte pedagógico fornecido pela Patrícia, pela Rose, pela Clarice e por Cláudia que está lá há 30 anos e que eu vi em todas as turmas a serenidade tanto dos professores quanto dos alunos. Todos os alunos sentados, serenos, não se vê aluno gritando na escola. Foi emocionante o que pude ver”, disse a vereadora, durante seu discurso na Câmara.
O ambiente escolar como uma arena cultural também é defendido pela pedagoga e pesquisadora da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Carla Sarlo. Ela diz que a educação dar contribuições para evolução pessoal e profissional, mas hoje ela faz muito menos do que poderia fazer. “Como uma criança entra e como ela sai? Não tem essa preocupação. A criança entra, aprende a violência, porque o professor que não sabe trabalhar com a diferença, ignora. O aluno fica invisível, se torna um objeto. Esse professor, que poderia resgatar esse aluno, violenta com a sua indiferença. Por outro lado, o professor fica sozinho, violentado pelos alunos e não tem ninguém para dar uma assistência a ele. Não tem para quem apontar o dedo, tem que repensar as políticas públicas, em conjunto com a formação de professores e de currículos. Um repensar total”, defende.
Ataque armado em Suzano marcou semana
Na última quarta-feira (13), Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25, mataram oito pessoas e deixaram outras 11 feridas na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), de onde eram ex-alunos. Segundo a polícia, Guilherme matou Luiz Henrique e cometeu suicídio em seguida. As vítimas são cinco alunos, duas funcionárias da escola e o tio de um dos atiradores, que foi assassinado em uma loja de carros antes do atentado. O motivo do ataque ainda não é conhecido.
A onda de violência em escolas também chegou à região. Em Campos, a diretora do Ciep Nação Goitacá, localizado na Estrada de Poço Gordo, em Goitacazes, foi agredida e ameaçada de morte por um aluno, no dia 21 de fevereiro deste ano. O caso aconteceu após a idosa, de 64 anos, ter um desentendimento com o adolescente de 15 anos. Na ocasião, a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) informou que, após ouvir os envolvidos e os órgãos competentes, ficou decidida a suspensão e transferência do aluno para outra escola da rede estadual.
Em junho de 2018, escolas municipais do subdistrito de Guarus, em Campos, tiveram as aulas suspensas por três dias devido a uma troca de tiros, no Parque Santa Rosa. Na ocasião, a janela da Escola Municipal Eunícia Ferreira da Silva foi atingida por estilhaços de bala. Durante a entrada e a saída dos alunos, nos dois turnos, viaturas da Polícia Militar reforçaram a segurança nas unidades. Em março do mesmo ano, as aulas em unidades do distrito já haviam sido suspensas após uma facção criminosa colocar, em postes e muros, ameaças a comunidade acadêmica.
Projeto de música clássica é destaque
Desde o começo deste ano, a pedagoga Maria Augusta Lopes, que atua na Escola Municipal Branca Peçanha, implementou um projeto de música clássica na unidade. Antes de começar o turno, todas as turmas ouvem Johann Sebastian Bach, compositor alemão. “A gente tem que se preocupar em formar a alma do aluno. É uma questão da vivência dentro da escola. Ensinar é um ato de amar”, afirma pedagoga. Na sala, professores já sentem os alunos mais concentrados e relaxados.
A unidade oferece outros projetos, como o de leitura que recebeu o nome “Você tem fome de quê?”, além de palestras sobre bullying, situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas. Outra medida para diminuir conflitos é integrar a comunidade com as ações escolares, como o evento Escola em Ação, onde o poder público oferece serviços e eventos dentro das unidades, enumera a diretora da escola, Neilce Faquer.
Para a pesquisadora Carla Sarlo, as relações são complexas dentro das escolas e é preciso preparo dos profissionais para com essas evoluções. “O diferente é visto como deficiente. Criam o modelo do feio e do bonito, e aí vem o bullying. E a escola fica onde? A escola está perdendo campo. O aluno acha que a tecnologia só serve para colar e copiar ou ficar criando avatar para falar do outro. Falta uma parceria da educação com o mundo digital, que é um mundo novo, um mundo que atrai qualquer um, mas é um mundo perigoso”, explicou.
Relação harmoniosa contagia estudantes
A coragem dos profissionais que trabalham Escola Raul Brasil, em Suzano, evitou que mais pessoas fossem mortas ou ficassem feridas. Duas funcionárias, Eliana Regina de Oliveira Xavier, 38 anos, e Marilena Ferreira Vieira Umezo, 59 anos, acabaram assassinadas. Durante o incidente, professores protegeram alunos dentro das salas. No caso que ficou mais conhecido, cerca de 70 estudantes se salvaram graças à iniciativa de merendeiras que conseguiram abrigá-los e trancá-los dentro da cozinha do colégio, a alguns metros do pátio, onde os primeiros tiros foram disparados pela dupla que entrou na unidade. “Foi muito bonito o que elas fizeram e de muita coragem”, falou Quelis Mariano, que trabalha como merendeira na Escola Municipal Branca Peçanha, no Parque Eldorado.
— A gente mora aqui no bairro e quando as crianças nos veem na rua é uma alegria. Elas vêm, abraçam. É muito carinho que recebemos delas. Hoje mesmo, quando a escola abriu, um aluno veio aqui me dar um beijo. Que nada do tipo do que aconteceu lá se repita aqui, mas, se um dia for necessário, nosso caminho vai ser sempre de protegê-las — afirmou Raquel da Silva, que também trabalha como merendeira na unidade.
A diretora Neilce Faquer afirma que a escola mantém a atenção para a realidade de cada estudante. “A gente já teve casos de um aluno contar que dormiu debaixo da cama por causa de tiros ou chegar chorando muito, querendo ficar abraçado com a gente. Nós temos uma equipe que acompanham esses casos, com o serviço social e a pedagoga. É preciso entender o que está acontecendo”, afirmou Neilce completando “aqui é um ambiente de paz”.

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