*Aparício Torres
28/03/2019 18:41 - Atualizado em 03/04/2019 17:23
Enquanto uma língua não ganha uma ortografia, uma gramática, um dicionário e uma literatura (no seu mais amplo sentido), não há garantia de que ela ganhe uma feição estável. Mesmo com essa garantia, não é afiançável que uma língua sobreviva. As línguas do Oriente Médio antigo, inclusive as mesopotâmicas, contavam com falantes e com escrita. Não ganharam ortografia, gramática e dicionário, mas vigoraram por milênios. Claro que sofreram transformações, mas, sem escrita, seriam desconhecidas atualmente.
Mesmo com todas as salvaguardas, uma língua, analogicamente, parece um ser vivo: nasce, cresce, envelhece e pode morrer. O grego antigo e o latim produziram literaturas, mas morreram. Quanto ao esperanto, parece que não nasceu, embora contando com uma gramática. Regras escritas, literatura e falantes também não garantem que a língua seja dinâmica e que se transforme ao longo do tempo e se esparrame ao largo do espaço. Para as transformações temporais, existe a filologia, disciplina que estuda as mudanças de uma língua no tempo.
Colocando as línguas europeias no contexto da globalização ocidental, notaremos as profundas mudanças que elas sofreram ao longo do tempo e ao se disseminarem no espaço. Não me sinto apto a tratar desse assunto com segurança. Limito-me apenas ao português, que me é familiar. A Península Ibérica é um caldeirão de línguas latinas, exceto o basco. Ainda hoje, existem nela, o espanhol, o português, o catalão e o galego, pelo menos. Mas futuquem um pouco mais e descobrirão que existem naquele espaço, ainda hoje, o mirandês (com dialetos), o leonês e o asturiano.
Quando o português e o espanhol começaram a se propagar pelo mundo dentro das caravelas, parece que eram línguas mais próximas. Li “Dom Quixote”, de Cervantes, no original como um grande desafio. O livro foi escrito em espanhol do renascimento. A língua se parecia mais com o português da época do que ambas hoje. Acabei de ler “Esmeraldo de situ orbis”, sobre a expansão marítima portuguesa. O livro foi escrito por Duarte Pacheco Pereira e publicado em 1506. Apenas uma pequena passagem do livro: “ho mar oceano nam cerca ha terra, como os philosophos disseram, mas antes a terra deue cercar o mar, pois jaz dentro na sua concavidade e centro; pelo qual concrudo que o mar oceano nam he outra cousa senam hua muito grande halaguoa metida dentro da concauidade daterra.” O trecho não só ilustra o português escrito no século XV como também a concepção de mundo da época. Atualizemos a língua:“o mar oceano não cerca a terra, como os filósofos disseram, mas antes a terra deve cercar o mar, pois jaz dentro na sua concavidade e centro; pelo qual concluo que o mar oceano nãoé outra coisa senão uma muito grande lagoa metida dentro da concavidade da terra.” Pelo menos, o autor renascentista era mais avançado que os terraplanistas de hoje.
Com a expansão marítima, as línguas europeias foram impostas e outros povos. Por mais esforço que os colonizadores fizessem para mantar a pureza das línguas, elas acabaram adaptadas a diferentes contextos. O português de Portugal difere do português do Brasil, da Guiné-Bissau, de Angola, do Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe e de Timor-Leste, considerando-se ainda os antigos domínios portugueses de Macau, Goa, Damão e Diu. Em Malaca, domínio da república Malásia, o português ainda resiste mutilado. Em países grandes, como o Brasil, o português do Rio Grande do Sul não é falado como em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e Pará.
E nas colônias europeias, além das mudanças sofridas pelas línguas do colonizador, as línguas locais misturam-se com elas e deram origem às línguas crioulas, distintas das línguas mães e pais. Um doce para quem decifrar o poema popular em crioulo falada em Príncipe “kwa ki te ôpè pwe kwá ki te ôpè ta i ki te ôpè passa pwê kwa ki te ôpè guinhã”. É a conhecida adivinha “A coisa que tem pés dá à luz uma coisa que não tem pés e esta (quando tem pés) continua a dar à luz uma coisa com pés.” Resposta: galinha.
Solo recentemente, soube qu’eisisten dues lénguas oufeciales an Pertual. Oubtibe esta anformaçon nun artigo publicado ne l jornal “Hoije Macau” de 28 de janeiro de 2019 publicado an Macau, domínio de Pertual ancrabado na China, an frente la Hong-Kong, ex-domínio británico. An 1999, Macau fui antregue al gobierno chinés i ganhou statuto de Region Admenistratiba Special de Macau. Alhá, l pertués tamien ganhou bida própia i gerou ua léngua crioula. Ambas tenden la çparecer.
L’artigo mostraba que, ambora cunsidrada la segunda léngua oufecial de Pertual, l mirandés nun recibe apoio gobernamental. Eilha ye falada al norte de l paíç, percipalmente an Miranda de l Douro, cidade de l norte de Pertual a las bordas de l riu Douro. Eilha nun ye dominante na region. L pertués ye mais falado de l qu’eilha. I sou reconhecimiento cumo léngua oufecial data de 1999. L mirandés cunta cun gramática, ortografie i dicionairo. Jornales i libros son publicados nesta léngua. La léngua ouriginou-se a partir de las lénguas asturo-leonesas, adbindas de l latin. Eilha ye falada nas aldés de l cunceilho de Miranda de l Douro, menos an Atanor i Teixeira. La léngua fui dada cumo zaparecida, mas staba biba antre ls antigos i ls afastados de ls grandes centros. Agora, eilha stá sendo ansinada an cursos regulares. Atualmente, stima-se qu’antre 5000 i 10000 pessonas fázen uso de l mirandés.
Na mie curjidade anfantil, yá cumprei dous libros d’outores mirandeses ne l’ouriginal. Aguardo la chegada deilhes. Sei que cunseguirei lé-los.
Se algum leitor chegou até aqui e topou com o texto anterior de três parágrafos, deve ter passado sobre eles para chegar ao final. É que usei o tradutor eletrônico para escrever o que se segue entre aspas: “Só recentemente, soube que existem duas línguas oficiais em Portugal. Obtive esta informação num artigo publicado no jornal ‘Hoje Macau’ de 28 de janeiro de 2019 publicado em Macau, domínio de Portugal encravado na China, em frente a Hong-Kong, ex-domínio britânico. Em 1999, Macau foi entregue ao governo chinês e ganhou estatuto de Região Administrativa Especial de Macau. Lá, o português também ganhou vida própria e gerou uma língua crioula. Ambas tendem a desparecer.
O artigo mostrava que, embora considerada a segunda língua oficial de Portugal, o mirandês não recebe apoio governamental. Ela é falada ao norte do país, principalmente em Miranda do Douro, cidade do norte de Portugal às margens do rio Douro. Ela não é dominante na região. O português é mais falado do que ela. E seu reconhecimento como língua oficial data de 1999. O mirandês conta com gramática, ortografia e dicionário. Jornais e livros são publicados nesta língua. A língua originou-se a partir das línguas asturo-leonesas, advindas do latim. Ela é falada nas aldeias do concelho de Miranda do Douro, menos em Atenor e Teixeira. A língua foi dada como extinta, mas estava viva entre os antigos e os afastados dos grandes centros. Agora, ela está sendo ensinada em cursos regulares. Atualmente, estima-se que entre 5000 e 10000 pessoas fazem uso do mirandês.
Na minha curiosidade infantil, já comprei dois livros de autores mirandeses no original. Aguardo a chegada deles. Sei que conseguirei lê-los.”