Crítica de cinema - Criança assassina
- Atualizado em 18/03/2019 18:29
(Maligno) —
Não é difícil produzir um filme de terror atualmente. Os ingredientes estão à disposição dos roteiristas e diretores: uma velha casa, sombras, vínculos com a Europa oriental, ruídos bruscos, aparições repentinas, sustos, mortes bizarras etc. Difícil é misturar tudo isso em doses adequadas para inovar.
Comecemos com um assassino que matava mulheres e decepava suas mãos. Uma de suas vítimas, embora privada da mão direita, escapa e informa a polícia sobre sua agressão e localização. Resistindo aos policias, ele é metralhado e morre. Logo em seguida, em local distante, nasce uma criança. O espírito do serial killer se apossa daquele pequenino corpo, levando para ele alguns de seus traços físicos, como os olhos, um de cada cor. Um caso de possessão? Um estudioso do assunto, no próprio filme, incumbe-se de explicar a diferença entre possessão e reencarnação. O espírito do assassino reencarna-se no corpo do recém-nascido sem expulsar o espírito da criança. São dois espíritos em conflito no mesmo corpo. Um deles acabará triunfando. Em filme de terror, presume-se que o território corporal será dominado pelo mal.
A família do assassino veio de uma região da Hungria que se limita com a Romênia. Claro. Já se tornou clichê transformar a Europa do leste na pátria do mal. Lembrem-se de Drácula. A criança aparenta ser superdotada. Na verdade, é o espírito do assassino que cedo se manifesta. A criança fala palavras numa língua estranha. Pentecostalismo? Não. Trata-se de um dialeto húngaro-romeno conhecido pelo espírito do mal. Na verdade, ele está pronunciando xingamentos à sua própria mãe.
O comportamento estranho do menino motiva sua mãe a levá-lo a uma especialista que não rejeita o sobrenatural. Ao ouvir as palavras engroladas do menino que sua mãe teve o cuidado de gravar, ela busca um quase exorcista. Confirmado: o corpo do menino de oito anos se tornou a residência do espírito maligno. Ele quer ser o morador exclusivo do corpo. Campos tem muitos seguidores do espiritismo. Eles deveriam assistir a esse filme para avaliar a possibilidade de dois espíritos num só corpo.
No plano da crítica, esse fenômeno já apareceu em muitos outros filmes. Até em bonecos, espíritos do mal se incorporam. Chucky e Annabelle, o boneco e a boneca assassinos, estão de volta em 2019. O roteiro de Jeff Buhler e a direção de Nicholas McCarthy nada têm de originais. A ideia de que o mal nunca morre, pois pode passar de um corpo para outro, deixa, ao fim do filme um gancho para continuação.
Bastante atento ao filme, lembrei-me do genial “A inocente face do terror”, dirigido por Robert Mulligan em 1972. A história de meninos gêmeos mais confunde do que esclarece. Ao final do filme, ficamos na dúvida se se trata de uma questão psicológica, parapsicológica, sobrenatural ou tudo junto. O filme foi produzido sem os recursos técnicos atuais. Quase ninguém lembra mais dele. Pode-se valer desse esquecimento, retomar o mote e produzir um filme parecido com pretensões de originalidade. Mas Nicholas McCarthy não é um Mulligan. “A inocente face do terror” não careceu de continuação para se tornar mais claro ou mais enigmático ou ainda para gerar mais bilheteria. Bastou um filme para dizer a que veio.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS