Matheus Berriel
18/03/2019 18:20 - Atualizado em 22/03/2019 14:19
Prestes a completar 80 anos, no próximo dia 13 de abril, o campista Aluísio Machado tem muita história para contar — várias delas já transformadas em samba. Ilustre integrante da ala de compositores do Império Serrano, sua escola do coração desde a infância, viu 12 de suas letras serem levadas para a avenida, ficando atrás apenas do saudoso Silas de Oliveira. Seis dos sambas-enredos vencedores valeram-lhe o Estandarte de Ouro, prêmio concedido pelo jornal O Globo, considerado o Oscar do Samba. No último sábado (16), Aluísio recebeu mais um troféu, tendo sido homenageado pelo também tradicional prêmio Plumas e Paetês Cultural, que chegou à 15ª edição em cerimônia realizada no Teatro Municipal Carlos Gomes, no Rio de Janeiro. Uma trajetória brilhante, mas pouco valorizada no quintal de casa, conforme lamentou em entrevista concedida à Folha da Manhã.
Folha — Com 79 anos de idade, são quantos de carreira? E como é ter sido escolhido entre tantos nomes possíveis para receber a homenagem especial do Plumas e Paetês?
Aluísio Machado — Eu desfilo desde os 14 anos de idade pelo Império Serrano. Já recebi várias homenagens, tive 12 sambas-enredos vencedores, seis Estandartes de Ouro, (prêmio) que é considerado o Oscar do samba, e mais uma vez é bom ser homenageado em vida. Estou muito feliz por ser homenageado, agora por Plumas e Paetês. Sobre a carreira, prefiro que você faça a conta. Comecei com 14, 15 anos... Estou com 79, não sei quantos anos tenho de carreira (risos). E tenho saudades de voltar à minha terra natal. Nunca mais me chamaram. Os únicos que me levaram a Campos foram (o jornalista) Chico Aguiar e (a cantora) Lene Moraes. Eu nasci em Guarus, bem em frente ao hotel Palace. Tem a ponte, nasci lá do outro lado, em Guarus.
Folha — Com quantos anos você saiu de Campos? No passado, a cidade tinha um carnaval de rua considerado o terceiro do país. Você chegou a participar dos desfiles?
Aluísio Machado — A minha família é do Espírito Santo, exatamente de Guaçuí. Então, minha mãe, grávida, saiu com meu pai do Espírito Santo; vieram para o Rio. Como minha mãe estava grávida, eu prestes a nascer, com oito meses de gravidez, meu pai ficou em Campos, fomos morar em Guarus. Acho que era uma favela. Meu pai pedreiro, minha mãe lavadeira, lavava e passava roupa para as madames. Num belo dia, ela passou mal e sentou-se debaixo de uma árvore. Eu nasci debaixo de uma árvore, em Guarus. Acho que foi a árvore que deu frutos. Uma parteira acudiu, meu umbigo está bonitinho até hoje, mas minha cidade não lembra de mim. Saí de Campos quando fiz um ano de idade, aí vieram para o Rio. Só voltei duas ou três vezes a Campos, uma delas com um casal que gosta muito de samba, não me lembro o nome todo deles. Nunca participei de carnaval em Campos. Uma vez que fui aí, não lembro se com o Chico Aguiar ou a Lene, e me levaram ao (bloco) Os Psicodélicos. Assisti ao ensaio deles. Mas, participar do carnaval, nunca. Até pensei: “Um dia essa gente vai lembrar de mim e me fazer enredo em Campos”. Porque até aqui no Rio eu já fui enredo, menos na minha cidade.
Folha — Sobre o casal que te trouxe a Campos, deve ter se referido ao (professor e pesquisador) Marcelo Sampaio e à (fotógrafa) Yoná Alves.
Aluísio Machado — Justamente. O Marcelo e a Yoná são muito boa gente. Me receberam, não fiquei nem em hotel, mas na casa deles. Me deram uma porção de lembranças, de brindes. Foi muito bom. Gostaria que vocês dessem um abraço nesse casal. Fui muito bem recebido por eles.
Folha — Campos está sem desfiles de carnaval há dois anos. Há uma possibilidade de voltar neste ano, com um carnaval fora de época, no final de abril. Qual a sua opinião sobre este período sem desfiles na cidade? Concorda que a cultura popular está sendo deixada de lado em muitos locais?
Aluísio Machado — Acho que a Prefeitura não está certa. Por que não tem a nossa cultura popular, que é o samba, queira ou não queira? Por que não tem o carnaval? Agora vai fazer um carnaval meia-boca em abril, acho que não tem nada a ver. Carnaval é carnaval. Fora da época, não acho legal. Mas, se fizerem em abril, tudo bem. Fazer o quê? Se me convidarem, até posso ir. Faço 80 anos em 13 de abril. Para conhecerem melhor a minha história, tive a felicidade de ser biografado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e a minha biografia está à venda na livraria Arlequim. Tem até o site da livraria. Quem quiser, pode entrar no site e conhecer melhor a minha vida, alguém que queira desenvolver um enredo sobre mim antes que eu suba. Prefiro ser homenageado em vida. Depois da morte, para mim, não interessa mais nada. E espero voltar aí, pelo menos para fazer show, cantar... Espero um convite. Já fui no Sesc com Rildo Hora, Lene Moraes... E o Chico Aguiar também já me levou em vários lugares aí. Mas, já tem de cinco a 10 anos que não entram em contato comigo. Sei que existe aí uma festa muito bonita, que enchem a cidade de barracas na beira do rio. Tive em uma festa dessa numa ocasião. E por que não ter o Carnaval? Aí é que eu questiono a Prefeitura... Ou será que também é Anticristo igual a esse moço daqui, esse tal de Crivella, que quer fazer tudo da Igreja Universal? Para mim, são tudo Anticristo; ele, o (Edir) Macedo... Para mim, são Anticristo.
Folha — Neste ano, o Império Serrano acabou optando por levar para a Sapucaí a música “O que é, O que é?”, de Gonzaguinha, decisão que não foi muito bem recebida pela crítica. O que achou da ideia?
Aluísio Machado — Fui contra e disse que seria um tiro no pé. E foi. A música é linda, mas não é samba-enredo, não tem andamento de samba-enredo. A bateria fez milagre para acompanhar esse samba. Precisou ter dois puxadores, porque um descansava e o outro continuava cantando. Uma música linda, mas que tem várias nuances, várias modulações, muda até de ritmo. Então, foi um vexame. Como é uma música conhecida por todo o Brasil, até achei que pudesse dar certo ou que seria tiro no pé. Achei que quando o Império entrasse, toda a arquibancada fosse cantar. Não foi nada disso, e aí o Império Serrano voltou para o grupo de acesso, infelizmente. E, hoje, estou afastado da escola justamente por causa dessa gestão (da presidente Vera Lúcia Corrêa de Souza). No carnaval anterior a esse, a senhora presidente cortou um samba meu e de Arlindo Cruz, que não é brincadeira, e nós ficamos muito chateados. Por isso, me afastei da escola. Sou Império, continuo desfilando, mas não piso nem no ensaio enquanto essa moça estiver lá.
Folha — E o rebaixamento da escola, você considerou justo ou equivocado?
Aluísio Machado — Não considerei equivocado, tinha que descer mesmo. Só me causa espanto, agora, as escolas assinarem para não cair a Imperatriz,* só o Império. Acho que jogo é jogo. Pode ser a Imperatriz, pode ser de banqueiro, tem que cair, que caiam as duas. Então, estou meio chateado com isso, acho que não é legal. O concurso está ficando meio estranho com esses procedimentos. Não deixam as escolas grandes cair. Caem, mas fazem um abaixo-assinado e ficam em cima. Isso fica ridículo para o carnaval de escolas de samba.
*Logo após o carnaval, o presidente do conselho deliberativo da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), Fernando Horta, falou com a imprensa carioca afastando os rumores sobre uma virada de mesa. A possibilidade também foi negada pelo presidente da Imperatriz Leopoldinense, Luizinho Drummond.