"Infiltrado na Klan" hoje no Kinoplex
06/03/2019 19:58 - Atualizado em 08/03/2019 15:36
Após o Carnaval, a vida volta à normalidade e, entre as estreias da semana nos cinemas de Campos, a indicação recai sobre o filme “Infiltrado na Klan”, que teve seis indicações ao Oscar e ganhou o Grand Prix do Festival de Cannes no ano passado. O longa mostra a história verdadeira de Ron Stallworth (John David Washington), o primeiro policial negro a conseguir se infiltrar na Ku Klux Klan. Por ser negro, obviamente, ele não pode participar das reuniões pessoalmente e, por isso, enquanto marca tudo por telefone seu parceiro Flip Zimmerman (Adam Driver) assume sua identidade junto aos membros da KKK. Os dois chegam aos níveis mais altos da organização em um dos filmes mais importantes do ano.
Como a história se passa nos anos 70, Spike Lee consegue fazer uma grande homenagem à blacksploitation — movimento cinematográfico dos EUA que surgiu durante esse período onde diretores e atores negros começaram a produzir uma série de filmes. A fotografia, o estilo e o humor são referências diretas ao gênero, que ganha homenagens inclusive no cartaz da produção. Tudo isso deixa o longa com um tom mais leve e, com isso, as críticas sociais do cineasta têm um efeito único: são capazes de fazer o espectador rir ao mesmo tempo que o deixa reflexivo e desconfortável. A obra está recheada de cenas onde o preconceito é representado de uma maneira caricata, mas o que parece loucura é um retrato cada vez mais próximo e fiel da nossa realidade atual.
Apesar de se passar nos anos 70, os membros da “organização” (como ela é chamada no filme) tocam em temas recentes como o que ficou conhecido hoje como as fake news. Durante uma conversa com Flip, um dos membros da KKK fala que o Holocausto foi uma grande mentira e que a mídia tradicional está escondendo a verdade. Esse é apenas um dos vários exemplos de como Lee cria uma ponte para o presente ao mostrar que o preconceito sempre contou com a desinformação para se disseminar. Além disso, essa conversa é um dos vários fatores que ajudam na jornada do personagem de Adam Driver.
Flip é um homem branco que nunca se preocupou com o preconceito pois nunca o sofreu. Porém, ao se infiltrar na Klan, ele começa a refletir sobre sua origem judia, sobre o racismo e passa a enxergar o mundo por uma nova perspectiva. Lee, com isso, toca na ferida e mostra que grande parte da sociedade não se interessa por direitos civis e igualdade de raça e gênero pois simplesmente não consegue enxergar um problema — só fica claro quando sentem na própria pele.
Essa jornada só funciona tão bem por conta do ótimo trabalho de Driver, cuja a principal relação é com John David Washington, que vive o verdadeiro Ron por telefone. O personagem é o fio condutor do filme e sofre com conflitos próprios, pois ao mesmo tempo em que está dedicado a derrubar a Klan é considerado por seu principal interesse romântico, a ativista vivida por Laura Harrier, um traidor da própria raça por ser policial. O personagem tenta equilibrar os dois mundos, sentindo-se por muitas vezes isolado, e Washington consegue brilhar em cena nesses momentos.
A dupla faz com que essa história absurda — e, sempre importante reforçar, real — pareça crível e o público embarca nessa jornada que chega até ao grão-mestre da KKK, David Duke (Topher Grace), que é o grande vilão do filme.
Duke é mais um dos grandes trunfos de Lee, que mostra um homem que disfarça seu discurso racista em ideias de falso nacionalismo. O diretor não demoniza o personagem e o mostra como um homem carismático consegue conquistar os outros pela desinformação e o medo. Esse discurso explode na tela nas cenas finais, que transformam o tom do filme.
O diretor decide mostrar cenas reais do conflito de Charlottesville em 2017 — onde neo-nazistas tomaram as ruas para protestar contra negros, judeus e imigrantes. Com uma edição hábil, Lee mostra como um presidente como Donald Trump deu espaço para que o preconceito tomasse as ruas e, mais tarde, foi incapaz de rechaçar as marchas ao dizer que “nem todas as pessoas do protesto eram ruins” ao mesmo tempo em que pessoas eram atropeladas, feridas e David Duke voltava para as ruas para apoiar o mandatário americano.
O uso do silêncio ao final das cenas caóticas leva o espectador à reflexão do atual momento não só dos EUA, mas de todo o planeta onde movimentos como esse estão crescendo cada vez mais e discursos de ódio estão ganhando espaço. Um final que contrasta diretamente com o bom humor do filme e, por conta disso, fica ainda mais forte e pesado. Spike Lee volta a sua melhor forma e cria um dos melhores trabalhos de sua carreira.
Também entra em cartaz hoje “Capitã Marvel”. Prosseguem em exibição os filmes “A Caminho de Casa”, “Sai de Baixo — O Filme”, “Cinderela Pop”, “Parque dos Sonhos” e “Crimes Obscuros.” (A.N.) (C.C.F.)

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