Escola não combina com sangue derramado
17/03/2019 13:29 - Atualizado em 17/03/2019 13:53
Trabalho da perícia após o massacre em Suzano
Trabalho da perícia após o massacre em Suzano
Não dá para esquecer a época da escola. Afinal, de lá saem amigos para vida toda, alguns que se tornam irmãos. Histórias da infância e adolescência que carregamos sempre, motivo de muitos risos a cada reencontro. Ainda nos vinte e tantos anos, com a casa dos 30 batendo à porta, dá para dizer que grande parte da vida foi em uma escola. Primeiro por ser filho de professora, e já ser levado para uma antes mesmo de iniciar os estudos. No fim do ensino fundamental, passava a manhã como estudante e trabalhava, contratado como bolsista, nos turnos da tarde e/ou noite. Depois, adulto, concursado como servidor público, por alguns anos a rotina inclui novamente o ambiente escolar, já dividido com a maior paixão profissional, que é o trabalho jornalístico. No entanto, por mais que a gente tente se afastar, tudo o que foi vivido dentro de uma escola marca para sempre.
Grande parte dos brasileiros passou por uma escola — e não cabe aqui falar sobre a qualidade, tema para uma outra discussão, com quem tem embasamento. Fato: é um ambiente comum a quase todos. Não é só o paraíso, existem muitos problemas, mas todo mundo guarda recordações. E isso, talvez, tenha sido até um potencializador da perplexidade com a qual o país assistiu, na última quarta-feira (13), ao ataque na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP). Foram 10 mortes: duas funcionárias, cinco alunos adolescentes, que entre 15 e 17 anos tiveram seus sonhos interrompidos, os dois autores do massacre e o tio de um dos assassinos, morto pouco antes da ação covarde na escola.
Na mídia, psicólogos são acionados, debates sobre comportamento de jovens adolescentes dentro de casa são explorados, a questão da segurança nas escolas é novamente levantada e chega até a política, principalmente porque continua em voga a discussão sobre a questão armamentista, flexibilização da posse e debates sobre porte de arma. Tudo é necessário, mas, no fim, parece em vão.
Cabe lembrar que outros ataques aconteceram no país em outros momentos políticos, como o massacre de Realengo, em 2011, que deixou 13 mortos: 12 alunos, com idades entre 13 e 16 anos, e o assassino, que acabou cometendo suicídio. Contudo, naquela época, não tinha senador filho de presidente usando a rede social para dizer que o episódio trágico “atesta o fracasso do malfadado estatuto do desarmamento”, enquanto, por outro lado, os partidos da esquerda aproveitaram para criticar a flexibilização da posse de arma, um decreto já assinado por Jair Bolsonaro — e que foi promessa na sua campanha. Tem também outro ponto que ganha destaque, a redução da maioridade penal, como forma de tentar inibir crimes por parte de quem ficaria impune, ou com a pena mais amena, em atos cometidos antes dos 18 anos. O debate é mais quente na internet.
E é nesse terreno virtual que pode ser encontrado a raiz do problema. As famílias, realmente, muitas vezes nem conhecem quem está dentro de casa, já que crianças e adolescentes agora vivem trancados no seu mundo com um computador. De lá podem sair grandes ideias, algumas boas, outras nem tanto. Jogos com interfaces cada vez mais próximas da realidade podem até atrair e despertar algo de ruim em alguém. Porém, quem já jogou (ou joga) sabe que esse não é o maior perigo. A gravidade está em quem fica online para atrair os jovens psicologicamente mais fracos para o chamado submundo da internet.
Levado até lá (a tal Deep Web), o acesso a drogas, armas e munição, notas falsas, pornografia infantil e tudo de ruim está disponível muito facilmente. Como define uma matéria da BBC, lá é “o esgoto em que se submergem atividades repugnantes que não querem ser descobertas”. A família tem papel importante e poderia suspeitar se algo de errado estiver acontecendo, mas não pode ser julgada caso não consiga perceber. Afinal, é tudo novo para muita gente. Aprender a lidar com o mundo virtual não é um processo rápido, assim como a legislação sobre os crimes neste ambiente ainda engatinham.
A perplexidade do bárbaro crime em Suzano assusta porque é tudo muito próximo. Muita gente recebeu imagens com os corpos, o sangue derramado no chão da escola, quase que em tempo real pelas redes sociais — e atônitos, na quinta-feira (14), o mundo assistiu a um ataque na Nova Zelândia, com 49 mortos, transmitido ao vivo no perfil do atirador. Todo mundo conhece alguém que vive mais tempo no mundo virtual do que no real. Todo mundo passa, passou ou conhece alguém que está em uma escola. É essa realidade, muito próxima de todos, que deixa a todos perplexos: uma brutalidade daquela em Suzano poderia acontecer com qualquer um, em qualquer lugar.
Não são mais ou menos armas que vão resolver. O crime em um ambiente escolar só vem a destacar que as políticas públicas precisam valorizar a educação — o profissional, mais condições de trabalho, projetos, acompanhamento dos alunos além da grade curricular. Da época de escola, guardo a lembrança nítida do jornal mural, das redações de sala de aula, em que a professora de Português — baixinha, rígida, católica tradicionalista, Maria Auxiliadora — dizia que ainda iria ler artigos da mesma autoria em jornais (e aqui está mais um). Da turma, de filhos de pescadores da praia de Atafona, a maior parte é bem-sucedida (na vida pessoal e profissional). A escola, como segunda casa, fez parte da construção do caráter de todos. Lá estão muitas histórias nossas — aquelas que nos fazem rir a cada reencontro. Oxalá fosse assim para todo mundo! Escola é lugar de aprendizado, e também de alegria. Não combina com sangue derramado, como foi em Suzano.

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    Arnaldo Neto

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