Guilherme Belido
02/02/2019 15:27 - Atualizado em 04/02/2019 13:50
Somando e finalizando com esta, são três matérias consecutivas cuidando do mesmo assunto as quais, ainda assim, passam longe de atribuir ao nefasto tema o tamanho do prejuízo que causa à Nação.
Sem exagero, o ‘privilégio’ é uma praga que corrói continua e silenciosamente os mais elementares fundamentos republicanos, democráticos e de justiça social.
Numa breve recapitulação, o primeiro texto lembrava que mal começara o mandato de Jair Bolsonaro e já se via por parte do governo movimentos de tangenciamento acerca do “caso Fabrício Queiróz”, que trata de supostas operações financeiras irregulares feitas pelo assessor do filho do presidente, o então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Não se faz ilação se tem ou não responsabilidade – mas sim do Planalto ter dado tratamento relativamente privilegiado ao evitar o assunto.
Citando, ainda, uma nomeação para cargo do Ministério do Meio Ambiente de quem responde por danos ao erário público no Rio Grande do Sul – ambos os exemplos não foram mais que tinturas de privilégios se comparados aos absurdos cometidos no Brasil ao longo de décadas. Do mesmo modo, observou-se o Everest dos privilégios nas regalias que o Estado brasileiro concede, de forma vitalícia, aos ex-presidentes da República.
Já alcançando o segundo texto, discorreu-se sobre o “direito” dos ex-mandatários disporem de oito servidores e dois carros oficiais. Enfatizando: todos os ex-presidentes – inclusive Michel Temer, que ficou pouco mais de dois anos no cargo – escolhem suas respectivas equipes, com as quais poderão contar pelo resto da vida.
A matéria fez referência, também, ao fato do Brasil não ter conseguido se livrar do estereótipo de País concedente de tão indecorosos privilégios, comuns àqueles mais e dramaticamente cravados como de terceiro mundo, mas que nada tem a ver com o Brasil, dono da nona economia do planeta.
Opinião: Desembargador Vladimir Freitas
As ‘leis da vergonha’ datam de longe. A primeira, de 1986, deu a ex-presidentes a prerrogativa de utilizar servidores e veículos oficiais com motoristas. A segunda, de 1994, aumentou o “benefício”, acrescentando o direito de indicar os servidores e atribuir-lhes gratificações mais expressivas. A terceira, de 2002, fechou a conta: acrescentou mais dois servidores em cargos de comissão, para assessoramento.
Para o conceituado magistrado Vladimir Passos de Freitas, ex-presidente do TRF-4, professor renomado e pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, as regalias concedidas a ex-presidentes da República são inaceitáveis.
Em extenso artigo publicado na Revista Conjur, em 04 de setembro de 2016, Freitas, hoje chefe da equipe de assuntos legislativos do Ministério da Justiça do governo Bolsonaro, faz densas considerações sobre o assunto, estranhando o tamanho das benesses e questionando:
“...O que justifica ter quatro seguranças por prazo ilimitado? É razoável que tenha um segurança por quatro ou cinco anos (...) Mas correrá perigo a vida de um ex-presidente que deixou o poder 20 anos atrás? O que farão quatro especializados seguranças a sua volta?
Em outro trecho do artigo, aborda o porquê de dois carros oficiais: “... Ora, permitir-se que o ex-presidente tenha dois significa aceitar, tacitamente, que um deles será usado por terceiro, que pode ser cônjuge, filho ou seja lá quem for. E isto é proibido...”
Vladimir Freitas questiona, ainda, a utilização pelo presidente jubilado de dois assessores de alto nível: “A que servirão? Para enviar cartões de cumprimentos pelo aniversário de ex-correligionários? Responder cartas de saudosos eleitores?”
Tragédia na esteira da compra de “privilégios”
Esta terceira e última matéria sobre os malefícios dos privilégios no Brasil – deformação que talvez nos tenha chegado como legado das práticas comuns do Brasil Colônia e do Brasil Império – iria abordar outras frentes.
Entretanto, a catástrofe de Brumadinho, que até sexta-feira (01) havia contabilizado 115 mortes, não deixa de ser consequência, também, da irresponsável compra de privilégios. Afinal, as grandes mineradoras fazem generosas doações para as campanhas eleitorais e depois apresentam a conta aos parlamentares, fazendo pressão para que projetos de lei que tornam mais rígidas as normas de segurança para exploração de minério sejam engavetados.
Sob o preço de vidas humanas, de desastres ambientais irreparáveis e devastação geral, o risco permanente do mar de lama segue impune porque as mineradoras são privilegiadas pela omissão, porque pagaram pelo privilégio, pelo ‘direito’ de negligenciar.
Projetos de lei que obrigam maior fiscalização, investimentos em prevenção e que proíbem barragens a menos de 10 km de povoados ou que sejam empilhadas umas sobre as outras, não prosperam.
O mesmo vale para os que determinam adoção de processo a seco (já utilizado em vários países) e que impõem investimentos em pesquisa na busca de alternativas ao modelo vigente – ultrapassado e de alto risco.
Mas... tudo isso custa dinheiro e as mineradoras preferem manter suas elevadas margens de lucro. Afinal, nada como um bom e velho privilégio.