Os melhores livros de 2018
*Adélia Noronha - Atualizado em 21/02/2019 18:55
Terminemos os comentários sobre os melhores livros de 2018, escolhidos pelo “O Globo” e “Folha de São Paulo”. Eles já se arrastam por quatro artigos. Na área de ciências sociais, o primeiro jornal elegeu “O crime do cais do Valongo”, de Eliana Alves Cruz, livro que não me despertou curiosidade para leitura. Portanto, não posso comentá-lo. Por sua vez, a “Folha de São Paulo” escolheu “Jorge Amado: uma biografia”, de Joselia Aguiar. Também não li. No momento, interesso-me por livros que me estimulem reflexões sobre o mundo atual.
Comecei lendo “Confissões de um jovem romancista”, de Umberto Eco (Rio de Janeiro: Record), mais pela fidelidade que, de longa data, tenho ao autor do que para encontrar nele algum estímulo à reflexão sobre a contemporaneidade. Eco é sempre inteligente em suas observações. Trata-se de um livro que reúne conferências suas e que vale a pena ler.
Li “21 lições para o século 21”, do historiador judeu Yuval Noah Harari (São Paulo: Companhia das Letras). O livro se tornou um best-seller, assim como “Sapiens” e “Homo Deus”, ambos do mesmo autor e ambos também best-sellers. Sei que Harari vem agradando a muitos leitores com sua linguagem acessível e sua visão panorâmica da história. Por isso, peço desculpas para dizer que não gostei do livro. Na verdade, não gostei do historiador. Ele me pareceu oportunista e pop. Ele pode até conhecer história, mas comete algo que os historiadores repudiam: o anacronismo, ou seja, a transferência de processos de um contexto para outro, sem levar em conta as diferenças. Por exemplo, não tem o mínimo sentido escrever que, no paleolítico, muitos gênios, como Beethoven e outros, devem ter existido sem a capacidade de se expressar. Ora, nas sociedades paleolíticas, não havia um traço forte do mundo ocidental moderno: a noção de indivíduo e de individualismo, que construiu a ideia de autor único.
O livro parece escrito por encomenda. O próprio título é sintomático: 21 rimando com 21. O historiador se prende ao que ocorreu, não ao que ocorrerá ou ao que poderia ter ocorrido. Harari usa seu conhecimento de história para especulações sobre os rumos de um mundo globalizado. Nesse ponto, ele não está mais escrevendo como historiador. É mais um pensador. Mesmo assim, suas considerações sobre o presente e o futuro acabam sendo muito repetitivas e superficiais.
De todos os livros na área de ciência sociais publicados em 2018, destaco “Ruptura”, de Manuel Castells (Rio de Janeiro: Zahar). Pelo que li, o ex-marxista não está mais tão esperançoso quanto ao nosso tempo, como demonstra em livros anteriores. Ele caiu na real. Deu-se conta de que vivemos num mundo complexo e em permanente mudança. O sonho de utopias ou de futuros promissores parece transformar-se num pesadelo. É pura tolice os marxistas discutirem com quem não é marxista ou discutir com as diversas linhas de marxismo. A discussão resolve apenas o problema do marxista, não do mundo. Assim, as concepções salvacionistas se cristalizam e não mais permitem sequer a compreensão do mundo, quanto mais a sua transformação. Não há mais lugar para a grande revolução social transformadora.
A saída está mesmo em reconhecer que não há saída, como propões Castells. Pelo menos saída fácil. Como sobreviver num mundo complexo, sobre o qual nem mesmo os que o dominam têm controle? Para os alienados, não há problema em viver num mundo assim, pois nem consciência da complexidade eles têm. Mas, para o intelectual, é duro perceber que as utopias deram lugar às distopias. E elas não vão chegar porque já chegaram. Vivemos num mundo distópico. A proposta do pensador catalão é aprender a viver na crise. É viver sem propostas de solução. Esta é a grande sabedoria. Mas, incorrigível, Castells discute muito a política interna da Espanha e sempre de forma muito detalhista, quase factual, levando o leitor ao fastio. De qualquer forma, eu elegeria esse livro como o melhor e mais provocador de 2018.
Registro a edição de “Maio de 68: a brecha” (Autonomia Literária), por ocasião dos 50 anos dos movimentos de 1968, particularmente na França. O livro, lançado no Brasil com atraso de meio século, reúne análises de Edgar Morin, Claude Lefort e Cornelius Castoriadis, intelectuais participantes do mais alto quilate. Destaco a análise complexa e inconfundível de Edgar Morin, ainda hoje atualíssima.
Chegou ao Brasil, depois de muito tempo, o pequeno livro “Liberdade para ser livre” (Rio de Janeiro: Bazar do Tempo), de Hannah Arendt. Ele reúne uma conferência proferida pela filósofa na década de 1960 e depoimentos sobre Waldemar Gurian e Karl Jaspers. A tese central da lúcida autora é a necessidade de um sistema político em que a pessoa desenvolva a sua liberdade. Parece que já estivemos mais perto desse objetivo. Notamos hoje que, por mais livre que seja um sistema político, as pessoas não percebem a existência da liberdade nem desejam participar livremente da vida política. Nos dias de hoje, o mais adequado é haver liberdade para todos, embora poucos almejem a liberdade na vida pública.
Quanto aos quadrinhos, apenas “O Globo” destacou “Sem volta” (São Paulo: Quadrinhos e Cia.), do grande quadrinista Charles Burns. O desenho de Burns não é tão inovador. O que mais merece destaque em seus trabalhos é a mistura de real e imaginário, do destaque ao onírico e da quadrinização. Imaginem uma página inteira com quadrinhos vazios. Poderia ser algo como perda de espaço útil num livro de quadrinhos, mas causa efeito abissalno leitor.
Eu escolheria também “A terra dos filhos” (São Paulo: Veneta), de Gipi, nome artístico do italiano Gian Affonso Pacinotti. Trata-se de uma distopia em que o mais forte ou o mais esperto impõe suas regras. A violência impera, assim como as seitas religiosas. É a falência do pensamento e a luta pela sobrevivência. Eu elegeria o desenho nervoso a bico-de-pena de Gipi como o melhor livro de quadrinhos de 2018. O minimalismo dele fala alto.
Da minha parte, destacaria também “Uma irmã (São Paulo: Nemo), de Bastian Vivès. O livro trata da descoberta da sexualidade na adolescência. De forma lírica e sutil, o autor mostra como um casal de adolescentes descobre a sexualidade durante uma temporada de férias. Seu traço e sua pintura em claro-escuro são muito particulares e criam um mundo intimista.Menciono “QP” (São Paulo: Lote 42), de Powerpaola, pseudônimo de Paola Andrea Gaviria. A narrativa é autobiográfica. O texto e os desenhos são primários. Não se pode saber se ela sabe desenhar ou se apenas faz registros pictóricos.
Quanto a quadrinhos produzidos no Brasil, destaco “Carolina” (São Paulo: Veneta), contando a história de Carolina Maria de Jesus, uma favelada semialfabetizada que ganhou projeção mundial por seu diário “Quarto de despejo”, publicado em 1960 e traduzido para vários idiomas. Sirlene Barbosa escreveu o roteiro e João Ribeiro cuidou do desenho.

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