Matheus Berriel
09/02/2019 17:35 - Atualizado em 13/02/2019 17:12
O que fazer quando o celular descarrega algum tempo antes de determinado compromisso, deixando os pouco prevenidos sem noção do tempo? Falta de informação sobre o horário não servirá como desculpa para quem passar pelo Centro de Campos. Após cerca de seis anos parado, o relógio da Catedral Basílica Menor do Santíssimo Salvador está em pleno funcionamento. Basta olhar para o alto da torre direita e conferir as horas. A manutenção do histórico objeto uniu a curiosidade de um jovem seminarista e a experiência de um septuagenário relojoeiro.
O enredo da reforma começou em julho do ano passado, quando Lucas Gomes, de 19 anos, resolveu subir na torre do relógio para buscar informações sobre a causa do problema. Acabou descobrindo que uma roda de escape estava com quatro dentes quebrados, o que impedia o funcionamento. Mesmo sem ter formação na área, o seminarista decidiu sair da zona de conforto. Para realizar o trabalho, contou com a ajuda de um relojoeiro com mais que o triplo de sua idade. Há cerca de 15 anos, Enildo Gonçalves já havia consertado o relógio junto ao colega de trabalho Nilo Barbosa dos Santos (in memorian).
— Eu desci, informei ao monsenhor Leandro Diniz o que havia acontecido e me propus a consertar. O monsenhor permitiu, e eu fui lá na relojoaria do senhor Enildo para conversar com ele, que me disse para tirar a peça e levar até lá — explicou Lucas.
Assim foi feito. Daí então, o que dificultou a missão foi a falta de um fio de bronze para reconstruir a engrenagem, difícil de ser encontrada no mercado. O item chegou do Rio de Janeiro no início deste ano, possibilitando o trabalho do relojoeiro, que entregou a peça pronta e se surpreendeu com a facilidade de Lucas em compreender as instruções passadas.
— Eu pretendo parar. São 57 anos de profissão e 74 de idade. Subir aquela escada é muito complicado. Eu falei com ele que não dava para ir lá em cima, porque se eu caísse... Tenho artrose no joelho. Subir até dá, mas descer fica difícil (risos). Então, ele tirou a peça, eu consertei a roda de escapamento, que é onde coloca o pêndulo, ele levou e colocou de volta. O menino é inteligente. Foi lá, colocou e me falou que estava funcionando — disse Enildo, que apesar de não ser católico, afirma ter como religião “o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.
Durante o processo de conserto, Lucas ainda descobriu que o relógio é mais velho do que a própria Catedral, que passou a ter este título apenas em 1922, mesmo ano de criação da Diocese de Campos. Um novo templo foi construído, sagrado em 1935.
— Eu não vi o registro no livro de tombos, mas tem uma inscrição no relógio que diz que é de 1912. Então, tudo indica que já era o relógio da Matriz, ou foi uma aquisição para a torre, porque a igreja levou um tempo para ser reformada — explicou Lucas.
No alto da torre, uma folha de papel dá instrução para quem for manusear o relógio: “atenção: gire devagar e com cuidado a manivela”. Outra folha tem orientação importante para o devido funcionamento: “dar corda sábado pela manhã e quarta-feira à tarde”. Enquanto Lucas estiver na equipe da igreja, cuidado não vai faltar.
— As coisas antigas nos remetem ao passado, o tempo de existência da igreja e a importância que ela tem, não só para os fieis, mas para a sociedade. Como podemos ver, o Centro foi construído ao redor da igreja. O relógio era um marco, tinha uma importância, marcava as horas para a cidade. Apontava o leme, a direção, a hora certa. Para mim, como seminarista, é muito importante e gratificante ver que ele voltou a funcionar, que as pessoas podem escutar novamente as badaladas e, assim, não perder a hora; não só para chegar à missa, mas também ao trabalho — concluiu o aprendiz de relojoeiro.
Orgulho para o vigário da Catedral, o padre Moisés Melo Vieira Torres, um dos líderes de uma campanha de arrecadação junto aos fieis que está viabilizando a pintura da parte externa do templo. “É muito importante a gente zelar pela casa do Senhor. Durante a campanha, eu falava muito isso, que a Catedral é um cartão postal de Campos, construído com o suor de muita gente, dos nossos antepassados. Cabe a nós zelar e cuidar desse lugar que eles construíram para Deus”, destacou. A pintura, respeitando as cores azul e branco, deve ser concluída até a Páscoa.