Crítica de cinema - Três planos
04/02/2019 18:09 - Atualizado em 07/02/2019 14:41
(Vice) -
Quem conhece um pouco da linguagem do cinema e da história dos Estados Unidos, pode concentrar-se apenas na interpretação de Christian Bale no papel de Dick Cheney. Não lembro bem de Cheney em movimento, concedendo entrevistas em TVs. Portanto, não me sinto à vontade para comentar o desempenho de Bale. Sei que ele é um ator camaleônico, capaz de emagrecer a ponto de ficar esquelético ou engordar a ponto de exibir uma grande barriga. Tanto a população dos Estados Unidos quanto a Academia que concede o Oscar gostam de filmes biográficos e de performances. Conta mais a boa imitação que a boa interpretação. Vejam-se os casos de Churchill, da rainha Elisabeth II, de Margareth Tatcher, de Stephen Hawking, entre outros.
Os filmes que valorizam performances correm o risco de isolar o personagem central por falta de performances daqueles que o rodeiam. Em “Vice”, George W. Bush, representado por Sam Rockwell, está muito distante do ex-presidente, sumindo diante de Bale. Amy Adams, Steve Carell (como Donald Rumsfeld) e Tyler Perry (como Colin Powell) saem-se bem.
Quanto à biografia do vice Dick Cheney, nada a estranhar. Conheço bem as misérias e grandezas da história da humanidade. Mais as misérias que as grandezas, notadamente da história ocidental nos últimos 600 anos. Mais particularmente, da história dos Estados Unidos nos seus quase 250 anos.
Mateusinho
Mateusinho / Divulgação
No filme dirigido e roteirizado por Adam McKay, o que mais me chamou a atenção foi a forma de narrar. No primeiro plano, a fala dos personagens conta a história da carreira típica de um cidadão de classe média do país que, de estudante medíocre, alcança a vice-presidência da república seguindo a linha conservadora, mentirosa e torpe. Trata-se da política pragmática do Partido Republicano. Mas, em segundo plano, o filme é narrado por Kurt (Jesse Plemons), o homem que morreu e teve seu coração transplantado para Cheney. Em princípio, sua narrativa parece a de uma voz onisciente, como é muito comum em literatura. Mas, no final, ficam claros seus limites humanos.
Considere-se também a narrativa visual do diretor, com curtos planos-sequência e com cortes espaciais e temporais rápidos que remetem ao passado e ao futuro. É intenso também o uso de flashbacks. Quando parecia que Cheney havia chegado ao fim de carreira e poderia recolher-se à sua mansão, o diretor simula o final do filme, exibindo os créditos. Mas a história recomeça com a chegada de Cheney à vice-presidência de Bush, com a destruição das Torres Gêmeas pela Al-Qaeda e com a invasão do Afeganistão e do Iraque pelos Estados Unidos e aliados. Como o filme remonta aos anos de formação do rapaz Cheney, talvez os cortes tenham sido o recurso para enxugar a biografia. Por um lado, estes cortes agilizam o filme, mas, por outro lado, dificultam o espectador acostumado com narrativas contínuas e lineares a acompanhar a história.
A fotografia de Greig Fraser não apresente novidades além dos cortes, que é mais um recurso de montagem que de câmara. Quanto à música de Nicholas Britell, ele pretende a imponência das composições de Aron Copland, que exalta as grandezas dos Estados Unidos.

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