Conforme adiantado, assunto que apenas se enunciou domingo passado – não indo além de poucas linhas do que se desejava tratar –, desdobra-se, nesta oportunidade, para finalmente alcançar o âmago da questão.
Trata-se de observar como o Brasil, a despeito de razoáveis avanços, não consegue se livrar do torpe estereótipo de País concedente de indecorosos privilégios – comuns às classificações mais gritantes do terceiro mundo – mas que não se alinham com uma Nação detentora da 9ª economia do planeta. Afinal, sob a denominação de “terceiro mundo”, estão bem mais que 50 tons de cinza.
Pergunta-se: seria o caso, talvez, de encararmos os infames privilégios como espécie de ‘seleção’ que divide o povo brasileiro entre uma diminuta minoria “superior” e uma esmagadora maioria taxada de segunda classe?
Se tal absurdo for o entendimento, então estaremos a jogar no lixo a mais rudimentar noção de cidadania.
Ou, numa segunda indagação, haveremos de considerar a deformação como algo histórico-cultural – ‘herança’ do Brasil-Colônica, do Brasil-Império ou, ainda, dos primeiros anos do Brasil-República, que na prática fizeram prevalecer muito mais a concepção imperial do que a republicana?
“Legado” – É fato, um príncipe português, e não um brasileiro, proclamou nossa independência – da mesma forma que pelas mãos de um monarquista, e não de republicano, ‘fundou-se’ a República.
Mas, quando será que esse tipo de deformidade irá restringir-se apenas à história distante e deixar de permear nosso dia-dia?
Resposta: quando um ex-presidente, acusado e denunciado de corrupção e organização criminosa, que esteve à frente do governo por apenas 2 anos e alguns meses, ao deixar o cargo não tenha o privilégio (disfarçado em “direito”), de dispor de oito servidores, sendo quatro para “segurança e apoio pessoal”, dois para assessoramento e mais dois motoristas junto aos respectivos carros oficiais. E mais: a equipe de servidores é de livre escolha do ex-presidente e – acredite o leitor – de forma vitalícia.
No caso em especial de Michel Temer, acusado pela Procuradoria-Geral da República, entre outros crimes, de corrupção passiva, de organização criminosa, obstrução de justiça e lavagem de dinheiro – que responde, ainda, a inquérito por suposta vantagem indevida do caso decreto dos portos – é uma vergonha que desfrute de tamanhas regalias.
Aliás, à luz do decoro, deveria ter sido empurrado porta afora do Palácio do Planalto logo após divulgação do áudio no porão do Jaburu, em que ouve e dá aval para atos de explícita corrupção.
Nomeação logo no primeiro dia
Michel Temer não criou a lei da vergonha. Ela data de 1986, curiosamente no segundo ano do governo José Sarney e contempla todos os “presidentes jubilados”. Mas Temer não perdeu tempo: no mesmo dia em que passou a faixa presidencial a Jair Bolsonaro, em 1º de janeiro, tratou de nomear o sr. Arlon Viana Lima, escolhido para ocupar o cargo de assessor especial, com salário de R$ 13.623,39. A atitude faz lembrar o velho ditado de que tempo é dinheiro.
E por falar em números, Michel Temer custará aos cofres públicos brasileiros cerca de R$ 1 milhão por ano, valor que segundo o jornal Gazeta do Povo corresponde ao que recebe a ex-presidente Dilma Rousseff – afastada do cargo via processo de Impeachment. É ou não é o fim da picada?
À guisa de comparação, na Suécia, o primeiro ministro (cargo que em nosso sistema de governo corresponde ao de presidente da República), ao aposentar-se, não goza de nenhum benefício.
Mas no Brasil, a degeneração vai longe: o ex-presidente tem direito a dois motoristas e dois carros oficiais. Impressionante! Como se explica mais essa ‘anomalia’, se no serviço público, para os contemplados com o benefício, o carro oficial destina-se a uso pessoal e em serviço?
Se é para “uso pessoal”, como podem ser dois? Será que após deixar a Presidência da República o ex-mandatário adquire a capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo?
Como o tema ainda exige outras ponderações, para não ficar por demais longo, reserva-se para a próxima edição a terceira e última matéria sobre o assunto.