Crítica de cinema - Um negro e um branco
*Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 28/01/2019 18:48
Divulgação
(Green Book – o guia) —
Seria irreal, e até mesmo surreal, se não fosse real. Um norte-americano negro e homossexual com alta formação em piano na União Soviética, elegante, refinado na fala, nos gestos e nos hábitos, residindo como um rei africano em casa decorada de forma exótica.
Um pianista negro elogiado pelo grande compositor Igor Stravinsky formava um trio de alto gabarito que executava música popular de modo requintado, quando ele poderia viajar pelo mundo se apresentando nas mais prestigiadas salas de concerto interpretando música erudita.
Na década de 1960, Don Shirley (Mahershala Ali) decide fazer uma turnê em cidades do sul dos Estados Unidos, onde dominava um excessivo racismo (ainda domina). Ele vai acompanhado dos outros dois componentes do trio. Mas Shirley desloca-se solitário num automóvel dirigido pelo segurança de casa noturna Tony Lip (Viggo Mortensen). Lip é descendente de italiano.
Trata-se de um homem sem qualquer refinamento, desbocado, comilão, truculento se necessário e racista. Ele já havia feito de tudo. Não era um mafioso, mas tinha amigos na máfia. Como típico italiano, a família era muito importante para ele.
Mateusinho
Mateusinho
Shirley o contrata como motorista em sua turnê pelo sul dos Estados Unidos. Pelo que o filme deixa entrever, a decisão de visitar o sul quase em regime de apartheid é dele, embora houvesse contratos firmados pelos seus empresários e os governos das cidades em que ele se apresentaria.
No sul, Shirley vive o racismo na própria pele. Não pode frequentar certos ambientes, mas é calorosamente aplaudido ao fim de suas apresentações. Seria ele tratado como um macaco amestrado? Esse é o ponto irreal ou surreal. Também crucial.
A história é verdadeira, mas deve ter sido romanceada para o público norte-americano. A direção de Peter Farrely é sóbria e correta. Ele, também roteirista, soube criar tensão entre um negro aristocrata e um branco tosco durante a viagem. Soube também mostrar como o requintado negro era descriminado por brancos cultos e incultos, além dos próprios negros. Shirley é um homem solitário. Viggo Mortensen encarna com primor o branco grosseiro e racista que trabalha para um negro. Aos poucos, a interação dos dois provoca uma dupla mudança. Tony Lip começa a admirar a postura digna de Shirley a defendê-lo das agressões racistas. Por sua vez, Shirley relaxa o seu refinamento e se aproxima de Lip e dos negros incultos.
Há passagens de fato incríveis, no sentido de não serem críveis. Uma delas é a de Shirley executando Chopin num bar noturno de negros e depois aceitando a colaboração de um conjunto de música popular. Outro é o conflito no restaurante em que Shirley deveria se apresentar, mas no qual não podia jantar.
A turnê deve ter sido muito mais problemática do que a mostrada no filme. Parece que as arestas foram aparadas para que o drama apresentasse momentos de comédia em que Mortensen se sobressai de forma avassaladora.

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