Último dia de sessões no Supremo Tribunal Federal (STF). A uma semana do Natal, o clima de confraternização no final de ano toma conta de Brasília depois de um ano marcado por polêmicas, escândalos e um período eleitoral turbulento. Certo? Errado. O ministro do STF Marco Aurélio Mello surpreendeu ao passar por cima de um entendimento recente do plenário e concedeu uma liminar para soltar os presos condenados em segunda instância e que não são alvos de mandados de prisão preventiva ou temporária, o que beneficiaria, entre outros, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No entanto, já à noite, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli – responsável pelo plantão judiciário durante o recesso – derrubou a decisão do colega e restabeleceu o entendimento anterior.
Na suspensão de liminar, Toffoli afirmou que a decisão de Marco Aurélio colocava em risco a ordem pública. Um novo julgamento sobre o entendimento de todos os ministros do STF sobre a prisão em segunda instância está marcado para o dia 10 de abril do ano que vem. “A decisão já tomada pela maioria dos membros da Corte deve ser prestigiada pela Presidência. E é por essas razões, ou seja, zeloso quanto à possibilidade desta nova medida liminar contrariar decisão soberana já tomada pela maioria do Tribunal Pleno, que a Presidência vem a exercer o poder geral de cautela atribuído ao Estado-Juiz”.
A defesa de Lula chegou a entrar com um pedido, 48 minutos após a decisão de Mello, para a soltura do ex-presidente, o que não chegou a acontecer. A política campista também poderia ser influenciada pela liminar, uma vez que vereadores eleitos em 2016 foram condenados criminalmente em segunda instância por participação no “escandaloso esquema” de troca de votos por Cheque Cidadão na última eleição. Recentemente, Jorge Rangel (PTB), Ozéias (PSDB), Miguelito (PSL), Linda Mara (PTC), Thiago Virgílio (PTC) e Kellinho (SD) tiveram as sentenças de 5 anos e 5 meses confirmadas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), porém, foram beneficiados com um habeas corpus preventivo do ministro Ricardo Lewandowski, também do STF, que suspendeu a execução da pena até o trânsito e julgado, nos mesmos moldes da decisão de Marco Aurélio Mello.
Além dos vereadores, também foram beneficiadas a ex-secretária municipal de Desenvolvimento Humano e Social, Ana Alice Alvarenga, e a ex-coordenadora do Cheque Cidadão, Gisele Koch.
Raquel Dodge fala em “triplo retrocesso”
A decisão de Toffoli em revogar a liminar de Marco Aurélio se deu a partir da contestação da procuradora-geral da República Raquel Dodge. Em seu pedido, Dodge citou um “triplo retrocesso” e falou que Mello desrespeitou o precedente do Supremo “simplesmente por com eles não concordar”.
A procuradora-geral citou, ainda, o histórico da discussão no STF, iniciada em 2016, e lembrou que, em dezembro daquele ano, o plenário da Corte firmou uma decisão, por maioria, favorável ao entendimento de que é possível a prisão após condenação em segunda instância sem que isso signifique um desrespeito ao princípio da presunção da inocência. A PGR também afirmou que a decisão do plenário foi reconhecida a repercussão geral, isto é, que o entendimento deve ser adotado por todo o Judiciário no país.
Presos da Lava Jato seriam beneficiados por Mello
O ex-governador Sergio Cabral (MDB) e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB) – condenados em segunda instância – não poderiam ser beneficiados pela liminar de Marco Aurélio porque também possuem decreto de prisão preventiva. No entanto, além de Lula, mais de 20 condenados na operação Lava Jato poderiam requerer a liberdade. Entre eles está a ex-primeira-dama fluminense Adriana Ancelmo, além dos ex-tesoureiros do PT Delúbio Soares e João Vaccari Neto; Luis Eduardo de Oliveira e Silva, irmão do ex-ministro José Dirceu; Júlio Cesar dos Santos, ex-sócio de José Dirceu.
Outro beneficiado seria é o ex-senador Jorge Argello, mais conhecido como Gim Argello, que está preso em Curitiba desde 2016 por ter recebido valores das empreiteiras para que não fossem convocadas a dar explicações na CPMI da Petrobras. O outro é o ex-deputado federal João Luiz Correia Argôlo dos Santos, condenado a mais de 11 anos de prisão e que cumpre pena em presídio na Bahia.
Os empresários Gerson Almada, ex-diretor da Engevix; Sérgio Cunha Mendes, da Mendes Junior; e Ronan Maria Pinto, dono do Diário do Grande ABC, além do empresário Dario de Queiroz Galvão Filho, também poderiam pleitear o benefício.
Integrantes da força-tarefa da Lava Jato concederam uma entrevista na tarde desta quarta-feira criticando a decisão do ministro do STF. A Câmara Criminal do Ministério Público Federal (MPF) também contestou e, em uma nota, ressaltou que a decisão de Marco Aurélio deixaria de fazer uma distinção para os casos de homicídios, o que pode atingir a soberania das decisões dos Tribunais do Júri. Crimes dolosos contra a vida são levados a júri, e a decisão ali tomada deve ser soberana, com recursos destinados somente à análise de determinados quesitos. Uma anulação de uma decisão leva o caso a ser apreciado novamente por um júri.