Desconfiança e incerteza são os temperos principais da receita que compõe atualmente a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A mistura também leva outros ingredientes amargos que não vêm deixando um bom gosto na boca da população, como escândalos de corrupção, movimentações financeiras suspeitas, deputados presos e processo de impeachment do governador. Com o caldeirão em ebulição, a receita ainda tem os movimentos nos corredores para a eleição da mesa diretora e a renovação do plenário com a ampla bancada do PSL do presidente eleito Jair Bolsonaro. Com a temperatura alta nos bastidores, o desafio da Alerj é não deixar o caldo entornar.
Centro de duas grandes operações da Lava Jato, o Legislativo fluminense passa longe da confiança da população. Com dez deputados presos suspeitos recebimento de propina e loteamento de cargos públicos, a Alerj também tem a tarefa de julgar o processo de impeachment do governador Luiz Fernando Pezão (MDB) – preso na operação Boca de Lobo – e de analisar o pedido de cassação dos dez parlamentares presos na operação Furna da Onça até o final da atual legislatura, em 31 de janeiro.
Na última semana, a comissão especial de impeachment se reuniu pela primeira vez e escolheu a deputada Martha Rocha (PDT) como presidente e Bruno Dauaire (PRP) como relator. Os deputados decidiram que o prazo para apresentação da defesa será de dez sessões, seguindo um precedente do Supremo Tribunal Federal (STF), e não dez dias, como diz o regimento interno. Rocha e Dauaire foram votos vencidos, mas o sanjoanense afirmou que vai trabalhar dentro do prazo determinado. “A Alerj demorou muito para dar prosseguimento ao processo de impeachment. É uma missão para mim. Claro que não é uma felicidade relatar o processo de impeachment de um governador, mas vamos trabalhar dentro do procedimento legal e dos prazos estabelecidos, com direito ao contraditório. É algo muito importante pelo momento político do Estado”.
O processo foi protocolado pelo Psol em fevereiro, mas precisou de uma decisão judicial para ser colocado em pauta no plenário e só começou a andar depois da prisão de Pezão.
Eleição para a mesa movimenta bastidores
Quais serão as pautas colocadas para votação? A relação da Alerj em relação ao futuro governo? Essas são algumas perguntas a serem respondidas pelo próximo presidente do Legislativo. A eleição será apenas em fevereiro, mas as movimentações nos bastidores são intensas desde já.
O deputado Márcio Pacheco (PSC) é o candidato do governador Wilson Witzel (PSC) e tem o apoio da bancada do PSL, que elegeu 13 parlamentares. Outra postulante, Tia Ju (PRB), não descartou em compor com a chapa de Pacheco. Porém, com o nome de Márcio no relatório da Coaf com suspeita de movimentações irregulares de mais de R$ 20 milhões, a cautela tem sido a tônica sobre a candidatura do parlamentar.
Outra candidatura que desponta é do atual presidente, André Ceciliano (PT), que assumiu o cargo após a prisão do então presidente Jorge Picciani (MDB). Ele tenta costurar alianças com todos os partidos e ainda tem a simpatia da bancada de esquerda. Porém, o nome do petista possui forte rejeição no PSL de Bolsonaro.
Neste contexto, alguns deputados da região vêm ganhando importância no tabuleiro do jogo eleitoral na Alerj. Bruno Dauaire já foi cotado até para a presidência com o apoio do PSL e também para compor a mesa diretora em outras chapas. No entanto, ele diz que não procurou se candidatar aos cargos. “Ainda é muito cedo para falar em eleição da mesa diretora. Não busquei nada, mas as chapas me procuraram por causa do meu perfil. O PSL é a coluna vertebral da Alerj com 13 deputados eleitos, mas ainda é muito cedo para qualquer especulação”.
O ex-vereador campista Gil Vianna é um dos que compõe a “coluna vertebral” da Alerj e já disse publicamente que vislumbra um lugar na mesa. Ele destacou sua experiência em relação aos demais deputados do PSL, mas pregou a humildade e respeito ao líder do partido, o senador eleito Flávio Bolsonaro.
Dez deputados presos denunciados pelo MPF
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou na última sexta-feira o ex-governador Sérgio Cabral (MDB), dez deputados estaduais e mais 17 pessoas por um esquema de propinas na Assembleia Legislativa. Entre os demais denunciados estão secretários e ex-secretários estaduais, deputados e assessores parlamentares.
De acordo com a denúncia apresentada ao Tribunal Regional Federal na 2ª Região (TRF-2), o esquema envolvia nomeações viciadas e pagamentos de propinas a deputados em troca de apoio aos governos de Cabral e de seu sucessor (que também está preso por outra investigação), Luiz Fernando Pezão.
Além de Cabral, foram denunciados os ex-presidentes da Alerj Jorge Picciani e Paulo Melo (ambos do MDB) e os parlamentares André Corrêa (DEM), Edson Albertassi (MDB), Chiquinho da Mangueira (PSC), Coronel Jairo (SD), Luiz Martins (PDT), Marcelo Simão (PP), Marcos Abrahão (Avante) e Marcus Vinicius “Neskau” (PTB).
Os dez deputados foram presos na operação Furna da Onça, desencadeada no início de novembro, e que serviu de base para a denúncia apresentada hoje. Picciani, Melo e Albertassi já estavam presos desde a operação Cadeia Velha, no final de 2017. O MPF acusa os denunciados pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.