Recordista contesta "legado" da Rio 2016
Celso Cordeiro Filho 03/12/2018 21:36 - Atualizado em 06/12/2018 15:13
Generosa porta de ascensão para as camadas populares, o atletismo já produziu mitos e lendas, além de personagens que entraram para a história do esporte. Um deles é o mineiro Ronaldo da Costa, de 48 anos, que saiu de Descoberta, uma cidadezinha de cinco mil habitantes, no interior de Minas Gerais, para superar marcas pelo país afora até a glória suprema em solo germânico, com o recorde na Maratona de Berlim (1996), sua maior proeza. Ronaldo esteve em Campos, no último fim de semana, para participar de um evento na Arena 13. Em entrevista à Folha, o fundista detonou a gestão do esporte brasileiro e criticou o “legado” deixado pelos Jogos Olímpicos do Rio.
— Depois de tudo que houve nos Jogos Pan Americanos, eu fui contra a realização das Olimpíadas. Porque desde aquela época já se falava de corrupção em várias confederações e na própria Confederação Brasileira de Atletismo (CBA). Depois, os fatos vieram comprovar que era tudo verdade. O Complexo Célio de Barros (a pista de atletismo), onde já treinei e disputei várias competições, está destruído. Sobre o legado, é só fazer uma pesquisa com a comunidade esportiva — lamentou.
Ronaldo da Costa deu os primeiros passos no atletismo ainda em Descoberta, numa prova promovida pela Prefeitura.
— Vi o anúncio da corrida, que premiava o vencedor com R$ 1.500,00 e um radinho de pilha, e decidi participar. Fui bem, venci e dali em diante participava de todas as competições naquela região. Passei alguns anos depois a trabalhar numa fábrica em Juiz de Fora, que tinha uma equipe de atletismo. Mas, como trabalhava de 6 até 10 da noite, não tinha tempo para treinar. Quase pensei em parar — admitiu.
Até que, em 1994, Ronaldo inscreveu seu nome entre os ganhadores da Prova São Silvestre, que acontece a cada fim de ano em São Paulo. A partir dali, sua carreira decolou com a medalha de bronze, em 1995, dos Jogos Pan-Americanos, em Mar Del Plata, nos 10 mil metros. Participou também dos Jogos de Atlanta.
Em 1996, porém, aos 28 anos, ele surpreendeu o mundo e concluiu a Maratona de Berlim, uma das provas mais prestigiadas do planeta, quebrando à época o recorde mundial.
— Sou de família muito simples, são 11 irmãos. Saí de Descoberta, numa cidade pequena, onde não tinha outra opção, trabalhava na lavoura. Hoje, viajo pelo Brasil contando minha história de vida para essa garotada. O esporte é um caminho que pode mudar a vida das pessoas— contou Ronaldo, que anuncia um curta-metragem que conta a historia do boia-fria que até hoje é lembrado em Berlim. “Já pode ser visto pelo youtube”, confirma.
Em Berlim, 20 anos após feito na Maratona
Morando em Brasília, levado por Joaquim Cruz, outro ícone do atletismo, Ronaldo dá aulas para funcionários dos Correios, além de suas andanças pelo Brasil. Este ano recebeu homenagens na Alemanha, pela passagem dos 20 anos da façanha em Berlim.
— Foi o momento mais importante da minha vida. Até hoje sempre vou à Alemanha. Este ano recebi deles outra homenagem pelos 20 anos do recorde. Foi muito bacana, gratificante mesmo ser lembrado tantos anos depois — disse.
O recordista brasileiro não vê boas perspectivas para o Brasil nas Olimpíadas de Tóquio, em 2010.
— Tem muito garoto bom pra ser lapidado. Mas hoje é diferente da minha época. Quem está nessa vida tem que ser atleta 24 horas. Depois do treino, é alimentação e descanso, que também alimenta o corpo. Isso aqui atrapalha (disse apontando para o celular). Hoje, acaba o treino já tem uma ligação chamando para o cara ir a alguma festa — concluiu.

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