Guilherme Belido Escreve - Não está tão ok assim, tá ok?
24/11/2018 15:34 - Atualizado em 26/11/2018 18:27
Quase um mês após a vitória de Jair Bolsonaro, o presidente eleito tem encaminhado certos assuntos de forma que cabe uma reflexão de como estão sendo tratadas.
Antes, contudo, são necessários dois esclarecimentos para melhor aclarar o que se deseja pôr em relevo.
1) Bolsonaro não está ‘recebendo’ o Brasil na condição de terra arrasada. Ao contrário, a despeito da crise econômica que bate forte particularmente no desemprego, o País está bem mais viável do que há dois anos, quando a recessão estava na porta da depressão.
Os juros caíram de 14,25% para 6,5%. Vários setores da indústria, inclusive a de automóveis, dão sinais de melhoria, e a maior oferta de crédito tem facilitado os negócios.
O nível de confiança subiu consideravelmente e o Brasil vem superando – ainda com muitas dificuldades – o período negro dos últimos meses do governo Dilma. Em linhas gerais, segundo boa parte dos economistas, o País tem sérios desafios a enfrentar, mas ressaltam que o ministro Henrique Meirelles deu uma boa encaminhada no que era urgente.
2) Sem confundir com mentiras e falsas promessas, o pronunciamento de um presidente eleito precisa de uma certa adequação institucional em relação ao discurso mais intempestivo de campanha. De novo: não se trata de falar uma coisa no palanque e outra diferente depois de eleito. Trata-se de entender que ao presidente da República cabe assumir postura de Chefe de Estado e todo o aparato afeito à liturgia do cargo.
Logo, a grandeza, a sensatez, a sobriedade e a tolerância devem aflorar acima do discurso mais agudo do comício. É uma diferença sutil, mas existe.
Feitas as ressalvas 1 e 2, acrescente-se que o presidente-eleito, muito embora não esteja empossado, comanda uma transição que tem ares de oficial, espécie de ‘pré-Presidência’, de tal forma que tanto já lhe cabe – naturalmente com a devida vênia – influenciar nas decisões que estão sendo tomadas pelo governo que se despede, quanto entender que o ora dito por ele é visto como antecipação do que fará à frente do Planalto.
Assim, ter se omitido na questão da sanção ou veto que caberá ao presidente Michel Temer sobre o aumento dos ministros do Supremo e o consequente efeito cascata, bem como ter reforçado que reavaliaria a presença dos cubanos no programa ‘Mais Médicos’ antes de assegurar outros profissionais para suprir as vagas, foram posições que desfavorecem o Brasil.
Desafinando na transição
“Ele sabe, é uma pessoa responsável, não precisa de apelo. Ele sabe o que tem que fazer, se vai fazer, compete a ele.” A afirmação é de Jair Bolsonaro, sobre a opção do presidente Temer vetar o reajuste dos ministros do STF e evitar o efeito cascata que traria um rombo de R$ 4 bilhões nas contas públicas.
Bolsonaro foi ainda mais longe, dizendo que se ele fosse o presidente da República, vetaria o aumento. Advertiu, ainda, que “o assunto é motivo de preocupação... já estamos com um déficit enorme pro ano que vem e é mais um problema que a gente vai ter”. Entretanto, indicou que não faria qualquer apelo a Temer.
Ora, ‘apelo’, na acepção da palavra, não seria o caso. Mas o apelo no sentido de sugerir, de enfatizar junto a Temer a dificuldade que o efeito cascata trará ao ajuste fiscal, é algo perfeitamente normal que se fizesse, considerando que o veto ou a sanção se dará a 32 dias do novo governo.
De mais a mais, Bolsonaro teve um encontro amistoso com o presidente – o que deixou tudo mais fácil – e colocaria Michel Temer numa saia justa se em plena transição de governo levasse a reivindicação de veto de forma oficial, dando publicidade ao pedido. Temer, no caso de optar pela sanção, no mínimo acrescentaria um desgaste brutal em sua imagem.
Vale lembrar que o senador Eunício Oliveira, por mais insensível que tenha sido, disse com todas as letras não ter recebido do presidente eleito ou de sua equipe qualquer manifestação no sentido de tirar a urgência do tema.
Saída dos médicos cubanos
Já era conhecida a posição de Bolsonaro sobre a presença dos cubanos no projeto ‘Mais Médicos’. Entretanto, o presidente eleito não precisava ter reafirmado sua convicção antes de ser empossado e antes, principalmente, de garantir que centenas e centenas de municípios cujo atendimento médico é feito exclusivamente por cubanos, não ficassem sem assistência.
Só na quinta-feira (22), mais 300 municípios dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo deixaram de contar com qualquer auxílio médico. São 1.400 moradores de áreas periféricas que recebiam atendimento somente de médicos cubanos e que agora estão desprotegidos com a saída dos primeiros de um total aproximado de 8 mil que deixarão o Brasil.
Motivos – O presidente eleito tem razão quando fala em regime de escravização imposto por Cuba aos médicos, da falta de liberdade para que tragam as famílias e de só ficarem com uma pequena parcela do salário. Mas não era hora de, gratuitamente, reiterar essa posição e tampouco de colocar em duvida “se eles são médicos mesmo” – o que, no mínimo, é uma suspeição desprovida de qualquer amparo.
O Ministério da Saúde informou na sexta-feira (23) que 92% das vagas oferecidas no edital foram preenchidas em três dias de inscrição. Só que isso, na prática, não resolve nada.
Se já tivessem prontos e à disposição os 8 mil médicos para o lugar dos cubanos que estão saindo por determinação do governo de Havana (em represália às declarações de Bolsonaro), ainda assim faltaria equacionar questões de logística, ambientação, interação para com as comunidades assistidas e tudo o mais ligado ao início de trabalho num lugar desconhecido, muitas vezes inóspito, longe de casa e da família – onde muitos não se adaptam e voltam.
A situação real é que os médicos cubanos continuam indo embora e deixando, nos cálculos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), mais de 20 milhões de pessoas sem nenhum auxílio médico. Assim, não está ok.
 
 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS