“Um ‘espigão’, com pedras, paralelo à costa, da foz do Paraíba até as imediações do pequeno (e pitoresco) farol, pelo menos, é uma providência que se faz reclamada, de imediato, (...) para a preservação do belíssimo recanto do Pontal, em Atafona”. O texto parece atual, mas é de 17 de fevereiro de 1959, publicado no extinto jornal campista “Folha do Povo”. O pequeno (e pitoresco) farol não existe mais. O belíssimo recanto do Pontal está submerso, tragado pela força das ondas. A “providência reclamada” por um “espigão” para proteger o que ainda restou da mais conhecida praia de São João da Barra, quase seis décadas depois, não passa de um sonho. A viabilidade da contenção do avanço do mar foi atestada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) desde 2014. De lá pra cá, pouco mudou e a esperança de ver a obra concluída vai indo embora na mesma velocidade em que as ondas continuam a redesenhar a orla de Atafona, deixando rastros de destruição.
Nos últimos dias o mar voltou a avançar no trecho entre a foz do Paraíba do Sul e as imediações da antiga caixa d’água — que foi demolida antes de ser levada pelas ondas. Perto dos escombros do prédio do Julinho dá para ter noção do quanto o oceano avançou sobre o continente. Em um vídeo que ganhou as redes sociais na última semana, o morador de Atafona Rodrigo Queiroz mostra como as ruínas do prédio funcionam como um pequeno “quebra-mar”. Derrubado pelo mar há mais de 10 anos, ainda protege as casas vizinhas. “Se tivesse um quebra-mar, uns 100 ou 200 metros para dentro do mar, não aconteceria mais isso. A gente vê isso em Marataízes”, afirmou Queiroz no vídeo gravado na terça-feira, falando ainda sobre uma “ressaca fora de época”.
A Defesa Civil de São João da Barra chegou a negar a ressaca, mas dois dias depois recebeu um alerta da Marinha que aponta risco de ondas de até 2,5 metros. A orientação é para que pescadores evitem a atividade em alto mar até hoje. “Com a ressaca e períodos de maré de lua, a tendência é o mar avançar ainda mais. Estamos monitorando toda orla e até o momento não existe nenhum desabrigado”, disse o subcoordenador de Defesa Civil, Welington Barreto.
Uma das casas “protegidas” pelos escombros do prédio do Julinho é a de Sônia Ferreira. Ela faz suas orações de frente para o mar. Nem sempre foi assim, já que quando construiu a casa, nos anos 1980, além do Julinho ainda tinha de passar por muitas ruas, entre elas a avenida Atlântica, até chegar à beira mar. Agora, mais perto de sua residência, o mar já assusta. “A gente vê o mar já perto do muro de casa e isso deixa a gente triste. Não é pelo bem material: a casa da gente guarda muitas histórias em cada cantinho”, disse.
Desde que o INPH anunciou que é viável conter o avanço do mar em Atafona, movimentos foram criados na luta pela obra, entre eles o “SOS Atafona”, “Atafona Resiste” e “Luto por Atafona”, que planeja mais um ato ainda este ano. No próximo domingo, dia 18 de novembro, será realizado o “Abraça Atafona”:
— Daremos um grande abraço simbólico em nossa praia, em protesto ao abandono que vive nosso lugar. São mais de 50 anos de destruição e nenhuma solução. Vamos sair da praça Nossa Senhora da Penha em direção as ruínas do antigo prédio do Julinho, às 09h — explicou Fábio Pedra, um dos integrantes do “Luto por Atafona”.
A Prefeitura de São João da Barra estima que o valor da obra seja de R$ 180 milhões, embora ainda não tenha sido licitada. E informa que o município não tem condições de realizá-la, mas “busca apoio junto às esferas estadual e federal, até mesmo pelo fato da costa brasileira ser de responsabilidade da União”.
Busca por recursos
Na tentativa de conseguir recursos para a obra de contenção do avanço do mar, a prefeita de São João da Barra, Carla Machado (PP), chegou a apresentar o documento ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM). Até o momento, nenhuma resposta foi divulgada. Em outubro do ano passado, foi anunciado que o município havia conseguido o recurso de R$ 1 milhão para execução do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do anteprojeto de contenção do mar. Já na última segunda-feira, o Diário Oficial do Rio de Janeiro trouxe a informação que o Conselho Estadual de Controle Ambiental (Ceca) determinou que o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) prorrogue por 270 dias o prazo para apresentação do Eia/Rima.
A Prefeitura informou, em nota, que “ainda não existe um prazo definido para a realização do Relatório de Impacto Ambiental”. Com relação a recursos financeiros, sem falar do R$ 1 milhão divulgado em outubro, a administração municipal informou contar com “o valor de R$ 2,4 milhões, oriundo de medidas de compensação ambiental”, de um saldo remanescente referente ao Terminal Sul do Porto do Açu.
Ainda de acordo com a Prefeitura, o recurso será utilizado para execução do estudo de monitoramento dos serviços de desobstrução e desassoreamento no leito rio Paraíba do Sul, que já está em andamento; a desobstrução do canal existente em ilha no leito do rio e o desassoreamento do trecho do canal na foz do Paraíba.
O saldo remanescente após as intervenções será disponibilizado para EIA/Rima para a viabilidade do anteprojeto de contenção do mar na praia de Atafona.