Mário Sérgio Junior, Daniela Abreu e Arnaldo Neto
14/11/2018 22:27 - Atualizado em 16/11/2018 14:45
A Folha inicia hoje uma rodada de entrevistas com os candidatos à presidência da 12ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)/Campos. Quatro chapas disputam as eleições, que acontecem na próxima quarta-feira, das 9h às 17h, na Casa do Advogado. Cada chapa é composta por 58 pessoas, sendo 29 titulares e 29 suplentes. O presidente eleito assumirá a cadeira no dia 2 de janeiro para o triênio 2019-2021. Encabeçando a chapa “Pela Ordem”, o advogado Cristiano Miller defende a coragem para enfrentar as lutas que, para ele, serão enormes. O candidato também diz que o diferencial de sua chapa é a defesa incessante das prerrogativas dos advogados e a capacitação para os profissionais. Miller também criticou a atual gestão da OAB Campos e afirmou que a Subseção, atualmente, encontra-se em estado de omissão em relação a temas de relevância para a sociedade. Formado em 1996 pela Faculdade de Direito da Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, Cristiano Miller é doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Folha da Manhã – O que levou o senhor a concorrer ao cargo de presidente da OAB Campos? Quais são as propostas de sua chapa?
Cristiano Miller – Decidi concorrer ao cargo de presidente da 12ª Subseção da OAB/RJ por entender que a instituição não pode mais ficar nessa situação de inércia e subserviência em que se encontra. Sabemos que as lutas são e serão enormes, mas é preciso coragem para o enfrentamento. Coragem essa que, por evidente, não pode ser confundida com truculência. É preciso retomar o respeito pelo advogado. É preciso que a advocacia recupere a credibilidade em seus atos. E isso necessariamente passa por uma adequada representatividade da OAB. Nesse sentido, temos várias propostas, mas destacamos a defesa incessante das prerrogativas dos advogados e a realização de cursos que venham a deixar a advocacia cada vez mais capacitada e qualificada. Isso envolverá tanto cursos práticos (que permitirão ao jovem advogado melhores condições de iniciar o exercício da advocacia), como também cursos de atualização e aprofundamento acerca de temas específicos. Temos a convicção de que uma advocacia ainda mais qualificada conduzirá naturalmente para o fortalecimento da credibilidade e do respeito que desejamos para a toda a categoria.
Folha – Que balanço o senhor faz da atual administração? Quais foram os acertos e erros?
Miller – A gestão atual, lamentavelmente, cometeu muitos mais erros do que acertos. Prova disso é que quatro chapas disputam as eleições da 12ª Subseção da OAB/RJ. E um dos maiores erros da gestão atual foi ter contribuído para que a classe de advogados ficasse extremamente desunida. É uma gestão que, no decorrer do mandato, se desfez por completo. Isso é péssimo, não somente para a gestão, mas para a classe de advogados com um todo. Uma gestão institucional não pode se “individualizar”. Aqueles que estão à frente de uma instituição, em especial da OAB, têm que lembrar que ali eles representam toda a categoria, de modo que não podem querer fazer prevalecer as suas vontades pessoais. Isso basta para que se queira a mudança, para que se deseje a renovação.
Folha – Na opinião do senhor, a Justiça em Campos é lenta?
Miller – A Justiça brasileira, de uma forma geral, é muito lenta. E não é diferente nas Comarcas que integram a 12ª Subseção da OAB/RJ (Campos, São João da Barra, São Francisco do Itabapoana, Italva e Cardoso Moreira). Isso não é resultado de uma causa isolada, mas decorre de uma complexidade de fatores. No entanto, entendemos que uma boa gestão cartorária é um poderoso instrumento de melhoria da agilidade na prestação da tutela jurisdicional. E, entendemos mais. Entendemos que a OAB precisa ser ouvida na definição de pontos relevantes dessa gestão, pois a atuação do Poder Judiciário visa ao atendimento da população que, na maioria das vezes, é representada pela advocacia, que, como destaca a Constituição Federal, é essencial à administração da Justiça.
Folha – Para mudar esse quadro, a OAB deveria exercer uma maior pressão junto ao Tribunal de Justiça?
Miller – Não apenas junto ao Tribunal de Justiça, mas perante todos os Tribunais relacionados às respectivas áreas. Em outras palavras, é preciso atuação firme da OAB também junto ao Tribunal Regional Federal e ao Tribunal Regional do Trabalho. Sem esquecer, é claro, da atuação imprescindível junto ao Conselho Nacional de Justiça. A OAB não pode prescindir do diálogo, mas com efetiva ação em todas as esferas, sempre na busca da defesa das prerrogativas do advogado, que, em última análise, significa a defesa da sociedade.
Folha – O número de juízes no interior é suficiente para toda a demanda?
Miller – O número de juízes é insuficiente na capital, assim como também o é no interior. Em tempos de demandas de massa, a carência de magistrados, no mais das vezes, é algo evidente. Mas confesso que, aqui nas Comarcas que integram a 12ª Subseção da OAB/RJ, esse não é o principal problema. Digo isso, pois, apesar de entender que seriam necessários mais juízes nas Comarcas, a verdade é que estamos passando por um grave problema especificamente com a Comarca de São Francisco do Itabapoana, que corre sério risco de ser extinta. Se isso se consolidar, será o verdadeiro caos para todos aqueles (advogados e população em geral) que “dependem” do Poder Judiciário em São Francisco do Itabapoana. E a Comarca de Campos também sofrerá enorme prejuízo na eventualidade de essa extinção se concretizar, pois os processos que hoje tramitam em São Francisco do Itabapoana passariam a ser julgados em Campos. Isso é um absurdo sem tamanho, que merece toda a atenção dos envolvidos, em especial da 12ª Subseção da OAB/RJ.
Folha – Como você avalia o papel da Ordem, atualmente, nas discussões referentes aos municípios que compõem a 12ª subseção?
Miller – Considero que a 12ª Subseção da OAB/RJ encontra-se, atualmente, em estado de absoluta omissão em relação a temas de relevância para a sociedade dos municípios de nossa região. Talvez seja preciso lembrar que, nos termos do Estatuto da Advocacia, a OAB tem por finalidade a representação e a defesa dos advogados. Mas a OAB também tem por finalidade defender a Constituição Federal, o Estado democrático de direito, os direitos humanos e a justiça social. E, como dito, nos dias atuais, a 12ª Subseção da OAB/RJ é absolutamente ausente no tocante às discussões acerca desses temas, o que acaba por afetar não apenas os advogados, mas toda a sociedade.
Folha – Durante o período da ditadura militar, a OAB deixou como marca registrada a liberdade de expressão. O senhor acha que a entidade deixou de exercer esse papel para se tornar uma entidade de classe?
Miller – Não vejo essas atuações como contraditórias ou excludentes. Como dito acima, essas finalidades se complementam, de modo que a atuação da OAB é, sim, a defesa da classe dos advogados. Mas é, também, a defesa da Constituição e do Estado democrático de direito, o que perpassa pela defesa da liberdade de expressão.
Folha – Este ano o caso em que a advogada Valéria dos Santos foi algemada e presa, ao reivindicar suas prerrogativas diante de uma juíza leiga, trouxe evidência no Brasil para uma questão que está sempre presente nas discussões eleitorais da OAB. Pouco tempo depois um caso semelhante ocorreu em Campos, gerando uma manifestação de advogados no Fórum Maria Tereza Gusmão. Por qual razão há dificuldade em garantir ao advogado suas prerrogativas? O que os representantes anteriores da 12ª subseção já fizeram nesse sentido? O que de fato é necessário fazer para que as prerrogativas dos advogados sejam respeitadas?
Miller – A dificuldade em garantir ao advogado o respeito às suas prerrogativas, em nossa análise, é um misto de desconhecimento dos direitos dos advogados (assegurados tanto na Constituição Federal, como no Estatuto da Advocacia e da OAB, que é a Lei Federal nº 8.906/1994), com a lamentável tradição de achar, de forma absolutamente equivocada, que há alguma hierarquia ou subordinação entre advogados e magistrados e membros do Ministério Público. Soma-se a isso, infelizmente, a situação de desunião pela qual passa a advocacia da 12ª Subseção da OAB/RJ. Desse modo, para que consigamos o respeito às prerrogativas, é importantíssimo, em âmbito regional, que haja a imediata união da classe dos advogados. Essa união resultará no fortalecimento institucional da OAB, que, sendo verdadeiramente combativa e buscando as instâncias adequadas, certamente trará resultados para todos. E, a nível nacional, é muito importante o apoio ao projeto de lei que tem por finalidade criminalizar os atos de ofensa às prerrogativas dos advogados.
Folha – Em sua campanha para a Presidência da República, o presidente eleito Jair Bolsonaro defendeu o “excludente de ilicitude” como uma imunidade para policiais militares que matarem em serviço, sem a investigação da ocorrência. O que acha disso?
Miller – Entendo que a sociedade não suporta mais os altíssimos índices de criminalidade registrados. Contudo, acredito que o ordenamento jurídico atual já soluciona a questão de forma satisfatória, ao prever a legítima defesa como excludente de ilicitude.
Folha – A operação Lava Jato colocou o Judiciário e o Ministério Público em outro patamar de visibilidade, até mesmo pela exposição na mídia. Alguns juristas afirmam que teriam ocorrido exageros na condução de processos. Qual sua opinião sobre a Lava Jato?
Miller – Em minha opinião, a Lava Jato, apesar de alguns excessos, possui saldo extremamente positivo. Não há como negar que ela foi um divisor de águas na justiça brasileira. Isso, por evidente, não significa que ela seja imune a críticas. Mas, repito, em minha análise o saldo é favorável.
Folha – Por falar na Lava Jato, uma figura que a personifica para o grande público é o juiz Sérgio Moro, que foi responsável pelos processos em primeira instância. Como avalia o fato de ele deixar o caso e aceitar o convite para ser ministro da Justiça no futuro governo de Jair Bolsonaro?
Miller – Apesar de reconhecer a relevância do Sérgio Moro, é preciso que se entenda que ele não é a Lava Jato, que é uma operação extremamente complexa, que envolve a participação de policiais federais, membros do Ministério Público, dentre tantos outros servidores. Nem mesmo ele é o único juiz da Lava Jato em primeira instância, até porque a Lava Jato possui ramificações em vários Estados da Federação. Mas, claro, a figura do Sérgio Moro é, com justiça, a mais emblemática. A decisão por meio da qual aceitou ser ministro do futuro governo do Jair Bolsonaro é legal e constitucional. Porém, a meu ver, foi uma decisão que ao menos merece ser debatida, com a abordagem dos motivos que o levaram a aceitar o convite.
Folha – Você acredita na possível utilização política da OAB? Teme que isso possa vir a acontecer?
Miller – Aceitar que a OAB seja utilizada para fins políticos é, no mínimo, apequenar a Ordem dos Advogados do Brasil. Não posso responder pelos demais candidatos, mas, caso a nossa chapa seja a vencedora, posso assegurar que isso jamais ocorrerá. A OAB é uma entidade que precisa resguardar de modo eficaz a sua autonomia e independência, mantendo relacionamento meramente institucional com os poderes da administração pública.