Teve lotação máxima o auditório Cristina Bastos, no campus Centro do Instituto Federal Fluminense (IFF), durante a realização da mesa “Fake News: Mentiras verdadeiras”, na 10ª Bienal do Livro de Campos. Apesar da campanha de boicote iniciada nas redes sociais por um grupo de direita, inclusive com ameaça de impedimento da realização do debate, devido ao convite de participação feito ao artista plástico Wagner Schwartz, o evento foi sucesso de público e uma aula de democracia, entre o final da tarde e início da noite de ontem. À
Folha da Manhã, Wagner disse ter se sentido abraçado ao ouvir um professor, que se apresentou como eleitor de direita, afirmar que ele é bem-vindo na cidade. O momento foi marcante, bem como o discurso do próprio artista. Também fizeram parte do debate os jornalistas Artur Xexéo, Cláudia Eleonora e Aluysio Abreu Barbosa, este diretor de redação da Folha. A Bienal segue hoje, com programação diversificada a partir das 9h.
— Quando fiquei sabendo (da campanha de boicote), foi estressante. Uma surpresa. Eu fiquei com medo, na realidade, de como chegar aqui, como encontrar com essas pessoas que não queriam que eu estivesse aqui. Mas, eu sabia que havia também muitas pessoas querendo que eu viesse. E eu decidir tomar a atitude de vir a Campos para encontrar com estas, desconsiderando as outras. Foi muito bonito, hoje, ouvir aquele senhor que disse que era de direita e que eu era bem-vindo na cidade. Me senti abraçado por ele — disse Wagner.
Provocados por Ocinei Trindade, os integrantes da mesa abordaram várias questões a respeito das fake news. Artur Xexéo comentou sobre o risco existente para todas as pessoas de compartilharem uma notícia falsa, inclusive jornalistas. “Acho que nenhum jornalista está livre, ele sempre corre risco, mas nunca com intenção de publicar errado. Às vezes a gente erra. Mas, o que está circulando agora, tem uma frase que explica: ‘a mentira contada muitas vezes se transforma em verdade’. Acho que isso é a cara da fake news”, falou o jornalista, ressaltando a importância de todas as pessoas apurarem as informações antes de compartilhá-las de alguma forma.
O discurso inicial de Cláudia Eleonora seguiu a mesma linha. “Os produtores de fake news querem legitimar a dúvida, principalmente nesse terreno fértil que é o Whatsapp”, comentou Cláudia, dando ênfase ao conturbado período eleitoral que passou o Brasil até o final de outubro. A jornalista citou ainda a morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, espancada em 2014, em Guarujá, no litoral paulista, ao ser confundida com uma mulher que estaria sequestrando crianças e praticando magia negra. A confusão se deu a partir de um retrato falado da suspeita ter sido publicado em uma página do Facebook. “Precisamos falar de educação virtual, para todos aprenderem a avaliar o que está sendo visto e repassado. É um dever de todos. A fake news é a pontinha de um iceberg que parece não ter fim”, enfatizou.
Aluysio Abreu Barbosa usou um trecho do livro “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, de Yuval Harari, para explicar que a fake news está na origem do ser humano. No livro, o autor fala que uma das revoluções mais importantes já existentes foi a cognitiva, há cerca de 70 mil anos, quando o ser humano passou a fazer associações, criar e compartilhar mitos, justamente o que nos diferencia das demais espécies. Abordou ainda a influência do compartilhamento de informações nas redes sociais na política, desde a primeira eleição do ex-presidente estadunidense Barack Obama, em 2008, até a mais recente, de Jair Bolsonaro a presidente do Brasil. “Não é preciso ser burro para reproduzir ou acreditar em fake news”, falou Aluysio, ao lembrar que até uma referência como Ciro Gomes, terceiro candidato mais votado na última eleição, comentou notícia falsa como se fosse verdadeira.
O discurso de Wagner Schwartz foi de quem sentiu o peso das fake news na pele, linchado virtualmente após ter sido tocado no tornozelo por uma menina de seis anos, acompanhada pela mãe, durante apresentação em que estava nu, em setembro do ano passado, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Apesar de o Ministério Público Federal ter entendido que não houve crime algum na performance, até hoje ele recebe insultos como ser chamado de pedófilo.
— Quem está falando com vocês é um fantasma, porque eu morri duas vezes. Uma delas, esmagado com um taco de beisebol, que usavam para matar zumbis em The Walking Dead. Na outra, me suicidei, pulei de um edifício alto de São Paulo. Isso criou problemas pessoais para mim, porque tenho amigos, tenho família. Tive que explicar para eles, centenas de pessoas que me escreveram ao mesmo tempo, que eu não estava morto. (...) Atacar é muito rápido. É ação e reação. A gente precisa é refletir, e isso leva muito tempo. A reflexão não chega na velocidade de uma mensagem de Whatsapp — disse Wagner, alertando para o risco de grupos disseminadores de notícias falsas ganharem ainda mais força.
O público aplaudiu de pé o artista, com exceção de pouquíssimas pessoas. Pelo menos quatro eleitores de direita foram ao debate vestindo camisas alusivas a Bolsonaro, mas praticamente não se manifestaram. Em compensação, um professor direitista, identificado apenas Ralfe, deu exemplo democrático ao se dirigir a Wagner: “Você é bem-vindo na nossa cidade”, afirmou o professor, citando em sua fala a luta histórica de dois abolicionistas em Campos, Luiz Carlos de Lacerda e José do Patrocínio.
— Vi algumas pessoas com a camisa do Bolsonaro, como também vi pessoas com camisas do Nirvana, camisas sobre culturas afro, outras com camisas da Bienal do Livro. Existiam várias camisas. Isso é o mais importante, que todas as camisas estejam presentes — falou Wagner Schwartz ao final do evento.