(O grande circo místico) — Depois de 12 anos afastado do cinema de ficção, Cacá Diegues volta com uma proposta ambiciosa e arriscada: transformar um poema de Jorge de Lima com 37 versos num filme com pretensões de encantar o público. Edu Lobo e Chico Buarque foram muito felizes em compor músicas para um disco inteiro, todas elas inspiradas no mesmo circo. Para mim, representa o ponto mais alto na trajetória dos dois compositores. Já não se pode dizer o mesmo de Cacá Diegues, autor de filmes marcantes do cinema brasileiro.
Parece que o tempo de afastamento do diretor não lhe fez bem. O primeiro ponto frágil do filme é o roteiro, assinado por Cacá e por Jorge Moura. Um roteiro é fundamental para um filme. Mas pode acontecer que um roteiro bom resulte num filme ruim ou que um roteiro ruim resulte num filme bom. O roteiro de “O grande circo místico” tem altos e baixos.
Mas não é esse apenas o ponto frágil do filme. A direção dele mostra muitas inconsistências. Cacá toma muitos autores como inspiração. A mais perigosa delas é o clima mágico que envolve os filmes de Federico Fellini. A fotografia e o tom feérico também apresentam altos e baixos. O filme até que promete estabilidade no princípio, mas não consegue sustentá-la logo a seguir. O diretor escala um grande elenco para retratar a história de um circo ao longo de cinco gerações, mas não arranca dos artistas bom desempenho. Não dá tempo.
Ao longo dos anos, cada estrela do circo vai morrendo. Apenas Celavi (Jesuíta Barbosa) permanece vivo e jovem, como a representar a imortalidade do circo. A história vai dos momentos áureos à decadência da arte circense. Nas cenas de sexo, sempre uma armadilha para literatos e cineastas, Cacá perde a mão. Ele tenta, de modo felliniano, mostrar o relacionamento sexual de uma contorcionista, de um homem de membro imenso, como uma deformação física típica de personagens de circo. Contudo, exagera.
Enfim, o excesso de referências a outros cineastas passa dos limites e se torna dispensável. As belíssimas músicas de Chico Buarque e Edu Lobo também não são devidamente aproveitadas. “O grande circo místico” foi selecionado para representar o Brasil no “Oscar”. Seria uma consagração para o quase octogenário Cacá Diegues se o filme vencesse na categoria de melhor filme estrangeiro. Contudo, tenho a impressão de que sequer será selecionado para concorrer com outros.