Crítica de cinema - Quadrinhos, corrupção e violência
*Felipe Fernandes - Atualizado em 16/11/2018 18:30
(O doutrinador) -
Aparentemente, a onda de adaptação de quadrinhos chegou ao cinema nacional. Esse ano foi lançado ‘’Tungstênio’’, longa do diretor Heitor Dhalia (O cheiro do ralo), adaptando uma premiada hq do Marcello Quintanilha. Ano que vem, teremos uma adaptação live action dos quadrinhos da “Turma da Mônica”. Mas hoje, estamos aqui para falar de “O doutrinador”.
Um quadrinho criado pelo carioca Luciano Cunha, que após muitas rejeições, passou a lançar histórias curtas diretamente na internet no ano de 2013, ganhando grande repercussão, muito também ancorado na insatisfação popular e nas manifestações ocorridas naquele ano.
Cinco anos depois, aquelas curtas e violentas ‘’tirinhas’’, ganham o cinema em uma adaptação de visual caprichado, com a dose certa de violência, mas que padece de um roteiro simplista com diálogos terríveis e algumas frases de efeito constrangedoras.
Miguel (Kiko Pissolato) é um agente de uma divisão de elite da polícia que combate a corrupção. Essa divisão tem sua grande operação interrompida por questões políticas e seguido a isso, a filha de Miguel sofre um tiro de bala perdida e morre nos braços do pai em um hospital público por falta de condições de atendimento. Transtornado com a situação, o policial assume a identidade do Doutrinador e passa a resolver as coisas do seu jeito.
O primeiro ponto que chama a atenção nesse momento de polarização, é que o roteiro não escolhe lados. Os políticos (leia-se aqui, os vilões), não têm qualquer conexão com a realidade, uma decisão acertada, evitando dividir o público com questões políticas, o inimigo é a corrupção e vai sobrar pra todo mundo.
Mateusinho viu
Mateusinho viu / Divulgação
O filme traz uma trama de vingança convencional, mas a vingança de Miguel não é contra uma pessoa, mas contra todo um sistema, que aqui, é representada por uma quadrilha, criando alvos e inimigos físicos. Se tem algo que o cinema de heróis deveria ter aprendido, é que a construção do vilão (por pior que ele seja) é tão importante quanto do protagonista. Um dos grandes problemas do longa, são justamente seus antagonistas. A imagem de político inescrupuloso é retratada de forma extremamente caricatural (até cena de político gargalhando enquanto conta dinheiro, tem). “O doutrinador” carece de um inimigo físico importante. Algo parecido com o que acontece (só para citar uma obra do gênero) com a figura do Rei do crime na terceira temporada do Demolidor.
Os personagens coadjuvantes que cercam o protagonista são interessantes, mas a relação deles com Miguel é mal desenvolvida e mal resolvida, enfraquecendo os laços que poderiam criar uma carga emocional e conflitos que fariam bem ao filme e por consequência dariam uma maior complexidade ao protagonista.
O protagonista Miguel é um personagem genérico que passa por uma tragédia e resolve se vingar. Não há nenhuma nuance que o destaque entre milhares de personagens desse tipo e por mais que nos identifiquemos com suas motivações e suas revoltas, é difícil se conectar com ele.
O ponto mais forte do personagem é a interpretação de Kiko Pissolato. Apesar do roteiro não contribuir com o personagem, Kiko convence, até mesmo fisicamente e a decisão do ator de interpretar quase todas as cenas de ação, até mesmo quando ele está mascarado, certamente contribui para fortalecer o personagem.
Visualmente o filme é uma grata surpresa. O diretor Gustavo Bonafé (Legalize já: A amizade nunca morre) e sua equipe, conseguem dar vivacidade as cenas de ação, com uma montagem dinâmica e usando planos claramente influenciados pelos quadrinhos. Bonafé consegue criar um clima soturno, pincelado por cores vibrantes, criando um contraste bem interessante.
“O doutrinador” é um longa que passa a idéia de que seus realizadores focaram de mais no visual e esqueceram de narrar uma história. Chega a ser curioso, que um personagem que surgiu justamente de uma revolta, de uma ideia, acabe por ser sabotado justamente pela falta de conteúdo. Em 2019 sairá uma série do personagem, agora é torcer que os realizadores aprendam com erros do filme, para realizar um produto mais relevante, mesmo que como puro entretenimento.

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