(Operação Overlord) — Na história e nas boas narrativas, sempre há brechas para a imaginação. Poderíamos imaginar, como alguns já fizeram, a vitória dos persas sobre os gregos, na Antiguidade. Na realidade, conta-se o que aconteceu, não o que poderia ter acontecido. Mas na ficção, pode-se inserir a imaginação. O escritor checo Milan Kundera inseriu criação sua em “Jacques, o fatalista”, de Diderot. Por sua vez, o escritor sul-africano J.M. Coetzee rescreveu a história de Robinson Crusoé, inserindo uma mulher que rouba a cena. Os exemplos se multiplicam.
A ficção aproveita a história para inserir nela o que não aconteceu ou o que pode ter acontecido, mas não foi devidamente contado. Um exemplo que me ocorre é o do filme “A espinha do diabo”, de Guillermo del Toro. Ele insere uma bela história de terror na Guerra Civil espanhola.
Jeffrey Jacob Abrams é um mestre em criar histórias inseridas em contextos reais e filmá-las ou produzi-las. Os mais notáveis são “Cloverfield”, “Super 8”, e agora “Operação Overlord”, do qual teve a ideia original. Ela foi roteirizada por Billy Ray, também coautor da ideia, e Mark L. Smith. A direção ficou com o australiano Julius Avery, ainda com pequena filmografia, e um elenco de atores pouco conhecidos.
O que idealizadores e roteiristas fazem é inserir um aspecto plausível na Alemanha nazista no final da Segunda Guerra Mundial. Não é novidade para ninguém que a Alemanha fazia experiências bélicas e genéticas para garantir o Reich de Mil Anos. Quanto às genéticas, o escritor brasileiro Joca Reiners Terron as aborda no romance “Noite dentro da noite”. Em “Operação Overlord”, ela é o centro de uma missão dificílima, quase impossível, de um grupo de soldados norte-americanos na Alemanha. Depois de perder muitos homens, os soldados restantes deveriam detonar uma torre alemã para que as tropas aliadas invadissem a França.
No exercício dessa missão, o soldado negro Boyce (Jovan Adepo) descobre um laboratório dedicado à criação de soldados ultrarresistentes para a guerra. O Reich de Mil Anos precisaria de soldados de longa duração e de grande resistência. Eles são capazes de reviver depois de mortos como os zumbis atuais depois da inovação de George Romero. Se os novos zumbis resultam de doenças ou contaminações radiativas, os zumbis de “Operação Overlord” são produtos de laboratório e intencionalmente criados.
Existem alguns clichês no filme. Boyce é um novato pacífico que aprende a matar na guerra. O cabo comandante da missão tornou-se frio e violento com o conflito. Com todos os percalços, a missão quase impossível terá êxito. Muitos morrem, mas o soldado negro sai quase ileso. Acontece uma atração não levada adiante entre ele e a única mulher do filme. Uma francesa.
O filme me evocou outro. Percebi semelhanças entre ele e “Corra!”, de Jordan Peele. Em ambos, o negro ocupa papel central. Em ambos, há experiências com humanos. “Corra!” enfoca o neorracismo. “Operação Overlord” não deixa de tratar do racismo nazista, colocando um soldado negro como protagonista. Ambos são equivocadamente classificados no gênero terror. “Corra!” tem uma ligação sutil com o sobrenatural. “Operação Overlord” não. Por mais que os zumbis aterrorizem, eles são produto de experiências científicas. Por trás deles, há um médico e não um xamã ou um babalaô. Portanto naturais.
Com alguns senões, o filme tem seus méritos. Ainda mais contando com a alta tecnologia cinematográfica. É oportuno trazer o nazismo novamente à tona, agora que a direita neonazista bota a cabeça de fora em vários países.