Saudade do futuro
Matheus Berriel 09/11/2018 18:32 - Atualizado em 16/11/2018 16:27
Divulgação
Engana-se quem acha que Roberto Menescal, aos 81 anos, pensa em parar de cantar, tocar e compor. Seis décadas após ter feito parte do seleto grupo que criou a Bossa Nova, no Rio de Janeiro, o capixaba vive a fase mais agitada de sua carreira, atuando ainda como arranjador e produtor musical. No palco do Teatro Municipal Trianon, na noite da última terça-feira (6), o que se viu foi um Menescal de bem com a vida.
— Eu nunca trabalhei tanto. Isso me dá uma satisfação muito grande. Comecei uma coisa há 60 anos. É difícil um médico, um arquiteto, um engenheiro passar tantos anos trabalhando. Para mim foi o contrário, isso foi me puxando para cima, cada vez trabalhando mais — disse o músico.
Durante a 20ª festa de fim de ano da Folha da Manhã, encerrando o circuito comemorativo pelos 40 anos do jornal, completados em janeiro, Roberto Menescal também foi homenageado. É que o show de seus companheiros de palco, o Quarteto do Rio, representou o lançamento em Campos do CD “Mr. Bossa Nova”, gravado no final de 2017, após o 40º aniversário deste ícone da música brasileira.
— Me deram de presente um disco todo com músicas minhas, uma história que eles estavam armando e me convidaram para participar. Depois do disco, de vez em quando a gente faz algumas coisas juntos. Mas, eles trouxeram uma coisa muito boa para a Bossa Nova, um sangue novo, principalmente de vocal. É uma coisa muito moderna o que eles fazem — comentou Menescal.
Os elogios não são falsa modéstia. Durante a passagem de som, ainda com o Trianon vazio, ele deixou o palco e sentou-se em uma poltrona na primeira fileira do teatro, de onde assistiu Elói Vicente, Fábio Luna, Neil Teixeira e Leandro Freixo ensaiarem a execução de “O Barquinho”, música de sua autoria com Ronaldo Boscoli, também já interpretada por Nara Leão, Maysa, Elis Regina e João Gilberto. Terminada a performance, Menescal aplaudiu os integrantes do antigo Os Cariocas — com exceção de Leandro, que entrou para o grupo em 2016, após a morte do maestro Severino Filho. Uma atitude nobre para alguém com tamanha importância.
Desde que deixou Vitória e chegou ao Rio, Roberto Menescal não só viu, como participou da história. Aquele ritmo derivado do samba que começava a surgir em reuniões no apartamento da ainda adolescente Nara Leão, em Copacabana, veio a se tornar o maior movimento da música popular brasileira, mundialmente respeitado. Nem por isso agradou a todos. Foi preciso muita criatividade para driblar a ditadura.
— O país passou por várias fases políticas. Passamos por uma brava, em 1964, e a gente rompeu. Não vou dizer que a gente lutou. A gente driblou. Até nas músicas, a gente fazia com um sentido que as pessoas não percebiam, a censura principalmente. Acabou sendo uma coisa que aprimorou muito as nossas músicas, porque a gente pensava em fazer de uma forma para ninguém perceber. Agora, estamos numa fase política em que ninguém sabe o que vai acontecer. Mas, eu tenho muita fé. Sou aquele cara de fé. Estou sempre achando que vai melhorar. Também, piorar não podia — brinca.
Bem como a bossa, sempre nova, assim é Roberto Menescal: “O pessoal me pergunta muito sobre como a gente começou, há 60 anos, e foi um início muito forte. Me perguntam se eu tenho muita saudade do passado. Digo que não. Eu tenho saudade do futuro. Ele é que vai me trazer coisas novas. Essa é uma dica de como eu penso. Quem quiser usar isso, é muito bom”.

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