Suzy Monteiro
05/10/2018 10:37 - Atualizado em 07/10/2018 20:15
“Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra!”. Com estas palavras, às 15h50 do dia 5 de outubro de 1988, o deputado Ulisses Guimarães declarava promulgada a nova Constituição Brasileira, que completa, nesta sexta-feira (5), 30 anos. A “Constituição Cidadã”, como passou a ser chamada, foi a cereja do bolo democrático que começou a ser elaborado no Brasil, três anos antes, após mais de duas décadas de ditadura militar. E, entre os 512 parlamentares da Assembleia Nacional que escreveu a Carta Magna, três eram campistas, entre eles o major Oswaldo Barreto Almeida, 84 anos, que destaca as conquistas, faz ressalvas e defende a Lei maior: “A Constituição de 88 cumpriu seu papel com o rompimento de algumas amarras”.
Liberdade e garantias dos direitos civis eram palavras de ordem no Brasil de 1988. A abertura política começara nove anos antes, com a anistia aos exilados e presos políticos. O passo seguinte foi a luta pelas Diretas Já, que levou milhares de pessoas às ruas, mas acabou não se concretizando. O primeiro presidente civil após duas décadas, Tancredo Neves, foi eleito por voto indireto. Um de seus compromissos de campanha era a elaboração de uma nova Constituição. Na véspera da posse, porém, Tancredo foi internado e morreu 37 dias depois, em 21 de abril de 1985.
Coube a seu vice, José Sarney, empossado e que se tornou presidente com a morte de Tancredo, convocar as eleições gerais que, em 1986, escolherem os parlamentares que integrariam a Assembleia Constituinte. Dentre todos os eleitos, apenas 26 eram mulheres. Quarenta e sete parlamentares eram do Estado do Rio de Janeiro. A posse foi no início do ano seguinte.
Ao lado dos também campistas Alair Ferreira (1920/1987) e José Maurício Linhares, major Almeida participou da elaboração da Constituição e atuou na subcomissão de Saúde, Seguridade e do Meio Ambiente, da Comissão da Ordem Social.
— O movimento era muito forte para a nova Constituição. E foi um documento de grandes conquistas. Acho que faltou tempo para amadurecer alguns pontos, como Saúde e Previdência, que deveriam ser mais discutidos. Porém, era o que o momento exigia — afirmou. Para o major, alguns fatores atualmente carecem de revisão, como a trabalhista e a previdenciária, mas tudo a seu tempo, diz: “A Constituição de 88 cumpriu sua função de quebrar matrizes. Ela refletiu aquele momento da história e foi uma grande conquista”.
Atualmente na reserva, major Almeida exerceu únicos quatro anos de mandato de deputado federal, entre 1987 e 1991. Antes disso, não tinha exercido nenhum cargo público e acha que a inexperiência acabou atrapalhando um pouco: “Algumas coisas poderiam ter sido discutidas de modo mais aprofundado, mas era um trabalho intenso e pouco tempo para ser concluído”. Ele explica por que não candidatou-se de novo: “Não tinha jeito para a política”.
Trinta anos depois da nova Constituição, Major Almeida vê a eleição de domingo como sui generis: “O grande desafio para a sociedade é se aperfeiçoar, mas deve manter os princípios bases que constam na Constituição. Acho que este é nosso maior desafio”, conclui o major: “Major civilizado”, faz questão de frisar.
Trinta anos atrás, o presidente da Assembleia, Ulisses Guimarães, finalizou seu discurso com o que, a partir daquele momento, deveria ser regra no Brasil, no tocante à Constituição: “Quanto a ela, discordar sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais”.
Professor destaca contexto histórico do país
O professor Aristides Soffiati diz que o contexto histórico em que foi elaborada a Constituição de 1988 era e não era, ao mesmo tempo, favorável: “Era porque a ditadura se esgotou. Os militares declararam que ficariam apenas seis meses no poder para colocar o Brasil em ordem e ficaram 21 anos, tempo suficiente para sofrer desgaste. Além do mais, para o pobre, não houve muitas conquistas. Para os intelectuais, a censura e a tortura foi intolerável. Os próprios militares estavam cansados do poder e sofriam pressão internacional. Os políticos apoiadores da ditadura começaram a abandonar o barco”, explica.
Ao mesmo tempo, lembra o historiador, o contexto não era favorável porque havia ainda uma linha dura nas forças armadas que não queria devolver o poder aos civis: “No entanto, uma grande aliança popular deu o golpe de morte na ditadura. Os militares disseram que devolviam o poder aos civis porque desejavam e era mentira”, destaca.
Mesmo sofrendo emendas, a Constituição Federal de 1988 é considerada uma conquista importante pelo historiador. O problema, segundo seu entendimento, não é o documento, mas os políticos que se sucederam no poder desde então: “Os governos sempre estiveram aquém dela e agora a mesma está ameaçada de ser substituída, quer por (Jair) Bolsonaro quer por (Fernando) Haddad. Entendo que o clima político é desfavorável a qualquer mudança. A sociedade está com muito ódio e polarizada para uma discussão serena”, pondera o professor.
Presunção de inocência é debatida no Uniflu
Os 30 anos da Constituição estão sendo lembrados por várias entidades. Em Campos, aconteceu, nessa quinta-feira (4), no Uniflu a palestra “Em defesa da presunção de inocência — 30 anos da Constituição”, sob a ótica “Porque não há culpa enquanto houver dúvida”.
Os palestrantes foram os defensores públicos Emanuel Queiroz — que atuou em Campos e hoje é coordenador de Defesa Criminal da Defensoria — e Tiago Abud.
Emanuel destacou diferenças da Constituição, anterior, que trazia as garantias dos direitos civis no artigo 153 e, na de 1988, onde estão no artigo 5o: “A afirmação das garantias civis pelo Estado Democrático de Direito logo no início mostra a Constituição da Cidadania”, explica.
O defensor também revelou preocupação com a situação atual: “Este país não admite que é racista e agora não admite nem mesmo que teve ditadura. E as pessoas têm dificuldade em entender a presunção de inocência. Em outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das ADCs 43 e 44 que relativiza o princípio da presunção de inocência e permitia a prisão já na segunda instância. Se vendeu à população a ideia de que isso atingiria os envolvidos na Lava Jato. Porém, está atingindo que sempre é: população negra, pobre e periférica”, diz.
Ele acrescentou que a decisão do STF resultou em números preocupantes: o número de soltura nas audiências de custódia caiu de 40% para 20%, reflexo indireto da decisão do STF de execução imediata da pena em segunda instância.
Nesta sexta, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) — 12a Subseção realiza, às 17h, a celebração pela liberdade de expressão e da democracia nos 30 anos da Constituição.