Daniela Abreu e Victor de Azevedo
20/10/2018 16:50 - Atualizado em 22/10/2018 14:35
As propostas radicais na área da segurança pública são algumas das marcas registradas do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL). Entre elas, está a imunidade para policiais militares que matarem em serviço. Se eleito no próximo dia 28 de outubro, o candidato vai lutar pela aprovação de um projeto que ele mesmo apresentou junto com o filho, Eduardo Bolsonaro na Câmara Federal. A proposta visa aplicar automaticamente o princípio da legítima defesa (chamado de excludente de ilicitude), sem a investigação da ocorrência. A proposta enfrenta resistências da Procuradoria-Geral de República (PGR) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Especialistas jurídicos da região ouvidos pela reportagem da Folha da Manhã também questionam a proposta do candidato.
Em seu plano de governo, Bolsonaro não se aprofundou na proposta. Um único trecho afirma que “policiais precisam ter certeza que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica. Garantida pelo Estado, através do excludente de ilicitude. Nós brasileiros precisamos garantir e reconhecer que a vida de um policial vale muito e seu trabalho será lembrado por todos nós”. A proposta foi defendida durante toda a campanha pelo candidato. Em recente visita ao Batalhão de Operações Especiais (Bope) no Rio de Janeiro, ele reafirmou o seu compromisso com o projeto.
Atualmente, o artigo 23 do Código Penal afirma que não há crime em três circunstâncias: quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa ou em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Porém, segundo o parágrafo único do artigo, o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo. Já a proposta do presidenciável Bolsonaro visa excluir este ordenamento, deixando de punir o excesso doloso em algumas das situações em que é permitido por lei, como matar uma pessoa, por exemplo. Pela proposta, só haverá investigação quando for flagrante que não houve legítima defesa.
A proposta de dar imunidade a policiais encontra resistência na PGR e também na OAB. A subprocuradora-geral da República e coordenadora da Câmara Criminal, Luiza Frischeisen, afirmou, em entrevista ao Globo, que o órgão é contra o projeto. “A gente é contra. A excludente de ilicitude já existe, mas depende de prova. Qualquer um pode dizer que é legítima defesa. Mas, para comprovar, é preciso ter inquérito, investigação. Ao contrário do que advogam, isso não é uma proteção aos PMs. Com a investigação, pode-se chegar à conclusão de que foi legítima defesa. O contrário disso gera desconfiança, e não apoio nas comunidades onde policiais atuam”, disse.
A OAB nacional também se manifestou contrária a proposta de Jair Bolsonaro. O presidente nacional da instituição, Claudio Lamachia, afirmou que o projeto é um “retrocesso”, uma “agressão” aos próprios policiais: “Sou contra isso. Me parece que é um retrocesso e uma agressão aos próprios policiais que agem de forma correta. A investigação é importante para os dois lados. Para o policial que age de forma incorreta e para aquele policial que cumpre seus deveres. Para que se diga: ‘Ele agiu de maneira correta, e aconteceu esse episódio não por força de uma ação policial equivocada, e sim porque tinha que acontecer dessa maneira’”.
Além dos entrevistados abaixo, a Folha também tentou ouvir os deputados federais eleitos da região Christino Áureo, Clarissa Garotinho e Felício Laterça, e também os delegados Geraldo Rangel e Luís Maurício Armond, todos sem êxito.
Casos em SJB e no Rio ganharam repercussão
Dois casos recentes envolvendo policiais militares acabaram em tragédia. O primeiro ocorreu no final de agosto em São João da Barra. O jovem Layron da Silva Costa, 24 anos, foi morto após ser baleado durante uma ação policial na praça do Repolhinho, em Atafona. Na investigação, houve contradição nos depoimentos dos policiais militares envolvidos na ação e do carona que estava na moto junto com o Layron. Segundo os policiais militares, um foragido do sistema prisional estava em atitude suspeita, acompanhado por outros três homens, em duas motos. O suspeito citado seria o suposto chefe do tráfico local. Ele teria sido visto na garupa da moto que era pilotada por Layron. Ainda segundo a versão dos militares, o suposto chefe do tráfico atirou contra a guarnição, que revidou os tiros e um deles atingiu Layron que caiu da motocicleta. Porém, em depoimento, o jovem que estaria na carona da vítima, relatou que ele e três amigos saíram em duas motos do Balneário de Atafona, onde realizaram um churrasco. A investigação sobre a ação dos policiais prossegue na 6ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar.
— Não quero ser leviano de tomar partido para nenhuma das partes, não quero acusar ninguém injustamente, não quero cometer nenhum tipo de covardia. É por isso que a investigação está demorando, vai por parte, se ao final ainda restarem dúvidas, eu vou precisar fazer uma reconstituição simulada para que fique caracterizado se houve excesso ou não. A questão da legítima defesa é exatamente essa. A legítima defesa como excludente já existe, ponto. O que é apurado na investigação e não há como impedir isso legalmente. Existem órgãos que retém atribuições constitucionais e legais e determinam a investigação. Não como sobrepor uma ordem constitucional que fala sobre investigação, tanto nas polícias, na parte da Segurança Pública, quanto no Ministério Público, na parte relativa a ele. Não se pode ferir essas normas constitucionais, seja nas garantias individuais das pessoas, no artigo 5º, seja nas normas que regem a Segurança Pública, seja nas normas referentes ao MP — ressaltou o delegado titular da 145ª Delegacia de Polícia de SJB, Carlos Augusto Guimarães.
Outro caso ocorreu em setembro, no Rio de Janeiro. Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, 26 anos, estava com um guarda-chuva preto, um celular, um “canguru” (suporte para carregar crianças) e as chaves de casa, próximo a um bar, quando foi atingido por três disparos. Policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da comunidade da Mangueira teriam atirado no homem por ter confundido seu guarda-chuva com um fuzil e o “canguru” com um colete à prova de balas. A Polícia Militar afirmou que “os agentes foram alertados por populares que havia criminosos na localidade. Chegando ao local, houve troca de tiros e um breve confronto”.
Humberto Nobre, presidente da OAB Campos
“Eu entendo que a Constituição estabelece que ninguém pode se isentar da lei. Qualquer proposição nesse sentido fere a Constituição. Todo servidor público tem que estar estrito a lei. Eu não enxergo uma sociedade, um policial, nem um homem da lei que tenha para si a imunidade de fazer o que bem quiser, aonde bem quiser, com quem bem quiser, sem ter a mínima possibilidade de ser investigado”.
Carlos Augusto Guimarães, delegado da 145ª DP, de SJB
“Já existe o excludente de ilicitude, chamado de legítima defesa, seja a própria, ou seja, de terceiros. Eventuais excessos são apurados. É obvio que operadores do Direito têm que interpretar de forma adequada a situação, não querer modificar a legislação que já existe. Licença para matar só em filme, só o 007 possui. Se isso for colocado em pauta, certamente não vai passar por inconstitucionalidade”.
Sana Gimenes, advogada e secretária de Desenvolvimento Humano e Social de Campos
“Os agentes públicos já têm a seu favor uma excludente de ilicitude do ‘estrito cumprimento de dever legal’, previsto no Código Penal. Não vejo sentido em ampliar estas possibilidades porque isso seria inconstitucional”.
Amyr Moussallem, advogado criminalista
“A minha opinião em relação a tirar direitos é ruim. Ele fazendo isso daria um salvo conduto ao policial matar de qualquer forma. Só que a lei já tem um dispositivo legal que fala sobre isso e ela é punível só o excesso. Então, se eu tiro esse dispositivo, você tira uma segurança jurídica e a tranquilidade social. Não que o policial vai sair matando a torto e a direito, mas nós já passamos por isso no passado, motivo pelo qual existe esse dispositivo hoje”.
Tenente-coronel Fabiano Santos, comandante do 8º BPM
“No momento, eu não tenho como me posicionar porque é um assunto polêmico e delicado. Ainda não tenho opinião formada sobre o tema”.
Wladimir Garotinho, deputado federal eleito pelo PRP
“Acho que policiais não devem ser punidos caso ocorram mortes durante operações contra criminosos, mas caso a proposta do Bolsonaro seja realmente para dar permissão a policiais para matarem, sem investigação, sou contra porque teremos uma situação bem complicada para administrar”.