Crítica de cinema - Os bastidores do grande passo
*Felipe Fernandes - Atualizado em 26/10/2018 17:55
(O Primeiro Homem) -
O fascínio do cinema (principalmente o estadunidense) com o espaço já proporcionou diferentes tipos de obras. Curiosamente, uma que ainda não havia sido contada foi a biografia do astronauta Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na lua. O diretor Damien Chazelle (Whiplash, La la land) em mais uma narrativa que traz a obsessão de um homem como tema da narrativa, traz as telas um longa intimista, que desglamouriza a corrida espacial na década de 60, tornando real os perigos e angústias enfrentados por todos aqueles que buscaram alcançar o desconhecido.
Após a prematura perda de sua filha, Neil Armstrong (Ryan Gosling) se fecha no trabalho e se candidata a um ambicioso projeto da Nasa, que até aquele momento da corrida espacial vinha sempre a uma passo atrás dos russos. O projeto tem como objetivo levar o homem à lua e se torna a obsessão de Armstrong.
Diferentemente dos habituais filmes sobre o espaço, “O primeiro homem” é uma obra intimista. É uma abordagem diferente e muito interessante que foge do aspecto de espetáculo e adentra não só o íntimo do protagonista, mas do próprio projeto espacial, uma vez que trabalha um grau de realismo impressionante, buscando desglamourizar a corrida espacial, mas sem nunca diminuir ou desmerecer o trabalho dos personagens.
O roteiro de Josh Singer (Spotlight), baseado no livro de James H. Ransen, parte da trágica perda da filha de Armstrong como catalisador da obsessão do protagonista com o trabalho. Armstrong é um homem introspectivo, aparentemente beirando a frieza, que não demonstra muitas emoções e o roteiro usa seu núcleo familiar para mostrar o homem além do trabalho e esse é o papel importante a Janet (Claire Foy) na narrativa, pois ela confronta essa frieza do marido e é ela quem exterioriza algumas questões que faz com que passemos a entender melhor o protagonista.
Em termos de desenvolvimento de personagem, o filme basicamente trabalha o casal, e mesmo assim a personagem Janet funciona mais para entendermos Neil em sua introspecção do que como personagem em sua individualidade. Mesmo que deixe claro a importância de outros membros da equipe no projeto e traga atores conhecidos para eles, o roteiro de Singer não desenvolve mais nenhum personagem, é um roteiro sobre Armstrong, sua obsessão e angústias e os bastidores da ida do homem a lua.
O jovem e talentoso diretor Damien Chazelle adota uma abordagem diferente e até mesmo ousada, mas que funciona. Com um design de produção e de som impressionantes (certamente serão lembrados na época de premiações) Chazelle cria um filme imersivo, ele leva o espectador para dentro das naves, recria a experiência de estar em uma delas e não por acaso, quando a porta da nave se abre na lua, a câmera avança antes dos personagens, fazendo do espectador o primeiro a ter um vislumbre daquele terreno cinza.
Utilizando muitos closes, muita câmera tremida, ele traz um tom documental que cria a sensação de caos e claustrofobia de quem estava naquela nave repleta de fios, botões e luzes, com o som incessante de metal rangendo, passando a ideia de que a qualquer momento tudo ali se partiria. Interessante notar que essa abordagem imersiva, casa muito bem com a introspectividade de Armstrong, levando o espectador para dentro daquele universo.
A escolha do excelente Ryan Gosling (Drive, La la land) para interpretar Armstrong se mostra acertada, uma vez que ele é muito eficiente em dar vida a personagens que internalizam suas emoções. Ele realiza um trabalho complexo e competente, em uma interpretação que transita em uma zona perigosa entre o minimalismo e a falta de expressão, se trata de um personagem sem carisma, não é fácil se interessar pelo Armstrong do longa, muito mais culpa do roteiro e sua abordagem do que do trabalho de Gosling.
Em muitos aspectos, “O primeiro homem” lembra “Dunkirk”, filme de Christopher Nolan lançado no ano anterior. Em sua frieza e crueza com que recria esses momentos históricos, criando uma imersão poucas vezes vista no cinema. A corrida espacial retratada sem glamour, com perigos reais. Essa talvez seja o maior sucesso da obra, conseguir causar tensão, mesmo que já saibamos o desfecho da missão Apollo 11.

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