A eleição 2018 para presidente tem sido tão fortemente marcada por circunstâncias e fatos atípicos que uma frase resume o estranho processo: é preciso acreditar em tudo, – no sentido de que nada pode ser descartado, posto que tudo pode acontecer.
De cara, os candidatos travam desabalada corrida para ver quem fica mais longe de Michel Temer. Com a impopularidade acima dos 80%, o presidente que assumiu o Planalto há dois anos e uma semana (31 de agosto de 2016) consegue superar Sarney na avaliação negativa e se revela o grande cabo eleitoral dos adversários.
Interessante notar que não apenas os partidos hostis ao governo, encabeçados pelo PT, mas até mesmo o PSDB de Geraldo Alckmin, que apoiou Temer, se pudessem tomavam vacina anti-Temer. Só falta o próprio Meirelles, candidato do MDB, também buscar distância. Se bem que, nos programas eleitorais, o nome do presidente é evitado.
Em outra frente desta série interminável de ineditismos, o brutal ataque sofrido por Jair Bolsonaro na quinta-feira (06) refaz tudo antes mesmo que alguma coisa estivesse pronta, tornando ainda mais imprevisível qualquer projeção do processo sucessório.
Além do que, quando um ato covarde, de puro ódio, se mostra tão claro, quase tirando a vida de um candidato que caminhava pelas ruas em plena campanha, sendo abraçado pelo povo, é hora de refletir que o atentado é uma violência à democracia com grave risco institucional.
Pagando até pelo que não fez
Deixando de lado o ataque a Bolsonaro, que pode alterar da água para o vinho uma eleição já antes marcada por peculiaridades –, é interessante notar como o PT de Lula da Silva se beneficiou quando saiu do governo (impeachment de Dilma) e, ao ir para a oposição, jogou todas as mazelas econômicas sobre os ombros de Temer.
Para não falar no discurso do ‘golpe’ – presente até os dias de hoje –, a recessão, fruto do estelionato de 2014 para reeleger a candidata petista (pedaladas fiscais, má condução da política econômica, desemprego, juros, fuga de investimentos e outros ‘desmanches’) acabou na conta de Michel Temer.
O então vice, que de fato herdou uma situação caótica, aparece como se a tivesse produzido. E tanto o ex-presidente Lula quanto o PT, exatamente por estarem na oposição, forjam uma memória como se a crise não fosse deles, e sim ‘dos golpistas’.
É dizer... se Dilma não tivesse sido afastada e permanecesse presidente, o PT é que estaria sendo responsabilizado pelo baque e a oposição simplesmente jogando pedra em vidraça. Em outras palavras, dificilmente Lula estaria desfrutando dos altos índices de popularidade que exibe, onde até o Petrolão foi esquecido por boa parte do eleitor, sensibilizado pelo discurso de martírio e vitimização muito bem usado pelo PT.
...E pelo que fez
Por outro lado, se Temer não criou a recessão que lançou o Brasil no buraco, há de ser cobrado, sim, pelas gravíssimas práticas de corrupção que lhe foram imputadas, particularmente pelo escandaloso áudio nos porões do Jaburu com Joesley Batista, que lhe valeram denúncias de corrupção passiva, obstrução à justiça e organização criminosa.
Registre-se, foi a primeira vez que um presidente no exercício do mandato foi denunciado por crime comum. E se o emedebista se livrou das denúncias na Câmara, a Justiça comum o aguarda em 2019.
Logo merece, com todos os deméritos, a rejeição de que é alvo.
Atentado ultrapassa todos os limites
A barbárie contra um candidato a presidente da República, que andava no centro de Juiz de Fora se confraternizando com o povo, é uma violência inaceitável contra a democracia e serve de alerta a todos os segmentos da sociedade, onde não se pode excluir nem mesmo certos setores da grande imprensa, muitas vezes intolerante, como advertido aqui, neste espaço, domingo passado: ‘... A grande imprensa, ao invés de lhe fazer [a Bolsonaro] perguntas objetivas, que demonstrariam seu desconhecimento, prende-se a picuinhas, como a querer desmascara-lo quase em pegadinhas... O comportamento, além de parcial – o que não é correto – não é nada inteligente...’ (Folha, 02/09/18 – Pág 12 - Guilherme Belido)
Com maior ou menor preparo (e seria o ex-metalúrgico Lula da Silva preparado quando assumiu a presidência?), o deputado de sete mandatos, capitão reformado, concorre em eleições livres ao cargo de presidente. Expõe suas ideias que agradam uma parte do eleitorado e desagradam outra – o que remete ao mais cristalino exercício democrático.
É passível de críticas por seus posicionamentos muitas vezes excessivos e de certa intolerância, particularmente na defesa do regime militar. Mas é preciso ‘combinar’ com os brasileiros que lhe conferem a 1ª colocação nas pesquisas eleitorais.
Tudo aberto
De hoje a menos de 30 dias não dá para cravar prognósticos. Já não dava antes, tampouco agora. Todos os candidatos, acertadamente, manifestaram repúdio à violência sofrida pelo opositor e se solidarizaram com ele e seus familiares.
Os presidenciáveis também mudaram o tom da campanha e o discurso de pacificação tomou o lugar das críticas. Alckmin retirou as propagandas que atacavam Bolsonaro.
Com o tempo tão curto, arriscar palpites é pura especulação. Antes do ataque, era razoável imaginar (porém improvável) que Fernando Haddad – que assume a cabeça de chapa na terça-feira (11) – poderia ir para o 2º turno alcançando entre 18% a 20%, dependendo da capacidade de Lula de transferir votos e da identificação de Haddad com o líder petista. Isso, sem falar que nos bastidores o partido anda bem dividido.
Outras possibilidades
Com o tempo farto de televisão, a candidatura Alckmin também poderia empolgar e chegar em segundo, lembrando que com ele vai todo o Centrão.
Ciro, com o Nordeste; e Marina, com um discurso mais conciliador, da mesma forma poderiam surpreender e encostar em Bolsonaro, particularmente pela não polarização presente nas campanhas anteriores.
E não devemos esquecer do segundo pelotão que, numa eleição nada convencional, não se sabe onde poderia chegar daqui a um mês. Mas, em todas as hipóteses, Bolsonaro estaria no 2º turno.
Agora, após o lamentável ataque, a tendência é que o candidato do PSL suba mais, não podendo descartar nem mesmo que leve a eleição no 1º turno. Mas isso vai depender de sua recuperação e com que eficiência seus assessores vão conduzir a campanha nas próximas semanas.
Bolsonaro passa bem, mas não se sabe como vai estar de saúde para, ao menos nos últimos dias de campanha, aparecer em público. Mas, se já puder aparecer na televisão, vai somar preciosos pontos.
Por fim, cabe a observação de que o candidato de perfil agressivo, que não pregava a violência, mas sim a violência para combater a violência, acabou sendo vítima dessa mesma violência que tantas vezes foi acusado.