Victor de Azevedo
15/09/2018 19:24 - Atualizado em 17/09/2018 13:53
Assaltos, arrastões, troca de tiros e morte. Este é o cenário de terror apresentado aos milhares de usuários que trafegam pela BR 101. Mesmo com melhorias estruturais que fizeram com que a estrada perdesse a fama de “rodovia da morte”, hoje a BR 101 passa a ser considerada como “terra de ninguém”. Muitos campistas já foram vítimas das ações de bandidos que agem livremente pela rodovia. A situação caótica chegou à Câmara Federal, através do deputado federal Paulo Feijó (PR), que cobrou ação dos órgãos de segurança pública. Porém, assim como a solicitação do deputado, as indagações da reportagem da Folha da Manhã sobre a situação não foram respondidas pela intervenção na Segurança Pública do Rio de Janeiro. Já a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Autopista Fluminense, concessionária que administra o trecho entre a divisa com Espírito Santo e a ponte Rio-Niterói, informaram que o aumento no efetivo de policiais e estudo para a instalação de novas câmeras estão sendo realizados.
A onda de assaltos na BR 101 é relatada desde o final de julho no blog Ponto de Vista, de Christiano Abreu Barbosa, hospedado no Folha1. São vários os trechos de insegurança ao longo da rodovia. Entre eles, o de Macaé, onde ocorreu um dos casos relatados no blog. Porém, o cenário mais violento fica entre Niterói e o distrito de Manilha, em Itaboraí. Essa parte corta São Gonçalo, município mais populoso do estado do Rio de Janeiro depois da capital, com mais de 1 milhão de habitantes. O trecho com mais registros de assaltos e arrastões é o que passa ao lado do Complexo do Salgueiro, situado entre os kms 307 e 309, que foi batizado como “terra de ninguém”, a “Faixa de Gaza” de São Gonçalo.
— É lamentável que você não tenha segurança para ir e vir na rodovia. Você tem uma rodovia importantíssima, todo mundo de Campos que se liga ao resto do Brasil e ao mundo passa por ela e você não sabe se vai chegar, você não tem tranquilidade, principalmente nesse trecho da Rio-Manilha, da “terra de ninguém”. Todo mundo acelera o carro ao máximo, arriscando se acidentar ou levar uma multa de trânsito para não correr risco, não cair numa situação ruim. É lamentável que o Estado brasileiro não consiga dar o mínimo de segurança para quem paga imposto, para os contribuintes, para quem passa ali. É uma rodovia privatizada, a Autopista tem que cobrar isso, embora, a segurança pública seja uma questão de Estado. Nós estamos pagando para andar em uma pista privatizada, então cabe a ela a ficar em cima do Estado — ressaltou Christiano Abreu.
Segundo a PRF, desde julho do ano passado, o órgão recebeu reforço de 350 policiais rodoviários federais no Rio de Janeiro. A maior parte desse efetivo foi lotada no trecho da Niterói-Manilha (BR 101), onde foram intensificadas as rondas, nos trechos, dias e horários com maior incidência de crimes. Mas, o grande problema, segundo a PRF, são os municípios por onde a rodovia passa. Em nota, o órgão diz que a “violência na rodovia é um reflexo dos municípios por onde ela passa. As estatísticas são bastante distintas. A rodovia Niterói-Manilha (BR 101), no trecho entre São Gonçalo e Itaboraí, possui dezenas de entradas/saídas que fazem ligação direta com comunidades onde quadrilhas de criminosos atuam no roubo de cargas e veículos”.
Recentemente, o infectologista Nélio Artiles descreveu em um artigo publicado na Folha da Manhã, a cena em que ele e a família presenciaram a ação de assaltantes na Niterói-Manilha. Segundo Nélio, um carro à frente do dele foi abordado e os passageiros, sob armas em punho, foram retirados à força. “Entre gritos e tiros, medo e insegurança, carros dando ré e outros desviando, lá estava eu, buscando a melhor forma de salvar a vida dos meus, saindo rapidamente daquela cena de horror”, diz Nélio, em um trecho do artigo.
Segundo a Autopista Fluminense, o trecho da “terra de ninguém” é coberto por quatro câmeras: “São quatro câmeras que cobrem o alcance dessa região. Instaladas em postes de 14 metros de altura, as câmeras têm capacidade de visualização dia e noite, possuem alcance de até dois quilômetros, giro de 360°, resolução HD (720p) e Detecção Automática de Incidentes (DAI) – que identifica veículos parados na via ou trafegando na contramão, pedestres em faixa de rolamento, trânsito lento, entre outros”.
Em relação à violência nos municípios de São Gonçalo e Itaboraí, o Gabinete da Intervenção Federal (GIF) não respondeu aos inúmeros contatos da reportagem no decorrer da semana. A secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar (PM) afirmaram que a responsabilidade pela segurança é da PRF, ignorando o fato de que nos municípios citados, a PM é o órgão responsável pelo policiamento ostensivo.
Deputado federal cobra solução
Vários campistas já foram vítimas ou flagraram cenas de violência em diversos trechos da BR 101. Eliseu Rodrigues, de 42 anos, é motorista de caminhão há quase duas décadas. Para ele, a rodovia é uma das mais perigosas que trafega.
— No início do ano passei por um sufoco perto de São Gonçalo. Assaltantes chegaram a subir na carroceria do meu caminhão, mas eles não se interessaram pela carga e mandaram eu seguir o meu caminho. Já presenciei vários assaltos, arrastões, seja em qualquer horário. E são bandidos fortemente armados, que não tem medo de nada e levam tudo das pessoas. Esse trecho de São Gonçalo é o mais perigoso, principalmente à noite — ressaltou ele.
Diante do cenário de violência, o deputado federal Paulo Feijó encaminhou, no início da última semana, ofício para as polícias Federal e Rodoviária Federal e ao Gabinete da Intervenção da Segurança Públicas medidas para que a situação na “terra de ninguém” seja revertida. Feijó ressaltou ainda que foi procurado por moradores de Campos, que fizeram relatos dos altos índices de violência que ocorre no trecho citado.
Nos ofícios encaminhados ao diretor geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, ao superintendente da Polícia Rodoviária Federal, inspetor Rafael Pinto Amorim, e ao interventor na segurança do Rio de Janeiro, general Walter Braga Netto, o deputado federal Paulo Feijó ressalta a relevância da BR-101, que corta doze estados do país. Ele ressalta ainda as péssimas condições de segurança aos motoristas, expondo graves riscos aos usuários, em especial na Niterói-Manilha, no trecho conhecido como “terra de ninguém” e “Faixa de Gaza”, situado ao lado do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo”. “Ainda não recebi resposta de nenhum órgão, mas vou seguir cobrando para que as autoridades resolvam este grave problema de segurança na rodovia”, disse o deputado.
A reportagem entrou em contato com o Ministério Público Federal para saber se o órgão estava ciente dos problemas na rodovia, mas até o encerramento da edição não obteve retorno.
ANTT estuda uso de mais câmeras
Para muitos motoristas que trafegam pela BR 101, a insegurança na rodovia deveria ser mínima ou inexistente, diante dos valores dos pedágios cobrados pela concessionária que administra a rodovia.
— Antes o problema era a má conservação da rodovia. Depois de muito tempo e de muitas mortes também fizeram a duplicação. Mas, pelo visto, esqueceram da segurança. Tem que ter muita coragem para passar por essa rodovia, que não oferece o mínimo de segurança para os usuários — relatou Dejair Azevedo, que é motorista de ônibus e trafega pela rodovia há mais de 25 anos.
Segundo a Autopista Fluminense, a concessionária “não tem poder de polícia para fiscalizar e realizar ações de segurança pública no trecho de 322 quilômetros da BR 101 sob sua administração, entre a divisa RJ/ES e Niterói”. A nota ressalta ainda que “todos os aparatos de monitoramento da Arteris Fluminense são utilizados pelas polícias (Militar, Civil e Rodoviária) para investigações quando solicitado, inclusive pelas Tropas Federais do Comando Militar do Leste (CMD) durante operações especiais no período de Intervenção Militar na Segurança Pública no estado do Rio de Janeiro”.
Atualmente, mais de 110 câmeras, via circuito fechado de TV, fazem parte do sistema de monitoramento de tráfego e operação da rodovia. A instalação de novas câmeras passa por um estudo na Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT), que regula o contrato de concessão. Em operação desde fevereiro de 2012, as localizações das câmeras foram definidas após a análise dos números de ocorrências, do traçado, do relevo e dos principais acessos e entroncamentos ao longo da rodovia.
Porém, segundo a PRF, as imagens disponibilizadas através das câmeras da concessionária são utilizadas para apenas fins de controle de trânsito, já que não possuem resolução suficiente para identificação de criminosos.
A Autopista reiterou que “é importante mencionar que as câmeras de monitoramento da BR 101 foram concebidas para o monitoramento de tráfego e operação da rodovia, o que possibilita mais precisão e agilidade no acionamento de recursos para atendimento aos usuários”.