Dano arterial começa durante adolescência
- Atualizado em 04/09/2018 17:56
Silenciosas, as doenças cardiovasculares começam a se desenvolver muito tempo antes de se manifestarem. Um estudo publicado no European Heart Journal demonstra que os danos arteriais, um preditor de problemas como hipertensão, acidente vascular e infarto, têm início ainda na adolescência, no caso de jovens que bebem e fumam. A boa notícia é que, caso eles abandonem esses hábitos cedo, os vasos sanguíneos voltam ao normal, reduzindo os riscos de enfermidades futuras.
Os pesquisadores da Universidade College London (UCL) avaliaram dados de 1.266 adolescentes, que fazem parte do Crianças dos Anos 90, um estudo longitudinal conduzido pela Universidade de Bristol, na Inglaterra, que acompanha a saúde de 14,5 mil jovens desde a gestação. Esse trabalho tem servido de base para diversas pesquisas, pois é considerado a investigação mais detalhada da área em todo o mundo, ajudando a descobrir padrões sobre doenças, além da influência de fatores externos sobre o bem-estar.
No caso do artigo divulgado agora, os cientistas utilizaram informações de 8,7% desse universo, referentes a um período entre 2004 e 2008. A análise demonstrou que, mesmo em baixas quantidades, quando comparado ao consumo entre adultos, o uso de cigarro e álcool por adolescentes leva à rigidez das artérias, com progressão para aterosclerose no futuro.
“Tradicionalmente, os médicos esperam que as pessoas fiquem doentes e as tratam muito tarde no desenvolvimento da doença. Nós devemos começar a pensar sobre isso bem antes nas nossas vidas”, diz o principal autor do estudo, John Deanfield, pesquisador do Instituto de Ciência Cardiovascular da UCL, justificando o interesse de investigar os danos nas artérias de adolescentes. “É como o planejamento financeiro: você não começa a guardar dinheiro para a aposentadoria aos 64 anos. Temos de convencer as pessoas de que a saúde do coração realmente importa e que se elas tomarem medidas precocemente e sustentá-las, terão um grande benefício a longo prazo, na redução do risco de doença do coração.”
Cálculo — Os jovens da base de dados do Crianças dos Anos 90 forneceram detalhes sobre fumo e uso de álcool aos 13, 15 e 17 anos. Eles calcularam a média de cigarros que fumaram na vida e foram agrupados pela intensidade do tabagismo: baixo (até 20 unidades), moderado (22 a 99) e alto (mais de 100). A exposição à fumaça dos pais tabagistas também foi checada no questionário.
Com um equipamento não invasivo, que mede a velocidade em que o batimento arterial se propaga por meio do sistema circulatório, os cientistas verificaram, então, o estado dos vasos sanguíneos desses jovens. Aqueles que haviam consumido acima de 100 cigarros apresentaram 3,7% mais rigidez arterial que os do primeiro grupo. Essa condição se caracteriza por um endurecimento dos vasos que se conectam diretamente ao coração e, quando agravada, associa-se à hipertensão e ao infarto, entre outros.
Os participantes também informaram a idade em que começaram a beber, além da frequência e da intensidade do consumo de álcool por mês. Bebedores pesados, medianos e leves foram definidos, respectivamente, por mais de 10 drinques, entre três e nove, e menos de dois em um dia. Para padronizar, os pesquisadores consideraram que cada bebida equivale a 8g de álcool. Os adolescentes mostraram preferência por cerveja, no lugar de destilados e vinhos, e aqueles que tendiam a beber em binge — consumir mais de 10 doses por ocasião, com objetivo de ficar alcoolizado — apresentaram aumento de rigidez arterial 4,7% maior, comparado aos da categoria leve. Os principais danos foram identificados naqueles que bebiam e fumavam muito: apresentaram rigidez 10,8% maior, em relação aos que jamais fumaram e ingeriam pouco álcool.
Estratégias — Para Marietta Charakida, pesquisadora do King’s College London, os dados reforçam a necessidade de governantes e formuladores de políticas públicas implementarem medidas educacionais efetivas voltadas a esse público-alvo. “Danos nos vasos sanguíneos ocorrem muito precocemente como resultado de tabagismo e hábito de beber, e os dois juntos são ainda mais maléficos. Embora estudos tenham mostrado que os adolescentes estão fumando menos nos últimos anos, nossos resultados indicaram que aproximadamente um em cinco fumavam aos 17 anos. Nas famílias onde os pais são tabagistas, os jovens tendem a fumar também”, destaca.
A pesquisadora observa que os jovens também deveriam ser informados sobre os benefícios de parar de fumar e de beber excessivamente. De acordo com Charakida, que realizou os testes para medir o estado das artérias nos participantes, os adolescentes que reportaram ter cessado com esses hábitos apresentaram vasos sanguíneos normais, compatíveis aos de pessoas da mesma idade que não faziam uso de cigarro e consumiam pouco ou nenhum álcool.
John Deanfield, pesquisador do Instituto de Ciência Cardiovascular da Universidade College London, ex-campeão olímpico na modalidade esgrima, conta que o interesse em buscar sinais de degeneração no sistema cardiovascular de adolescentes surgiu da experiência clínica. “Eu amo crianças e sempre tratei pequenos pacientes com falência cardíaca. Então, passei a pensar se poderíamos prevenir problemas futuros caso identificássemos alterações nos corações de adolescentes”, diz.
Além do estudo sobre a rigidez arterial, Deanfield participou, recentemente, de um trabalho publicado na revista Circulation, da Associação Americana do Coração, que, pela primeira vez, investigou se ter um índice de massa corporal (IMC) alta — superior a 25kg/m² — impacta no sistema cardiovascular de jovens adultos.
A constatação foi de que estar acima do peso nessa fase da vida pode elevar a pressão e afinar o músculo cardíaco, acendendo a pólvora da doença cardíaca. (A.N.)

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