Médicos e profissionais ligados à área de saúde de diferentes segmentos defenderam ou criticaram, durante 20 minutos cada, o pedido para que a interrupção da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. A legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco de vida ou fetos anencefálicos. Desde março do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa uma ação que amplia este direito.
Antes de decidir sobre o tema polêmico, a relatora da ação no STF, ministra Rosa Weber, marcou audiência pública para ouvir especialistas de saúde, direitos humanos, pesquisadores e cientistas e religiosos sobre o assunto.
Na primeira parte da audiência, 14 convidados falaram favoravelmente à descriminalização do procedimento, destacando direitos da mulher como prevenção, dignidade, cidadania e alertaram para casos de violência doméstica, gravidez indesejada na adolescência e outros relatos que levam milhares de mulheres a buscar métodos clandestinos de aborto. A principal preocupação desses especialistas são as complicações e mortes ocasionadas, de certa forma, pelas dificuldades devidas à criminalização do ato. Eles argumentam que, deixando de ser crime, o procedimento passará a ser mais seguro e poderá integrar uma política mais completa de saúde que inclua o aconselhamento anticonceptivo que poderia evitar novos casos e atendimento preventivo à prática.
A pesquisadora Debora Diniz, do Instituto Bioética, lembrou que, apesar do aborto ser um evento comum entre as mulheres, a distribuição dos riscos é desigual. Isto porque, segundo a pesquisadora, o acesso a métodos mais seguros, ainda que clandestinos, é mais acessível a mulheres brancas, de maior poder aquisitivo e com mais acesso à educação. Ela citou um estudo de 2010, publicado em 2016, segundo o qual, no Brasil, a cada ano, meio milhão de mulheres interrompem a gravidez.
O médico ginecologista Rafael Câmara, coordenador da Residência Médica e Ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi o primeiro a divergir dos favoráveis à descriminalização, afirmando que “a liberação do aborto, sim, é problema de saúde pública”. Ao lançar a frase que arrancou os primeiros manifestos da plateia que acompanhava a audiência, Câmara afirmou que não é “fanático religioso”, como são frequentemente considerados os que são contra o aborto.
O médico questionou as pesquisas sobre mortes e complicações por aborto ilegal. “Não dá para estimar a porcentagem de abortos ilegais. Não há epidemia de internações por aborto. Essas estimativas são chutes. Isso é chute. Não está embasado”, afirmou Câmara.
Segundo o médico, não há perfil de mulheres mais afetadas pelas complicações do aborto ilegal que pode ser considerado verdadeiro. “A saúde pública é ruim para todo mundo. Sou médico da saúde pública.” (A.N.) (D.A.)