Crítica de cinema - Os monstros também amam
*Edgar Vianna de Andrade 23/07/2018 18:36 - Atualizado em 25/07/2018 15:28
Mateusinho
Mateusinho / Divulgação
(Hotel Transilvânia 3: férias monstruosas) -
Sempre que assisto a filmes infantis, fico atento às reações das crianças. Na verdade, procedo assim com qualquer filme porque é comum adultos terem atitudes infantis. Observei o comportamento das crianças diante de “Hotel Transilvânia 3: férias monstruosas”, com direção de Genndy Tartakovsky e roteiro do próprio juntamente com Michael McCullers. Ouvi poucas gargalhadas. Elas ocorreram, principalmente, nas cenas escatológicas de flatulência de Vlad e sua filha.
A proposta da sequência é inverter os papeis tradicionais: os vilões se transformam em heróis e os mocinhos tornam-se bandidos. Os monstros tradicionais foram concebidos a partir de lendas no contexto do romantismo gótico e do realismo fantástico do século XIX. É o caso da criatura do Dr. Frankenstein, concebida em 1817 pela jovem Mary Shelley, e do conde Drácula, de Bram Stoker, de 1897. Mas a série do Hotel Transilvânia traz também o lobisomem, a múmia, bruxas, caveiras, fantasmas, ectoplasmas, animais deformados e outros tantos saídos dos filmes da Universal.
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Sob a batuta de Vlad, o Drácula, eles se reúnem em férias no Triângulo das Bermudas para diversão no continente perdido da Atlântida, terra habitada por terríveis monstros. Vlad e sua turma de imortais vivem no presente. Van Helsing passa a ser mau. Ele persegue o vampiro desde sua origem. Mas, aqui, ele já deve ter morrido por ser humano. Engano. Ele manteve sua mente viva numa cabeça que se apoia num corpo mecânico. Van Helsing continua a viver como um cyborg já bastante velho e incumbe sua bisneta a atrair Vlad para uma armadilha final.
Crianças não conhecem a história de cada monstro. O que lhe interessa são as ações supostamente engraçadas, os ditos chistosos, as músicas e as danças. A animação atual se alimenta bastante do contexto sociocultural presente. Foi-se o tempo das histórias de fadas e de monstros maus. Os filmes recentes de princesas têm buscado retratar figuras fortes de mulheres. Nada das mocinhas frágeis de Branca de Neve, Cinderela, Bela Adormecida. Assim também com os assustadores monstros do cinema. Em 1929, Walt Disney tentou divertir a criançada com “A danças dos esqueletos”, breve animação inserida na série “Sinfonias singelas”. Talvez ela assustasse as crianças da época, com um cemitério à noite em que as caveiras saíam para dançar naquele primitivo movimento binário das animações.
Mas a Disney não hesitou em produzir a única animação verdadeiramente de terror, que foi “Uma noite no Monte Calvo”, para ilustrar música de mesmo nome composta pelo russo Modest Mussorgsky, em 1867. Ainda hoje, as crianças ficam assustadas com os espectros e os esqueletos que saem de suas sepulturas à noite com o chamado do demônio. Bode, porco e cachorro transformam-se em espíritos maus; mulheres diabólicas com os seios à mostra vagam pelo espaço. Confesso que até eu, depois de adulto, continuei me assustando com essa animação inserida na grande “Fantasia”, a meu juízo e de muitos críticos, o que de melhor Disney produziu.
Enfim, a mensagem de “Hotel Transilvânia” é politicamente correta. Vlad tem família e a ama. Viúvo, ele se apaixona pela bisneta de seu arqui-inimigo. Ama sua filha e seu neto. Com os demais monstros, ele forma uma confraria de amigos. No fim, ele perdoa Van Helsing, pois todos nós somos iguais, sejam humanos ou monstros.

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