Até o século 19, na segunda metade dos anos 1800, a comunicação à distância se dava por meio de cartas. Geralmente longas, era a forma das pessoas se corresponderem, espécie de diálogo espaçado, pausado no conta-gotas, visto que também o(a) destinatário(a) respondia e acrescentava considerações outras.
A maior incidência ocorria entre namorados – páginas e páginas –, ansiosamente esperada por ambos. Mas, também, pelo marido que trabalhava em outra cidade, pelo filho que estudava fora, familiares e pessoas próximas em geral.
Numa época em que os limitados meios de transportes transformavam em grandes qualquer que fosse a distância, as cartas circulavam freneticamente mesmo entre moradores de uma mesma cidade. Para os jovens adolescentes, então, que não recebiam dos pais permissão para ir e vir quando bem quisessem, era uma mão na roda.
Dependendo da lonjura (alguém deste século ainda usa esta palavra...?) levavam três ou quatro dias para chegar... ou semanas. E até que voltassem... que desencontro!
Com o passar do tempo, muitas vezes os anseios, desejos e a realidade da vida mudavam radicalmente de cenário no espaço de tempo decorrido entre o escrito e o lido. Na época do bico de pena, por exemplo, podia acontecer de quando a carta da ‘donzela’ chegasse, o antigo pretendente já estivesse casado, com dois filhos e amante. Paciência!
Mas, enfim, chegamos à grande invenção do já citado século 19: o telefone –, aparelho mágico que venceria a barreira do espaço permitindo que duas ou mais pessoas falassem à distância em tempo real. Que felicidade!
(Registre-se, não se traz aqui o telégrafo, dispositivo de linguagem abreviada destinado a pequenos avisos... o que não é o caso).
Revolucionário, o telefone removeu barreiras
Levando em conta que a forma mais extraordinária, ágil e eficiente de comunicação é a verbal – a fala –, mas que antes, necessariamente, exigia que as pessoas ocupassem o mesmo local para que pudessem conversar entre si, não resta dúvida que o telefone foi espetacularmente revolucionário ao permitir a mesma interação, só que à distância. E qualquer que fosse a distância.
Nada de pena ou caneta, papel, correio e tempo decorrido. A conversa, falada e ouvida, em que o subconsciente se incumbia de preencher o visual – único elemento omisso, mas perfeitamente ‘imaginável’.
E dos velhos aparelhos ruidosos e equipados com uma espécie de manivela, que mais pareciam megafones sobre a mesa, aos de fios pregados na parede com esfera giratória que discavam o número, depois teclas, depois sem fio... até à telefonia móvel do final do século XX, foi uma questão de avanço tecnológico. Tudo para tornar mais confortável o que ao longo de mais de cem anos só fez aproximar e unir as pessoas.
Da MSG ao Whats, ‘muros’ e formalismo
De aprimoramento em aprimoramento, chegou-se ao topo da modernidade em comunicação interpessoal, mas que, à luz das relações humanas, representa, sob certos aspectos, a evolução que involuiu.
Tecnologicamente, o WhatsApp é formidável. Para muito além da quase extinta MSG, permite o envio de imagens – todo tipo de imagem –, extraordinária ferramenta que tanto serve ao trabalho quanto ao lazer. Fotografou, enviou e pronto.
Por outro lado (como em tudo, sempre há o outro lado da moeda), criado para aproximar, afastou. Inventado para favorecer, ergueu muros, obedecendo as novas regras do politicamente correto.
Evidente, tudo é subjetivo e cada caso é um caso. Mais evidente ainda, o uso, digamos assim, saudável do aplicativo não é algo que inexista. Mas, forçoso reconhecer, em grande parte sufocou a conversa ao telefone. E como a fala é a expressão maior da comunicação – perceptível e a única que se capta a entonação – há de se enxergar certo retrocesso na evolução.
Como ligar para outra pessoa transformou-se quase em falta de educação, de bons modos, utiliza-se o WhatsApp. Mas, se a internet pifou e ou se o destinatário está ‘fora de área’... aí o Whats assume forma de carta.
Mais ainda, tal qual na antiga correspondência, em que se podia alegar que o Correio não entregou, que não chegou ou, quando conveniente, demorar para responder, o Whats “oferece” o mesmo subterfúgio: cada qual diz ter visto quando e se bem entende.
Logo, igualmente à carta do velho mundo, o moderno Whats também pode ‘demorar’, ou nem chegar. Neste particular, contribui para o isolacionismo, individualismo e uma certa frieza cada vez mais presente entre as pessoas.
Mas, como recomenda o politicamente correto, não ligue. Se, em caso de urgência, precisar ligar, avise antes por Whats. E nunca deixe tocar mais que três vezes.
Ou, faça o seguinte: pegue papel e caneta... e escreva uma carta.