Dias antes do início da Copa da Rússia, pesquisa Datafolha apurava que 53% dos brasileiros não mostravam nenhum interesse com a participação da Seleção Brasileira no Mundial.
De fato, o que apontava o levantamento combinava com a paisagem das ruas, que pouco lembrava que a Copa do Mundo entrava em contagem regressiva.
Lembrei-me, então, dos 7 a 1 de 2014 e de tudo que a crônica esportiva (não só ela, mas ela em particular) desenhou nesses quatro anos, ligando o vexame contra a Alemanha aos 3 a 0 levados, dias depois, da Holanda, num placar agregado que somava 10 a 1, – absolutamente incompatível com o futebol penta campeão do mundo.
Na sequência, o retorno de Dunga ‘reforçou’ o quadro desastroso, municiando ainda mais o jornalismo especializado, em sua maioria incansável em advertir que o brasileiro, diferente de décadas passadas, não estava nem aí para a Copa – que o interesse pelos clubes e pelo Campeonato Brasileiro era muito maior – sugerindo, inclusive, que muitos lamentavam o aperto no calendário e a paralisação do Brasileirão.
Relacionaram, ainda, (e com toda razão) a péssima gestão da CBF – horrorosa sobre todos os aspectos – a corrupção generalizada na entidade responsável pelos rumos do futebol e os escândalos que marcaram as “administrações” Ricardo Teixeira, José Maria Marin e Marco Polo Del Nero.
Enfim, foram muitas coisas ruins. Todas contra e que juntas conspiravam em desfavor da Seleção Brasileira.
Pouco afeito à realidade do futebol – salvo, confesso, quando se trata do Flamengo – fui na onda de que tamanha desventura havia desencantado o povo com sua velha ‘paixão nacional’ e que agora, ressentido, reagia com indiferença à camisa que tanto amou.
O Brasil estreou na Copa 2018 com um morno empate em 1 a 1. No segundo jogo, os gols somente nos acréscimos e os desatinos de Neymar (para não falar na ‘arrancada’ tresloucada de Tite) deixaram desconfiança. Mas, seja como for, o Brasil venceu por 2 a 0.
Reencontro – Na quarta-feira (27), entretanto, tudo mudou. O que parecia estar contido – a comemoração abafada na vitória contra a Costa Rica – desabrochou duas horas antes do confronto com a Sérvia, na humilhante desclassificação da Alemanha, última colocada em sua chave.
No maior vexame do time alemão em 80 anos ficava, indisfarçável, a vingança do Brasil. A campeã do mundo voltava para casa e a Seleção Brasileira partia, revitalizada, para seu terceiro desafio. Por volta das 13/14 horas as ruas estavam lotadas... todo mundo indo para casa, para os bares e restaurantes. Os carros com bandeirinhas e a camisa verde-amarela vestida com confiança.
O Brasil venceu por 2 a 0 e desta vez convenceu. Não foi uma exibição primorosa – longe disso – mas o suficiente para passar à fase seguinte.
Como alguém, por anos amargurado, se pensara traído e de repente se reencontra com o grande amor, o brasileiro se encheu de orgulho, vibrou, festejou e voltou a apostar na Seleção.
A pátria segue de chuteiras. Só descansou por um tempo.
No restante, continua devendo
Indo direto ao cerne da questão e colocando a conclusão à frente das ponderações, afigura-me que a célebre frase do saudoso jornalista Nelson Rodrigues – um apaixonado pelo futebol – que chegou a ser questionada no sentido de que o Brasil não poderia ser reduzido à pátria de chuteiras – observa-se que, não obstante a advertência de que o País é muito mais do que as quatro linhas, não deixa de ser um alento, uma alegria e uma enorme felicidade para um povo sofrido ter, ao menos nas chuteiras, algo do que se orgulhar. Ou não foi o futebol que consagrou o Brasil ao mundo?
É bem verdade, precisamos rever e eliminar a pátria descalça, com frio e com fome. Há de se dar à pátria, Saúde, Educação, Segurança, Moradia, Transporte, Saneamento Básico, emprego, qualidade de vida e dignidade.
Aí, então, não teremos a pátria apenas de chuteiras. Teremos um Brasil de chuteiras, que disponibiliza ao povo todos os serviços essenciais e distribui com cada brasileiro as riquezas deste gigante continental.
Batendo cabeça e dando canelada
No livro ‘Depoimento’, uma das mais importantes obras sobre a história política do Brasil do século XX, do jornalista Carlos Lacerda – fruto de uma série de longas gravações feitas com o ex-governador da Guanabara em 1977, um mês antes de sua morte – o fundador da UDN dissera que uma das graves consequências da ditadura militar e que teria influência direta sobre as futuras gerações seria a despolitização do povo.
Lembrava o também fundador da Tribuna da Imprensa que os anos 60 e 70 foram de grandes transformações no mundo, em especial no conceito de fazer política diretamente ligado à evolução no modo de governar.
Fora de dúvida, a advertência feita há 40 anos se confirmou. Aliás, já havia se confirmado. Entretanto, quem a leu na época teria pensado que fosse tão longe? O Brasil livrou-se da ditadura em 1985. Elegeu presidentes e experimenta o mais longo período democrático de sua existência. Seria razoável supor que o déficit de conhecimento reinaria até 2018 sem data de validade?
Em sentido contrário, então estaremos a acreditar que o brasileiro médio entende perfeitamente o porquê de Lula da Silva estar preso e Aécio Neves solto. (Aliás, alguém entende?). Ou como é possível que Renan Calheiros, denunciado em 12 inquéritos, siga como senador?
E que o presidente Michel Temer, gravado ‘naquele tipo’ de diálogo de porão, continue presidente. Ou, ainda, que ministros investigados por graves crimes continuem em seus ministérios?
E que tanto a Lava Jato prende e o Supremo solta; e o sujeito volta a ser preso para de novo ser solto... e o ‘prende-solta’ não acaba nunca; bem como políticos investigados e denunciados consigam concorrer em eleições seguintes. E por aí segue... de A a Z tem para todos dos gostos.
Enfim, resta torcer para que as sinalizações de novos rumos se confirmem e que a pátria vista-se também de conhecimento, sem, contudo, tirar as chuteiras de campeão.