Aluysio Abreu Barbosa e Paula Vigneron
19/05/2018 20:50 - Atualizado em 23/05/2018 17:04
Se a direita impressionou pela presença de público no auditório da Faculdade de Direito de Campos em evento do dia 8, a esquerda não deixou por menos, lotando o mesmo espaço 10 dias depois, em evento com o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol). À Folha, o candidato a deputado federal repetiu questionamentos que vem fazendo sobre os vazamentos na investigação dos assassinatos da vereadora carioca Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março. Ele considera o caso como um dos mais complexos que a polícia fluminense já teve e contesta prazos à sua apuração, como o fixado pelo deputado federal e seu correligionário Chico Alencar. Freixo também falou do avanço da direita no Brasil, que para ele sempre existiu, analisou sua derrota na eleição a prefeito do Rio e o golpe que considera ter havido no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Folha da Manhã – A vereadora Marielle Franco (Psol), assassinada a tiros com o motorista Anderson Gomes em 14 de março, começou na política partidária na sua campanha vitoriosa em 2006 a deputado estadual. Nomeada sua assessora, ela esteve à frente da coordenação da comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj. No pleito de 2016, ela se lançou à Câmara Municipal do Rio e, com mais de 46 mil votos, foi a segunda mulher mais votada a vereador no Brasil. O que pode dizer sobre ela?
Marcelo Freixo – A Mari, ela é isso que você já disse na pergunta. Eu conheço a Mari há muitos anos, muito antes da campanha de 2006, na verdade. Eu tinha uma relação familiar com a Mari. Eu dei aula para a Anielle, irmã dela. Eu sou professor de história e estive 20 anos em sala de aula. Eu fui professor da Anielle no ensino médio. Então, a Anielle se formou, se não me falha a memória, em 2002. E aí eu vi a festa de formatura. Fui o professor homenageado da turma da Anielle. Então, ali, eu conheci a Marielle. Depois, nós nos reencontramos em um projeto de educação popular, organizado, inclusive, pelo Leon, que está aqui me acompanhando. Ele é professor de geografia e organizava um debate com alunos de pré-vestibulares comunitários, que era chamado “Domingo é dia de cinema”. Acontecia no Cine Odeon, que é um cinema histórico na Cinelândia, no Centro do Rio. E, uma vez por mês, no domingo, ele passava um filme e tinha debate depois. Aí, ele passou “Ônibus 174”, que é um filme, por acaso, do José Padilha. O mesmo Zé Padilha do “Tropa de Elite” depois. Foi quando eu conheci Zé Padilha, inclusive.
Folha – E da série “O Mecanismo” também.
Freixo – E de “O Mecanismo”. Eu conheci o Zé Padilha ali, no “Ônibus 174”, que, aliás, é um brilhante documentário. Para mim, um dos melhores da história do cinema brasileiro. E reencontrei a Marielle nesse debate. Deviam ter umas 600 pessoas. Isso me surpreendeu muito porque era um domingo, 9 horas da manhã, um cinema e só alunos de pré-vestibulares comunitários. E a Marielle tinha sido aluna de pré-vestibular comunitário, no pré-vestibular da Maré. Ali, a gente se reencontrou e conversou. Logo depois, veio a minha campanha de 2006, que é essa a que você está fazendo referência. Ela se envolveu bastante na campanha, assim como outras pessoas da Maré. Muitos deles ligados aos pré-vestibulares. Quando a gente ganhou a eleição e foi formar a equipe do mandato, a gente tinha um critério, que era de formar por setores de trabalho. A gente queria que tivesse um setor para pensar as favelas. Que viesse das favelas e que fosse para pensar política de direitos conduzida nas favelas. Aí, a gente separou duas vagas no mandato para duas pessoas da Maré. Aí, a Marielle e a Renata Souza foram as escolhidas, pelo próprio Psol da Maré. E a Marielle trabalhou todos esses anos comigo. Chegou o momento em que eu assumo a presidência da Comissão de Direitos Humanos. A gente reestrutura toda a Comissão. Amplia muito a ação da Comissão de Direitos Humanos. Por exemplo, trabalhando com familiares de policiais, que era algo que a Comissão nunca tinha feito e algo novo na concepção de Direitos Humanos no Brasil. Geralmente, o trabalho de Direitos Humanos é com as vítimas da violência do Estado. Aí, a gente começou a entender que esses agentes do Estado também eram vítimas da violência do Estado. A Marielle foi muito importante nesse trabalho. Assim como a ampliação para outros temas. A gente foi alargando muito a capacidade de atendimento da Comissão. Até que ela se elege vereadora, faz um mandato que é muito continuidade do trabalho que ela já fazia na Comissão. O próprio perfil da montagem do gabinete da Mari é muito a cara dela. Teve pouco mais de um ano de mandato. Um ano e três meses. Até que vem esse brutal assassinato. Então, a Mari tem uma coisa importante, que eu sempre falo: a Mari passa a ser muito conhecida do mundo depois que ela é negada ao mundo. A Marielle não foi conhecida pelas razões que deveria ter sido. A Marielle é conhecida pela negação da Marielle, que é sua morte. Então, agora é a hora de a gente entender que ela tem que, realmente, virar semente, como as meninas estão dizendo. Acho que outras Marielles vão surgir como resposta a isso. A Mari era uma pessoa especial. Ninguém vai trazê-la de volta. O lugar dela, ninguém vai substituir porque era um afeto pessoal, que é diferente do que o mundo está sentindo. O mundo está sentindo vontade de ter conhecido a Marielle. De ter mais Marielles na política, na sociedade brasileira, em qualquer lugar. Isso é bom. As pessoas entenderam que chegamos a um limite também. Isso é importante. A gente espera que algo diferente desta lógica tão violenta aconteça.
Folha – Em entrevista à Folha, publicada em 10 de abril, o deputado federal Chico Alencar (Psol) estabeleceu um prazo de 60 dias, a contar do crime, para que ele fosse desvendado. Ele usou como referência a elucidação do assassinato da juíza Patrícia Acioli, da 16ª Vara Criminal de São Gonçalo, assassinada, em 2011, com 21 tiros, na porta de casa, por policias militares ligados à milícia. O prazo dado por Chico venceu na última segunda (14). Como fica?
Freixo – Esse prazo não existe. Esse prazo é um desejo do Chico, que é um desejo muito razoável. Mas é um desejo da nossa angústia. É o tempo da nossa angústia. Isso não é o tempo da investigação. O caso da Patrícia Acioli, mencionado, é um caso que era muito mais simples do que o da Marielle. Só para você ter uma ideia: os policiais que mataram a Patrícia Acioli foram condenados pela Patrícia Acioli no dia da sua morte. Então, era muito óbvio que tinha uma linha de investigação imediata no caso da juíza. Eles usaram a arma da PM com a munição da PM. Eles usaram celular e passaram em frente à câmera de filmagem da casa. E saíram do carro. Então, o nível de complexidade do crime não se compara. Se levaram 60 dias para descobrir ou para fechar o caso da Patrícia Acioli, é evidente que não é em 60 que vão desvendar o caso da Marielle. Isso não quer dizer que eu não quisesse que descobrissem em 30. O meu desejo tem a ver com a minha saudade, com minha angústia, com meu sentimento de justiça. A gente precisa ter calma para não atrapalhar as investigações. Então, a gente sabe que é o crime mais complexo da história da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro. Disso, eu não tenho a menor dúvida. Isso é dito pelos delegados. Eu estou acompanhando o caso muito de perto. Não tem um dia em que eu não me reúna com alguém sobre o caso. Eu estou acompanhando o caso. Acompanho a família. Estive ontem (quinta-feira) com a dona Marinete (mãe de Marielle). Sobre o meu mandato, tem uma responsabilidade muito grande sobre todos nós. Claro, é um mandato muito mais antigo, mais experiente, com muita relação com a Marielle. Então, nós absorvemos muito da responsabilidade. Mas não adianta querer dar um prazo que não seja real e querer criar ampliação de cobrança. Cobrança, tem que haver. Nós temos que ir para a rua, que cobrar, que falar sobre isso, como você está me questionando. Agora, nós não podemos fazer com que isso vire uma irresponsabilidade de querer que qualquer um assine esse crime. Como a gente tem dito sempre: a gente não quer vingança. A gente quer justiça. A gente não quer o que parece ter sido. A gente quer a certeza do que foi. Então, se tem vereadores suspeitos, que se investigue. “Ah, mas o vereador era miliciano.” Então, que ele responda pela milícia. Mas, pelo crime da Marielle, tem que ter provas sobre isso. Então, a gente tem que ter prudência também.
Folha – Pelo menos ao público, as maiores novidades sobre o caso não vieram da Polícia, nem dos militares do Exército que assumiram a Segurança Pública fluminense com a intervenção federal no Estado do Rio. Mas da reportagem de O Globo, que no último dia 8 revelou o depoimento de uma testemunha apontando como suspeitos de mandantes outro vereador carioca, Marcelo Siciliano (PHS), e o ex-PM e miliciano preso Orlando Curicica. O motivo teria sido o avanço da atuação social de Marielle em áreas da Zona Oeste controladas por Siciliano. Outro deputado federal do Psol, Jean Wyllys disse que “o cerco está se fechando”. Está?
Freixo – Não sei. Só os investigadores podem dizer. Nenhum deputado, ninguém tem informações específicas sobre a investigação. Nem deve ter. Não é papel de deputado ter informações das investigações. Mesmo os deputados mais queridos, mais próximos a Marielle, os deputados do Psol. Nenhum de nós tem que ter informação da investigação. Quem tem que ter essa informação são os investigadores. A gente tem que ter o resultado final. Essas informações relacionadas ao vereador, ao Orlando Curicica, são frutos de um vazamento. É grave. Deveria gerar punição, inclusive. É muito ruim que o ministro da Segurança Pública (Raul Jungmann) venha a comemorar e dizer que o cerco está se fechando baseado em um vazamento. Vazamento é crime. Atrapalha. Quem vaza, vaza por alguma razão, que também precisa ser investigada. Então, a gente não vai comemorar vazamento de informação. Acho muito grave um jornalista participar de um interrogatório. Eu espero, inclusive, que isso seja apurado. A gente vai esperar a investigação ser concluída para ter a clareza do que aconteceu. Se o Marcelo Siciliano tem vínculo com a milícia, que ele responda por isso. Mas, se ele vai responder pelo crime da Marielle, que se apresente provas sobre isso. Não estou, com isso, dizendo que ele seja inocente ou culpado. Estou dizendo que a gente não pode se basear em vazamento de informação, que tem outros interesses que eu não sei quais são, para dizer se o caso está sendo concluído ou não. Não há nada, nada concreto que diga que o caso está sendo concluído.
Folha – Também na entrevista à Folha, ao ser indagado se as execuções de Marielle e Anderson tinham sido uma resposta das milícias à intervenção federal, Chico Alencar respondeu: “Não, eu acho que foi mais um recado para o Marcelo Freixo, de que a vingança é um prato que se come frio, às vezes”. Segundo a testemunha do caso, Siciliano teria dito a Curicica: “Marielle, piranha do Freixo. Precisamos resolver isso logo”. Chico está certo?
Freixo – Não sei se o Chico está certo. Isso, é a conclusão da investigação que vai dizer. Eu acho muito difícil que o Siciliano tenha dito isso que está na informação vazada. Eu nunca encontrei o Siciliano. Não o conheço. Nunca vi. Certamente, ele sabe quem eu sou. Ele já pode ter estado em algum lugar em que eu estava. Ele acabou de ser eleito vereador. Eu não tinha escutado falar dele até o momento da eleição. E ele conhecia a Marielle. Estava há um ano convivendo com a Marielle. Eu acho muito pouco provável que ele, em uma mesa de bar, tenha falado o meu nome, que não é um nome comum, alto. Não é Silva. É um sobrenome que, evidentemente, se associa a alguém especifico no Rio de Janeiro. Não acredito que ele tenha falado o meu nome, em uma mesa de bar. Uma pessoa que ele nunca encontrou e se referindo a alguém que ele conhecia. Então, isso não bate para mim. Essa informação, para mim, é fantasiosa desse vazamento. Acho muito pouco provável que esse diálogo tenha existido. Mas está lá no vazamento.
Folha – Também na entrevista, Chico disse: “O Marcelo anda muito bem protegido, como tem que andar mesmo. E a Marielle não. Como qualquer um de nós do Psol, que denunciamos as mesmas coisas que ela, a gente nunca se preocupou em ter carro blindado, segurança… Talvez, tenha que se preocupar agora”. Tem agora ou já teria que ter antes?
Freixo – A Marielle não recebeu nenhuma ameaça. Eu falei com Marielle um dia antes de ela morrer. Marielle morreu em uma quarta. Na terça à noite, eu conversei longamente com ela. A gente, na sexta e no sábado, ia ter atividade juntos o dia inteiro. Eu pedi para ela não viajar para a gente fazer uma atividade juntos. Não tinha nada acontecendo que gerasse a ideia de que corria algum risco. Eu só tenho carro blindado e escolta porque eu recebi uma quantidade gigantesca de ameaça por conta da CPI das Milícias. Diversidade de ameaças ao longo do tempo. Então, óbvio, tem um elemento concreto. E não pensem que é um privilégio. Não é. Você não ter vida pessoal com um mínimo de autonomia. Este ano, eu tive uma conversa com minha companheira e meus filhos, dizendo que, no final do ano, eu pretendia diminuir a segurança porque não aguentava mais. Já são 10 anos de cerceamento, limitações. E eu achava que já não precisava mais. Afinal de contas, já tinha passado muito tempo. Eu sou pré-candidato a deputado federal. Se for eleito, vou passar um pedaço da minha vida em Brasília. Então, pensava em diminuir. Eu falei isso um mês antes. Essa conversa com minha família foi em fevereiro. Em março, a Marielle morre e muda tudo. Óbvio que não posso pensar em diminuir segurança agora. Quem matou a Marielle matou por uma razão que a gente não sabe qual é, mas não matou só pela Marielle. Isso está muito evidente. Porque, se fosse só pela Marielle, ela teria recebido alguma ameaça. Não queriam que ela parasse de fazer alguma coisa só. Se fosse isso, teria ameaça, como eu tenho. Aliás, na verdade, ameaça direta, eu nem tenho. O que eu tenho são diversos planos para me matar, que foram descobertos pela inteligência da polícia, através de grampos ou de infiltrados. Ameaça direta, eu tive pouquíssima. O que eu tive foram planos para me matar. Muitos. Uma pasta inteira. Então, é evidente que eu ando com blindado e com escolta. Agora, ninguém mais do partido. Porque ninguém se meteu onde eu me meti. As pessoas têm vida parlamentar como tantos no Brasil têm. De outros partidos, inclusive. Agora, se rompeu uma fronteira no Rio de Janeiro. A fronteira da barbárie foi rompida. O histórico de morte, de homicídios na política, tinha muito a ver com território, com lugares, com práticas que essas pessoas estavam envolvidas para além do parlamento. Crime político, com este perfil, o da Marielle é absolutamente inédito. Como você ia prever um negócio desses? Nem ela, nem nós. Ninguém. Ninguém imaginou isso.
Folha – Inegavelmente, o avanço da direita ocorre não só no Brasil, como no mundo. Entrevistei antes de você o Flávio Bolsonaro (PSL). Entre outras coisas, ele afirmou: “a direta saiu do armário”. O pai dele, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) lidera todas as pesquisas presidenciais nos cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De onde veio e até onde pode chegar essa onda?
Freixo – Bom, que bom que ele saiu do armário. No sentido de estar mais feliz com o que ele pensa. Eu torço para ele ser feliz. Mas, na verdade, sempre existiu uma direita brasileira. Nós tivemos o Integralismo em grande parte do século XX. Nós tivemos uma ditadura civil-militar que durou...
Folha – Integralismo com o Estado Novo, o que é quase um pleonasmo.
Freixo – Estado Novo. Exatamente. E nós tivemos uma ditadura civil-militar durante 21 anos. De 1964 a 1985. Uma ditadura violenta. Essa ditadura só durou tanto tempo porque havia uma base conservadora de direita, de opinião pública, inclusive, que sustentava essa ditadura. Isso foi até 85. Então, não dá para achar que o Brasil descobre que tem uma direita. Eu acho que, de 85 para cá, principalmente pelos efeitos da década de 80, da Constituição de 88, que, de todas elas, é a Constituição mais avançada. A Constituição que precisava sair do armário. Essa, sim, precisava ser colocada em prática. Aquela, sim, vive no armário há muito tempo. Uma parte importante dela nunca saiu para ser efetivada enquanto uma Constituição Cidadã para o conjunto maior das pessoas. Então, houve um período de redemocratização em que houve certa timidez desses valores mais conservadores, mas nunca deixaram de existir. Nunca. Não à toa o perfil do Congresso, das Assembleias nunca foi um perfil hegemonicamente progressista. Mesmo no período de redemocratização, com todas as falhas que tem. O que a gente tem hoje em curso é a cristalização de uma extrema-direita muito personificada pela família, que também olha com senso de oportunismo eleitoral muito grande. Entende isso. Inclusive com algumas coisas que são curiosas. Por exemplo, todo o ímpeto da família Bolsonaro de denúncia da corrupção, o que eu acho que é importante. Mas eles foram do mesmo partido do Paulo Maluf a vida inteira. Eles foram do PP durante décadas. Nunca denunciaram o Paulo Maluf. Nunca. Foram da base do Cabral nesses anos inteiros. Votaram em Picciani para presidente da Assembleia Legislativa em todas as votações.
Folha – Você fala isso em relação ao Flávio?
Freixo – Em relação ao Flávio na Alerj e ao Jair, no PP, no Congresso Nacional. Eu estou falando do Paulo Maluf, mas poderia citar vários do PP. Aliás, o PP é o partido com o maior número de indiciados na Lava Jato. Partido do Jair Bolsonaro a vida inteira. Quem ele denunciou dentro do PP? Para quem ele pediu Conselho de Ética dentro do partido? Quando ele fez alguma frase, ao longo da sua vida, contra os corruptos que estavam no mesmo partido que ele? Nunca. Nunca fizeram. Então, tem um senso de oportunismo, nesse momento, que é válido, faz parte da política, mas não é tão novo assim. Essa direita não é tão nova. Tem uma pesquisa da Ester Solano, que eu não sei se foi publicada ainda e eu tive acesso, sobre o perfil do eleitorado da extrema-direita. Um estudo interessante e muito bem feito. Mostra o quanto tem relação com o medo, com o descrédito político, com a desesperança e o quanto isso alimenta um discurso, muitas vezes, de ódio. E aí é perigoso. No momento em que você tem uma vereadora brutalmente assassinada com quatro tiros, é muito grave a consequência de algum discurso de ódio. Porque há o medo, e ele é legítimo e materializado. Tem razão para ter medo quem vive no Rio de Janeiro, quem vive em qualquer cidade nordestina que, aliás, é mais violenta que o Rio de Janeiro. Qualquer capital nordestina tem índices de violência piores do que os do Rio de Janeiro.
Folha – Campos teve 103 homicídios em 2018, 13 só em maio.
Freixo – Paraty é a cidade mais violenta do Estado do Rio de Janeiro.
Folha – Campos é a 45ª cidade mais violenta do mundo.
Freixo – Então, é evidente que as pessoas têm medo, e esse medo é real. Então, como você responde a esse medo no momento em que a política não te representa? Você tem um medo. Esse medo é real, concreto. Todo mundo conhece alguém que foi assassinado, assaltado. Ao mesmo tempo, você não se enxerga na política. Há uma crise partidária, uma crise de identidade. Então, você busca algo que a política não te oferece. Nesse vácuo de república, aparece algo que dialoga com seu medo e que propõe algo que, supostamente, se diferencia dessa política, sem que a sua história comprove essa diferenciação. Mas diferente da política. É a história do outsider, do mito, do herói, de alguém que vai ser diferente de tudo isso. E a história não é nada diferente do que já foi feito até hoje. E, aí, ele dialoga com o ódio, que é o ódio que responde com mais armas, com mais violência. Enfim. Isso tem um prazo de validade. Qual é esse prazo, que é a origem da tua pergunta, não dá para saber.
Folha – Vai até outubro?
Freixo – Não sei, não sei. Já está fugindo dos debates. Eu acho que, nos debates, terá dificuldade de sustentar minimamente as suas ideias. Porque tem fragilidade. Mas certamente vão cristalizar uma votação de uma extrema-direita que nós não tivemos até hoje. Qual vai ser o tamanho disso? Não sei.
Folha – Já está na casa dos 20%.
Freixo – Está em 17%.
Folha – Segundo o Datafolha de abril. Em pesquisas mais atuais, feitas em maio, ficou em 20,5% na Paraná e 18,5%, na CNT.
Freixo – Está entre 17% e 20%. A gente vai concluir que entre 17% e 20% do eleitorado brasileiro é fascista? Não, não é. Se for, a gente está perdido. Mas não é. Agora, tem o medo, que reproduz uma leitura política no voto imediato. Mas isso pode mudar.
Folha – Na disputa do segundo turno pela Prefeitura do Rio contra Marcelo Crivella (PRB), uma atitude considerada importante na sua derrota foi ter dito que sua passagem pelo primeiro turno havia sido “um recado ao partido golpista”, em referência ao MDB do então prefeito Eduardo Paes, hoje no DEM. Insistir na narrativa de que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi golpe, naquele momento, não o impediu de conquistar eleitores de centro? Você já disse que “não se arrepende de nada”. Não falta autocrítica?
Freixo – Não, não falta autocrítica. Eu só não posso ter autocrítica em cima do que não aconteceu. Em nenhum momento da minha fala no segundo, eu disse isso. Isso foi fruto de uma entrevista quando acabou a minha fala. Uma entrevista com o repórter André Trigueiro, do jornal O Globo. A pergunta dele era: “a sua vitória é uma resposta ao golpe?”. E eu respondo: “é, claro”. Isso não estava na minha fala no palanque. Só para deixar claro. Isso sempre aparece e atribuem a isso uma derrota. Isso não tem cabimento. Nós perdemos uma eleição para algo que a gente não conhecia direito, que era o poder da Universal e o poder da Record somados. Não foi fácil ir para o segundo turno com uns oito segundos de tempo de televisão. A gente derrotou o Pedro Paulo, que tinha três minutos e uma estrutura inteira de campanha. Então, chegar ao segundo turno foi um mérito muito grande, coletivo de quem estava na campanha. Era um momento muito difícil para a esquerda, tanto que a esquerda perdeu no Brasil inteiro. Era o momento em que você tinha o auge da condenação de qualquer coisa da esquerda que se identificava ao PT. Nós nunca fizemos parte do governo do PT. Nós pagamos a conta. Isso é verdade. Passei boa parte da minha vida na Zona Norte e na Zona Oeste da cidade do Rio. Eu moro perto de um ponto de táxi onde há vários taxistas. Eu conheço todos eles pelo nome, inclusive. E, no primeiro dia do segundo turno, quando eu desço de casa, às 6h30 da manhã, achei que o clima estava meio estranho ali. Achei que pudesse ter acontecido alguma coisa. Não associei a mim. Aí, o dono do bar que fica embaixo do meu prédio disse: “os taxistas estão chateados com você”. Quando eu cheguei lá, falei: “o Zé falou que vocês estão chateados comigo. O que houve?”. “Ah, você não podia falar o que falou dos taxistas.” Aí, eu disse: “eu falei dos taxistas? Será que eu dei alguma entrevista sobre taxista e falei bobagem?”. E eu não me lembrava de jeito de nenhum. Aquela pergunta de Uber e táxi, eu devo ter respondido umas 500 vezes por dia. Mas eu falei a mesma coisa. Já não aguentava mais. Eu disse: “desculpe, não sei qual entrevista é essa”. E, aí, eles me mostraram um áudio de uma voz imitando a minha, de forma tosca, inclusive, e dizendo: “está vendo? Fui para o segundo turno. Manda dizer para esses taxistas burros que não adiantou votar no Crivella”. Era um áudio imitando a minha voz. Alguém ligava para mim e dizia: “e aí, Freixo? Foi para o segundo turno”. E, aí, eu dava o recado. Todos os taxistas do Rio de Janeiro receberam esse áudio às 6h da manhã do primeiro dia do segundo turno. Esse é o nível da política que foi feita no Rio de Janeiro no segundo turno. À tarde, eu estava em Bonsucesso, na praça, fazendo atividade política. Vem um senhor para mim e diz: “votei em você, mas não vou votar no segundo turno”. Aí, eu falei: “já sei, o senhor é taxista”. E ele falou: “não, não. Eu sou da igreja e achei um absurdo o recado que o senhor mandou para a igreja dizendo que vai permitir a troca de sexo em criança nas escolas”. Aí, eu falei: “meu senhor, é óbvio que eu não falei isso. Não estou propondo trocar sexo em criança, muito menos na escola”. Aí, ele me mostrou o áudio e era a mesma voz. Com esse subterrâneo, essa lixeira política, a gente não sabia lidar. A gente perdeu a eleição para isso. Não perdeu a eleição por uma declaração que eu dei para o André Trigueiro n’O Globo. Não foi isso que fez a gente perder. A gente fez todas as autocríticas do mundo em relação às falhas, aos erros. A gente fez e deve continuar fazendo.
Folha – Feita entre 4 e 9 de maio, a pesquisa Paraná foi a primeira ao governo estadual e às duas vagas fluminenses ao Senado. Nesta, Flávio Bolsonaro apareceu na liderança isolada, com 32,3% das intenções de voto, seguido do ex-prefeito do Rio, César Maia (DEM), com 20,6%. A mesma pesquisa apontou o senador Romário (Podemos), com 26,9%; Eduardo Paes, com 14,1%, liderando a corrida a governador. Depois da vitória de Crivella a prefeito do Rio, isso não sinaliza que o eleitor fluminense, tradicionalmente mais progressista, está virando à direita?
Freixo – O eleitor do Rio de Janeiro nunca foi progressista. Não sei de onde vocês tiraram isso. É só pegar o histórico de resultado eleitoral do Rio de Janeiro. A eleição no Rio de Janeiro é conservadora.
Folha – A opinião contrária à sua pode ser tirada das últimas quatro eleições presidenciais, nas quais o Estado do Rio ficou duas vezes com Lula e duas vezes com Dilma.
Freixo – Sim. Mas para os resultados internos, que é a base da pergunta. De governador, senador. Quem são os senadores eleitos pelo Rio de Janeiro?
Folha – Lindbergh? Benedita?
Freixo – Qual outro? Você falou dois nos últimos 50 anos.
Folha – Puxei pela memória.
Freixo – É porque só tem os dois. Não tem outro (na verdade, teve também Darcy Ribeiro e, por três mandatos, Roberto Saturnino, sem contar com Luís Carlos Prestes, eleito senador em 1945). O eleitorado efetivamente progressista do Rio de Janeiro está em torno de 25%. Isso historicamente. E tem outro eleitorado em disputa. E eu acho que a campanha sempre pedagógica, política sempre pedagógica. Porque tem margem de conversa. Agora, eleitorado de valores progressistas, no sentido de esquerda, 25% classicamente. Isso não quer dizer que você tenha 75% de conservadores. Não. Você tem uma margem pequena de conservadores e uma massa no meio, em disputa. É verdade. O que pode eleger gente de esquerda, desde que consiga ter um patamar de diálogo com a sociedade. Hoje, é muito difícil fazer qualquer cálculo nesse sentido, se a guinada eleitoral está para a direita ou para a esquerda. A gente está vivendo um período de intervenção. A gente viveu a morte da Marielle, que mudou a percepção das pessoas sobre política, mas a gente não sabe ainda o que vai acontecer. Há uma fronteira que se cruzou, com a morte da Marielle. As pessoas olharam de uma maneira diferente para a política, evidentemente. Em que isso vai resultar? Não sei. Teve um golpe. Olha eu repetindo “golpe” de novo. Porque eu acho que foi.
Folha – O impeachment de Dilma.
Freixo – Claro. Você não precisa de Exército para fazer golpe. Basta ter o parlamento. E eu não estou, com isso, defendendo o governo da Dilma. Achei o governo da Dilma muito ruim. Quero deixar claro isso. Mas estive em todos os protestos contra o golpe porque eu acho que a Dilma tinha que ser derrotada no voto. E eu esperava derrotá-la, inclusive. No voto. Mas não imputando um crime que não aconteceu e não rompendo com o processo legal, colocando um governo ilegítimo. Eu tive uma conversa com um dirigente do jornal O Globo, uma vez, um café. Foi muito curioso. Ele me disse que não foi golpe. Mas como não foi golpe? Ele falou: “mas passou por todas as etapas legais”. Eu falei: “sim, um golpe legal. Um golpe parlamentar, como teve no Paraguai e em outros lugares. Não precisa mais de Exército para dar golpe”. Ele: “não. Então, eu concordo que não foi moral, mas foi legal”. Esse resumo é genial. “Eu concordo que não foi moral, mas foi legal”. Então, é isso. Você dá legalidade a uma imoralidade. Aí, se você vai chamar de golpe ou não, é o de menos.
Folha – Pode ter consequência na urna.
Freixo – Vai ter consequência. Claro que vai. Mas não sei mais se é a mesma consequência. Porque uma coisa era quando o centro de avaliação política para saber se houve golpe ou não era o desastroso governo da Dilma, no qual as pessoas, na verdade, se apegaram a nenhuma legalidade para dizer “esse governo está uma droga e nós vamos apostar em qualquer coisa que possa melhorar”. Eu entendia isso também.
Folha – Perdeu apoio popular, perdeu apoio parlamentar. Perdeu as ruas em 2013.
Freixo – Perdeu apoio popular, perdeu apoio parlamentar, não tinha projeto. Perdeu as ruas. Havia impaciência muito grande. Havia falta de capacidade de diálogo muito grande. O governo não era bom. Era um governo que tinha muitos erros, na avaliação dos setores do próprio governo. Então, é isso. Aí, óbvio. A população não se apegou à ética legal para garantir o processo democrático. E abriu mão disso, o que é caro para a história do Brasil. O problema é que a avaliação se foi golpe ou não, em 2016, tinha um peso gigantesco. Por quê? Porque isso te associava à imagem e avaliação do governo Dilma. Não é o que acontece em 2018. O Temer é uma margem de erro, né? Tem 3% de aprovação. Pode ser só ele defendendo o governo, se for três a menos. Então, é diferente hoje. Hoje, quando você fala golpe ou não, você fala em um contexto em que as pessoas estão pensando em Temer. Ninguém pensa mais na Dilma. Aí, o Temer carrega, além da sua incompetência, a sua origem: golpista. A ideia de que você falar “é golpe”, hoje, gera uma grande polêmica? Não gera mais. Não acho que isso seja um definidor de campos políticos, como foi em 2016. Vocês têm toda a razão. Hoje, não. Hoje, as pessoas não estão mais preocupadas com isso. Essa pauta passou para boa parte dos brasileiros. Essa eleição busca voltar a dar legitimidade ao governo. Disso, ninguém discorda.
Folha – Em entrevista à jornalista Maria Fortuna, publicada por O Globo em 2 de abril, você descartou a possibilidade de disputar a eleição para governador:
Freixo – Vocês pesquisaram a minha vida mesmo.
Folha – Você disse: “Preciso ser candidato a deputado federal para superar a cláusula de barreira (que restringe o funcionamento do partido que não alcançar determinado percentual de votos). Há um desafio para que eu seja o mais votado e isso ajuda na disputa à Prefeitura daqui a dois anos. Se eu não tiver cumprindo mandato, com essas ameaças que sofro, terei que sair do Brasil e não estou disposto”. Motivos à parte, você não seria o nome mais competitivo do partido ao Palácio Guanabara?
Freixo – Eu acho que minha resposta já está aí. O partido tem vários quadros. O Tarcísio Motta, que é o nosso candidato ao governo, cumpriu um papel extraordinário há quatro anos. Ele foi candidato há quatro anos. Hoje, ele é pré-candidato porque a candidatura é só em agosto. O Tarcísio foi o vereador mais votado do Psol. É um parlamentar de grande destaque na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro hoje. Foi muito bem na última eleição. É um quadro preparadíssimo. Ele é menos conhecido do que eu? Pode ser. Mas a gente constrói quadros também. Quando a gente lançou o Tarcísio, há quatro anos, ninguém o conhecia. Aí, sim. Tarcísio tinha feito história comigo, era meu amigo de sindicato. Quando a gente lançou o Tarcísio, a gente sabia do potencial dele. Foi uma grande surpresa. Uma grande novidade. Foi o melhor nos debates, disparado. Fez uma campanha lindíssima. Na cidade do Rio de Janeiro, ele chegou à frente do Lindbergh. Ele teve uma votação extraordinária para quem era candidato pela primeira vez. Se consolidou. Foi o vereador mais votado do Psol, com 98 mil votos. Então, cabe a um partido construir seus quadros.