Guerra em Guarus já matou 60 pessoas
Aldir Sales e Daniela Abreu 12/05/2018 13:31 - Atualizado em 16/05/2018 20:04
Guerra entre facções em zona próxima ao Santa Rosa e Eldorado
Guerra entre facções em zona próxima ao Santa Rosa e Eldorado / Verônica Nascimento
Carlos Magno, João Paulo, Edson, Marcos Vinícius, Luís Antônio. Estes são os nomes de apenas cinco pessoas que foram perdidas para a violência nos últimos meses em Campos, mesmo com a intervenção federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Além de fazerem parte da triste estatística de 97 assassinatos no município apenas neste ano, os cinco têm em comum o fato de terem sido executados nas proximidades de uma das áreas de conflito mais perigosas do interior fluminense, que englobam bairros como os parques Eldorado, Santa Rosa, Santa Clara, Prazeres, Bandeirantes e Codin, em Guarus, e já foi conhecida como “Faixa de Gaza” entre policiais e hoje começa a ser comparada até com a Síria. Somente na área, 60 pessoas já foram assassinadas desde junho do ano passado, segundo dados da Folha da Manhã.
Moradores destas localidades convivem diariamente com a rotina de medo e insegurança, que tem se espalhado e colocado o município no ranking entre as 20 cidades mais violentas do mundo, segundo a ONG mexicana Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal. Em um país como o Brasil com média de quase 30 mil homicídios por ano, segundo o Monitor da Violência, a comparação com zonas declaradas de guerra são inevitáveis. Na Síria, por exemplo, um levantamento feito pelo Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH) aponta que 73 mil pessoas morreram por ano no país desde o início do conflito internacional, em 2011.
Haysam Mtanios
Haysam Mtanios / Antônio Leudo
Morando em Campos há quatro anos, Haysam Mtanios, de 49 anos, deixou a Síria por conta da guerra. Ele trabalha na lanchonete Kantão do Líbano, no Centro, mas confessa que sente medo da violência no Brasil. “Já vi assalto na Americanas, no Subway, mas comigo nada aconteceu. As leis aqui são fracas para os bandidos. (...) Antigamente a Síria era livre, você queria dançar, dançava; queria ir a igreja, ia; Se eu ia para minha casa e me cansava, podia parar o carro e dormir em qualquer lugar, sem medo de nada. Agora eu penso aqui, eu tenho medo”, afirmou.
De acordo com o estudo do Ipea, que teve como base os números da violência em 2015, Campos teve uma média de 38 homicídios para cada 100 mil habitantes, uma taxa superior a da cidade do Rio de Janeiro (22,3). Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), no mesmo ano o interior fluminense registrou uma média de 23,2 mortes violentas por 100 mil habitantes e o Estado do Rio inteiro teve uma média de 25,4 mortes violentas pela mesma proporção, o que liga aumenta ainda mais a preocupação sobre a violência na cidade.
Conflitos entre facções se tornam rotina
A maior área de conflito de Campos está bem no coração do subdistrito de Guarus. A proximidade das comunidades dominadas por facções criminosas rivais e a negligência de políticas públicas em áreas periféricas por anos são apontadas como alguns dos motivos do conflito que já matou pelo menos 60 pessoas, segundo dados da Folha da Manhã, desde o início de junho do ano passado apenas nas proximidades dos parques Santa Rosa e Eldorado, centro nervoso desta guerra civil do poder paralelo.
O período é considerado essencial para entender o caso. O confronto estaria ligada a uma união das facções criminosas Amigos dos Amigos (ADA) e Terceiro Comando puro (TCP), formando o Terceiro Comando dos Amigos (TCA) na capital. Em Campos a junção não teria sido aceita por Francio da Conceição Batista, de 34 anos, o Nolita, apontado como chefe do tráfico de drogas no Santa Rosa e conhecido por invasões às casas populares do bairro, que passaram a ser chamadas de “Cantão do Nolita”.
Em março deste ano, Nolita foi preso e o delegado da 146ª Delegacia de Guarus, Luís Maurício Armond, chegou a declarar que esperava uma redução nos índices da violência na região. No entanto, o que aconteceu foi justamente o contrário, segundo ele mesmo.
Em entrevista à Folha da Manhã, o porta-voz da intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, coronel Roberto Itamar, afirmou que ações que envolvem a operacionalização das forças de segurança, incluindo o 8º Batalhão de Polícia Militar de Campos e as delegacias da cidade, estão sendo tomadas. No entanto, eventuais operações não podem ser divulgadas.
Refugiado sírio diz ter medo no Brasil
Há sete anos a Síria mergulhou em uma guerra civil que já deixou mais de meio milhão de mortos e metade da população desabrigada. Apesar do conflito interno, a tensão envolve algumas das nações mais importantes do mundo, como Estados Unidos, Rússia, Israel e Irã, além da União Europeia. Haysam Mtanios é um dos refugiados sírios que procurou no Brasil, mais especificamente em Campos, um lugar mais tranquilo.
Haysam fala com saudade da capital síria Damasco, onde ele vivia e que, antes da guerra, segundo ele, o nível de violência era baixo. “Aqui bandido mata gente na rua, mas lá você se senta na rua e tem bombas. Lá você pode dormir em casa e uma bomba explodir. Já aconteceu na minha casa duas vezes. Graças a Deus todo mundo ficou bem. Eu deixei lá para melhorar um pouco a vida aqui, mas o Brasil está em crise”.
Haysam conta que trouxe um filho e deixou outros três na Síria, onde tinha uma autoescola e uma loja de material de construções. Ele fala com os filhos todos os dias e quer trazê-los para o Brasil, mas a crise tem adiado esse sonho. Para ele a violência em terras tupiniquins é reflexo de leis frágeis.
“As leis aqui são fracas para os bandidos. Quando se mata, as leis têm que ser mais fortes. Lá, se eu matasse alguém, todo mundo saberia e a pessoa também morreria. Lá, se roubassem, a polícia pega, mas aqui, se roubou, acabou, esquece. Antigamente a Síria era livre. Você queria dançar, dançava. Queria ir à igreja, ia; queria beber, bebia; se quisesse dormir na rua, ninguém mexeria com você. Se eu ia pra minha casa e me cansava, podia parar o carro e dormir em qualquer lugar sem medo de nada. Agora eu penso aqui, eu tenho medo”, disse Haysam.

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