Edgar Vianna de Andrade
14/05/2018 17:44 - Atualizado em 18/05/2018 16:53
(Desejo de matar) - Um crítico escreveu que a refilmagem de “Desejo de matar” por Eli Roth, discípulo de Quentin Tarantino, traz o mesmo tom satírico da fase “pulp” do mestre. O crítico recorre a uma passagem apenas para conferir ao filme este traço: uma vendedora de armas com decote avantajado e recheio farto oferece uma arma comparando a leveza dela à de uma criança recém-nascida. Com sutileza, pode-se afirmar que tudo no filme é “pulp” ou não. O médico Paul Kersey (Bruce Willis) salva vidas dentro do hospital e as elimina fora dele. Sua mulher é assassinada por três ladrões e a filha fica em coma durante muito tempo. Enquanto isso, Kersey se dá conta de como Chicago foi tomada por criminosos. Eles agem como um poder de força paralelo ao da polícia, que coleciona casos insolúveis.
Então Kersey resolve agir por conta própria. Ele toma intimidade com uma arma e sai encapuzado pela cidade como um justiceiro eliminando criminosos. Se o filme for levado a sério, pode-se entendê-lo como apologia ao uso de armas e à justiça com as próprias mãos. Se o vemos como sátira, o filme pode ser entendido como uma grande brincadeira. Ele foi considerado racista, pois muitos marginais são negros. Mas o médico mata brancos também. E há negros no filme que condenam os justiceiros.
É irreal que uma só pessoa entre no mundo do crime como matador profissional e alcance êxito. Kersey nunca usou uma arma até se tornar viúvo. Praticar tiro ao alvo é tranquilo, desde que o alvo não seja bandidos experientes. Mais uma vez, o filme comporta uma dupla leitura. A mais fácil é que o crime cresceu na cidade, que a polícia não dá mais conta dele e que vale a pena fazer justiça com as próprias mãos.
Nos Estados Unidos da atualidade, com um presidente que dá apoio à indústria armamentista para atender ao mercado interno e externo, “Desejo de matar” pode ser visto como “trumpista”. Por outro lado, a venda de armas, de forma tão banal quanto vender pão, as mortes bizarras, a facilidade de salvar vidas e, ao mesmo tempo, ceifá-las remete às sutilezas tarantinescas.
Kersey tem prazer em afastar a morte de pacientes e, ao mesmo tempo, em matar. Mesmo que sua esposa morra, o final é feliz. O justiceiro elimina um a um os assassinos da mulher, vê com orgulho a filha partir para cursar medicina e sente-se mais tranquilo com a redução da criminalidade em Chicago, como se ela decorresse de sua atuação como justiceiro. Enfim, Roth filma bem. Até aqui, superou sua fase excessivamente sangrenta de “O albergue”. Contudo, não passa de mais um diretor de plantão apontando com o dedo indicador a continuação da refilmagem.