Aldir Sales, Arnaldo Neto e Suzy Monteiro
19/04/2018 10:25 - Atualizado em 20/04/2018 17:10
“Para quem aos 17 anos foi torturado pelo regime da ditadura, levou agulhadas, que tem marquinhas nos dedos até hoje e enfrentou uma ditadura militar, enfrentar uma ditadura de toga é mais fácil”. A afirmação é do ex- governador Anthony Garotinho (PRP), que, nessa quarta-feira (18), esteve no Fórum de Campos com a esposa, Rosinha, para interrogatório na Ação Penal decorrente da operação Caixa d’Água, na qual ambos são réus, junto com outras seis pessoas. A versão de Garotinho é desmentida, porém, pelo advogado Geraldo Machado, que, em 1981, liberou o jovem Anthony e a sua então noiva Rosinha: “Não houve tortura. Nem na carceragem ficaram”, afirma.
O interrogatório marcado para essa quarta não aconteceu. O advogado de Garotinho, Carlos Fernando dos Santos Azeredo, enviou atestado médico, afirmando ter passado mal na noite de terça-feira e estar internado. A nova data para a audiência é 5 de junho. Mesmo sem ser realizada, a “não audiência” dessa quarta durou mais de quatro horas. Um pequeno grupo de militantes aguardou o casal de ex-governadores e cantou parabéns para Garotinho, que completou 58 anos.
Antes mesmo do horário marcado para o interrogatório, nos corredores do Fórum já se falava sobre a possibilidade de adiamento. Isso porque um dos réus, o presidente nacional do PR, Antônio Carlos Rodrigues, conseguiu liminar em Habeas Corpus (HC) concedida pela desembargadora do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Cristiane Frota, para testemunhas arroladas por sua defesa — e que haviam sido indeferidas pelo juiz Ralph Manhães — sejam ouvidas em São Paulo, através de carta precatória. Todos os réus já demonstraram que pedirão a extensão do HC para suas próprias testemunhas.
O presidente do PR não compareceu ao Fórum, assim como seu genro Fabiano Alonso. Outro réu no processo, o ex-secretário de Controle Suledil Bernardino, também não esteve no Fórum. Ele não foi intimado pessoalmente, apenas através de Diário Oficial, o que foi contestado por sua advogada. Os demais réus — o ex-subsecretário de Governo Thiago Godoy, o policial civil aposentado Antônio Carlos Ribeiro, o Toninho, e o empresário Ney Flores compareceram.
Garotinho em Campos para audiência da Caixa d'Água
Garotinho em Campos para audiência da Caixa d'Água
Garotinho em Campos para audiência da Caixa d'Água
O magistrado estipulou prazo de 45 dias para que sejam cumpridos os interrogatórios através de cartas precatórias. À noite, já depois de encerrada a audiência, uma nova decisão chegou do TRE, em que a desembargadora suspendeu o interrogatório dos réus, até o julgamento do mérito do HC, ou até que se esgote o prazo a ser fixado pelo magistrado para cumprimento da carta precatória, quando, “diante de decisão concreta de descumprimento do ato no prazo fixado, nova decisão fundamentada pelo juízo da origem poderá ser tomada”.
Testemunha — Antes do interrogatório, estava marcado depoimento de três testemunhas. Duas foram dispensadas pelos advogados, mas o empresário Thiago Castro, que inicialmente seria de Godoy, foi mantido como testemunha do juízo. Ele compareceu nessa quarta, após não ir por duas vezes, mas não foi ouvido pela ausência do advogado dos Garotinho. A oitiva ficou marcada para a próxima terça-feira.
Advogado contesta “tortura” na ditadura
Com quase quatro décadas de advocacia, Geraldo Machado — que presidiu a 12ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campos entre 1975 e 1979 — lembrou, nessa quarta, quando, em 1981, esteve na delegacia para soltar o então jovem Anthony William e sua noiva, Rosinha, que haviam sido presos por distribuírem panfletos em um 1º de maio: “Eu estava na casa de um amigo, Álamo Barcelos, quando chegou a informação que Anthony — que ainda não era conhecido como Garotinho — havia sido preso junto com Rosinha. Fui à delegacia e o delegado era um amigo meu de infância, Clayde Ribeiro. Os dois nem estavam na carceragem e sim em uma sala anexa à do delegado. Conversei com Clayde e pedi para soltá-los. Os dois desceram as escadas da delegacia comigo. Não houve tortura. Na verdade, quem foi torturado fui eu, já que eles nunca me pagaram”, fala Geraldo Machado, em tom jocoso.
Tranquilidade sobre Saud, mas com Deca...
Ao sair do Fórum, Anthony Garotinho comentou sobre o depoimento de Ricardo Saud, ex-executivo da JBS, que confirmou R$ 3 milhões para sua campanha de 2014. O depoimento, prestado em Brasília através de carta precatória, foi mostrado com exclusividade na edição dessa quarta-feira da Folha da Manhã. De acordo com Garotinho, ele está tranquilo em relação a Saud: “Não há nada que me implique. Li o depoimento e Ricardo Saud disse que nunca falou, nem esteve comigo”, ponderou.
Segundo Ricardo Saud, a JBS fez um contrato fictício com a empresa de serviços de informática Ocean Link para repassar R$ 3 milhões para a campanha de Garotinho ao Governo do Estado em 2014.
Saud confirmou “100%” o esquema revelado pelo empresário campista André Luiz da Silva Rodrigues, o Deca, delator da operação Caixa d’Água, que levou o casal Garotinho e mais seis pessoas à cadeia em novembro do ano passado. Deca é um dos sócios da Ocean Link e proprietário da Working, que tinha contrato com a Prefeitura na gestão de Rosinha. Nessa quarta, Garotinho chamou Deca de “empreiteiro de estimação” do prefeito Rafael Diniz (PPS).
Greves de fome, escândalo e cela invadida
O depoimento do casal Garotinho foi adiado porque o advogado passou mal, mas não é a primeira vez que situações relacionadas à saúde têm destaque na cobertura envolvendo os ex-governadores. São greves de fome, escândalo em ambulância, sem falar na invasão da cela em Benfica, onde Garotinho chegou a ficar preso na deflagração da Caixa d’Água.
Em 2006, o político da Lapa fez uma greve de fome que durou 11 dias. Ele se dizia “perseguido politicamente” e acusava a mídia de tentar “destruir a sua imagem”. Em dezembro do ano passado, ele recorreu novamente à greve de fome enquanto estava preso em Benfica.
Antes, uma imagem emblemática de Garotinho ganhou as redes sociais em novembro de 2016, quando ele foi preso pela primeira vez na operação Chequinho. No Rio, ele teve um mal súbito após ser preso e encaminhado à Superintendência da Polícia Federal, de onde seria transferido para prisão em Campos. Por supostas regalias no Hospital Souza Aguiar, o juiz Glaucenir Oliveira determinou a transferência para Bangu. Em resistência, Garotinho fez um escândalo ao ser colocado na ambulância. As imagens viralizaram.
Já na prisão, em Benfica, o ex-governador alegou ter sido agredido dentro da cela. Segundo Garotinho, a ação ocorreu após um loiro alto ter invadido o local onde ele estava preso com um taco de beisebol. Após o relato, ainda em investigação, ele foi transferido para Bangu, de onde só saiu após um HC do ministro Gilmar Mendes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no primeiro dia do plantão judiciário de fim de ano em 2017.