Discurso contra a impunidade
Aluysio Abreu Barbosa 14/04/2018 19:28 - Atualizado em 17/04/2018 16:56
Cláudio Araújo/Ascom
O discurso do deputado federal Índio da Costa (PSD) é duro contra a corrução e a impunidade na política brasileira. E ele fala com a autoridade de quem foi relator da Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010, que barra a candidatura de qualquer condenado em decisão colegiada da Justiça. É o que impede, por exemplo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de se candidatar nos oito anos seguintes à sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em 24 de janeiro deste ano, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Índio defende o rigor na aplicação da lei nas eleições de outubro, prometida pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux. E diz que o país estará atento à retomada da votação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o fim do foro privilegiado, assim como à possibilidade de rever a execução de sentença após condenação em segunda instância. Crítico às incoerências do PT e da esquerda brasileira na luta contra a corrupção, ele faz, no entanto, a defesa dos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra, também denunciados nas delações da Odebrecht.
Folha da Manhã — Como você viu a prisão do ex-presidente Lula?
Índio da Costa — Subimos um degrau importante na luta contra a impunidade. A prisão de um ex-presidente da República mostra que a Justiça vale para todo brasileiro. As instituições estão funcionando e a democracia se fortalece assim. Lembro aqui que eu fui o relator da Lei da Ficha Limpa (junto com o então deputado federal petista José Eduardo Cardozo). Foi uma luta aprovar essa lei, que torna inelegível o candidato condenado por um grupo de juízes. Tinha muito político contra. Mas venceu a sociedade. O ex-presidente Lula, condenado em duas instâncias, está agora enquadrado na Lei da Ficha Limpa e também inelegível por oito anos. Toda luta, portanto, deve ser por Justiça, seja para quem for.
Folha — Como deputados federais, José Eduardo Cardozo (PT) e você tiveram papel importante na relatoria da Lei da Ficha Limpa, projeto de lei de iniciativa popular, idealizado por juristas e que reuniu 1,6 milhão de assinaturas. Ela foi sancionada pelo então presidente Lula. Apesar das digitais petistas, mesmo antes de Lula ser condenado no TRF-4, o Partido da Causa Operária (PCO) abriu a campanha: “Abaixo a Lei da Ficha Limpa!”. E cartazes com essa inscrição passaram a ser exibidas ao lado de Lula, em manifestações de apoio ao ex- presidente. Como vê essa aparente contradição?
Índio — Tem gente que é cara de pau ao extremo, como nesse caso que você cita. É uma turma que debocha da população e só quer esconder as roubalheiras! Mas o Brasil está mudando a partir da transparência que a sociedade passou a exigir. Isso é muito bom porque, em outro extremo, permite que gente de bem e com vontade de participar da vida pública siga em frente de peito aberto. E tem uma outra questão: antes, havia uma absoluta certeza de impunidade. Muita gente acreditou que não existia risco algum em criar leis contra a corrupção, porque elas jamais seriam aplicadas. Jogavam com risco calculado, mas calcularam mal sobre o cansaço e a reação da sociedade brasileira.
Folha — Ao assumir a presidência do TSE, em 6 de fevereiro, o também ministro do STF Luiz Fux, disse que a Justiça Eleitoral será “irredutível” com a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de outubro. Mesmo sem citar o Lula, condenado em decisão colegiada TRF-4, o recado foi claro?
Índio — Bastante claro. A Ficha Limpa veio para mudar o patamar ético. O espírito da lei é tolerância zero a políticos corruptos. Portanto, absolutamente nada justificaria deixar de aplicar a lei. A hora é de avançar pela decência política e pela moralidade administrativa. A sociedade não entenderia nem aceitaria mais qualquer recuo.
Folha — Prevista na própria Lei da Ficha Limpa, há casos de candidatos, mesmo condenados em decisão colegiada de segunda instância, concorrerem com liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dois dias depois da sua posse na presidência do TSE, ao ser indagado sobre a possibilidade, Fux disse que iria avaliar a questão com seus pares. Em seu entender, como fica?
Índio — Naturalmente, cabe ao presidente do TSE decidir conforme o entendimento de cada caso. Contudo, a Lei não deixou brechas para flexibilizar a própria Lei da Ficha Limpa. A sociedade não aceita retrocessos.
Folha — Apesar do discurso duro, o próprio Fux concedeu liminar que permitiu a candidato ficha suja concorrer a eleição. Condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) por crime em licitação em transporte escolar, Vicente Diel (PSDB) pôde concorrer a vice-prefeito de São Luiz Gonzaga em 2016, com base em decisões monocráticas de Fux pelo STF de 2014 e 2015, contra a aplicação da Ficha Limpa. O que vale para Chico (PSDB) não deveria valer para Francisco (PT)?
Índio — Não tenho um conhecimento maior sobre esse processo e os motivos de convencimento do ministro Fux. Os processos judiciais têm elementos que podem, por exemplo, demonstrar inocência do condenado, cerceamento de defesa e outros requisitos que contrariem os direitos e garantias estabelecidos na Constituição. Volto a dizer que desconheço o caso concreto indicado por você. Mas deixo aqui uma mensagem clara: a luta contra a corrupção no Brasil deve ser sem tréguas. Qualquer brecha que a corrupção encontrar, ela, como um vírus, criará resistências aos remédios. Insisto que a Lei da Ficha Limpa surgiu para ser aplicada a todos, sem distinção.
Folha — Assim que Geraldo Alckmin (PSDB) renunciou ao governo de São Paulo, no último dia 6, para tentar se candidatar a presidente e perdendo o foro privilegiado no STJ, o braço paulista da Lava Jato pediu que seu inquérito, relativo às delações da Odebrecht, fosse encaminhado “com urgência” à primeira instância. Mas, no dia 11, a Procuradoria Geral da República (PGR) tabelou com o STJ e livrou Alckmin da Lava Jato, remetendo o inquérito à Justiça Eleitoral. Isso não reforça as críticas de dois pesos e duas medidas?
Índio — O país está passando por uma grande mexida. Há uma série de autoridades citadas em vários contextos. Todas as defesas delas têm sido levadas em consideração e isso é importante para evitar excessos e, claro, impedir filtros que favoreçam A ou B. Eu entendo a saturação da sociedade. Algo que o dito popular esclarece bem: “gato escaldado tem medo de água fria”. Ao primeiro sinal de condescendência, a gente fica irritado. É natural. Mas a Justiça julga com base nos autos. E enquanto a Justiça proceder respeitando a lei e ordem estabelecida, do Estado de Direito, todos nós estaremos garantidos contra injustiças. Ao que vi e li, a denúncia contra o ex-governador Geraldo Alckmin está mesmo no âmbito da Justiça Eleitoral.
Folha — Para o cidadão leigo uma das maiores críticas à Lava Jato é o fato de não alcançar gente como Alckmin, ou os senadores Aécio Neves (PSDB), Gleisi Hoffmann (PT), Romero Jucá (MDB), José Serra (PSDB), Renan Calheiros (MDB) e Fernando Collor de Mello (PTC). Isso se dá pelo foro privilegiado, que já tem maioria contrária manifesta no STF, mas cuja definição se estava sentada sob às vistas do ministro Dias Toffoli. Na sexta, a presidente Cármen Lucia finalmente marcou a retomada da votação para 2 de maio. Qual a sua expectativa?
Índio — Sou categoricamente contra o foro privilegiado como estabelecido hoje, porque o instrumento está sendo aplicado com distorções absurdas. Deixou de ser uma prerrogativa de quem decide em favor da sociedade contra os interesses localizados para ser um privilégio de quem governa de olhos nos interesses próprios, pessoais e dos aliados. Dou um exemplo simples: um presidente da República que tome uma decisão que contrarie interesses classistas e comece a ser processado no Brasil todo, em primeira instância. Sem foro privilegiado, ele poderia ser condenado em vários lugares até por perda de prazo, concorda? Então, preserva-se o presidente da República e o governador de uma situação como essa. Ou um deputado e senador que faça um pronunciamento mais duro de denúncia e seja processado no Brasil todo por gente que se sentiu agredida. Só que essa prerrogativa virou janela de fuga. Em favor da sociedade, sou contra o foro privilegiado como ele está estabelecido hoje. Votarei contra ele em todas as oportunidades.
Folha — Enquanto a Lava Jato já condenou mais de 140 pessoas por envolvimento em corrupção, o STF não julgou rigorosamente ninguém no âmbito da operação. Mesmo que acabe o foro privilegiado, isso terá efeito prático se cair o entendimento atual do STF para execução da sentença após a segunda instância?
Índio — Se cair o foro privilegiado, os processos contra quem os tinha só chegarão ao STF em grau de recurso. Sem prisão autorizada na segunda instância, todos os condenados só iniciarão o cumprimento da pena depois de vencidos todos os graus de recursos. O foro privilegiado simplesmente exaure a primeira instância para quem tem o foro. Neste sentido, você tem razão. Mas veja a complicação do fato: tiraremos o foro privilegiado e os réus que os tinham ficarão anos livres até que o recurso chegue ao STF. Mas, se não tiramos o foro privilegiado, os processos chegarão mais rápido. O ideal, então, está claro: derrubar o foro privilegiado como está estabelecido e garantir o cumprimento da pena já na segunda instância. Essa é a equação ideal.
Folha — Fiel da balança na negativa ao Habeas Corpus (HC) de Lula no STF no dia 5, a ministra Rosa Weber votou uma semana depois (12), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pela execução da sentença após condenação em segunda instância. Dias Toffoli, ex-advogado-geral da União no governo Lula, assume a presidência e a pauta do STF em 12 de setembro. O que esperar?
Índio — Isenção, equilíbrio na defesa e na preservação da democracia. Toda a sociedade está atenta.
Folha — Acredita que as pessoas que defendem a liberdade de Lula têm a consciência que se for mudada a jurisprudência do STF, de execução após o segundo grau, isso abriria caminho para todos os políticos, empresários e operadores presos por corrupção? Ou, para ver Lula livre, tanto faz se, por exemplo, Eduardo Cunha (MDB) sair pela mesma porta?
Índio — Certamente alguns partidários de Lula têm noção sobre os amplos efeitos da liberdade do ex- presidente. Esses buscam a impunidade pura e simples para Lula e não importa mais quem. Só querem livrar a cara da sujeira a qualquer preço. E também acredito que há os que defendem o Lula cegamente e sem maiores conhecimentos sobre os seus maus feitos.
Folha — Por conta das manifestações de apoio e contra Lula nos arredores da Superintendência de Polícia Federal de Curitiba, onde ele está preso, passou a se cogitar transferi-lo para um quartel militar. Simbolicamente, isso não seria um endosso à narrativa de golpe, sobretudo depois que o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, soltou um tuíte em que falava de “repúdio à impunidade e de respeito à Constituição” na véspera do julgamento do HC do ex-presidente no STF?
Índio — Não há espaço para golpe militar no país. É claro que toda vigilância é necessária. Mas esse discurso de golpe militar é o que os desesperados tentam impor. Temos uma democracia em pleno vigor.
Folha — Você foi candidato a vice- presidente na chapa encabeçada por Serra, em 2010, que perdeu a eleição no segundo turno para Dilma Rousseff (PT). Em sua delação, o ex-presidente da Odebrecht Pedro Novis disse que a empreiteira pagou R$ 52,4 milhões em propina ao tucano. Destes, R$ 23,3 milhões teriam pagos a Serra justamente em 2010, em contrapartida a uma liberação do governo paulista de R$ 170 milhões em créditos devidos a Odebrecht. O que soube sobre isso na época e como reagiu agora às denúncias?
Índio — Serra é um homem honrado. Posso lhe garantir. Fiquei sabendo do fato pela imprensa. Naquela época, o Serra disse, inclusive, que o próprio delator se desmentia nos vídeos da colaboração premiada, falando que Serra nunca tinha ajudado a eles. As investigações prosseguiram e são elas que devem pavimentar o caminho de toda e qualquer denúncia para evitar conclusões apressadas. A Lava Jato sabe fazer seu trabalho. Temos visto os resultados tão claramente. Então, é interesse de todos, inclusive de citados, que os depoimentos tenham uma apuração profunda para um resultado preciso.

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