Daniela Abreu
24/04/2018 11:09 - Atualizado em 24/04/2018 23:16
Apesar da voz cada vez mais audível do movimento feminista, com mulheres atuantes em grupos ou não, o assédio sexual ainda se faz presente no cotidiano feminino. Segundo pesquisa do Datafolha, que ouviu 1.427 mulheres, divulgada em dezembro do ano passado, 42% das entrevistadas, com 16 anos ou mais, declararam já ter sido vítimas de assédio. A pesquisa revelou ainda que 10% delas foram assediadas sexualmente na escola ou faculdade. Destas, 8%, verbalmente e 1%, fisicamente. Em Campos, universitárias vêm se unindo, denunciando casos junto às instituições e se mobilizando nos campi. Na Universidade Federal Fluminense (UFF), um professor teve, na semana passada, a demissão decretada após denúncias de assédio que se iniciaram em 2014. O caso chegou ao conhecimento de uma professora, que é advogada, durante apresentação de trabalho acadêmico. Contra o professor, também foi feita uma denúncia na Polícia Federal e o inquérito foi encaminhado à Justiça. Na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), alunas fizeram intervenções no início do ano letivo, colando cartazes no campus com frases de assédio ouvidas por elas, dentro da instituição. Nesta terça-feira (24), o Coletivo de Mulheres Uenfianas fará uma roda de Conversa com o tema “Direitos Humanos — Um debate sobre assédio sexual e moral nas universidades”. Tanto a ação das alunas da UFF quanto da Uenf têm o apoio do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim), de Campos.
Para o diretor da UFF Campos quando as denúncias começaram, Hernan Mamani, a pressão das alunas foi fundamental para que todo o processo fosse à frente. Ele contou que uma professora substituta já havia feito uma denúncia contra o mesmo professor, mas teve que ser arquivada, por falta de provas, à época. O mesmo não ocorreu com as alunas, que conseguiram juntar provas.
— Foi algo extremamente difícil, extremamente improvável e que não teria acontecido se as meninas não tivessem constantemente denunciado e pressionado — contou Mamani, acrescentando que há um longo caminho. “Isso é uma prática lamentavelmente, demasiadamente estendida e da qual poucas vezes se fala e pede o maior cuidado. Porque os alunos, por mais que, muitas vezes, entrem involuntariamente, estão numa posição vulnerável e frágil. E isso não tem trato, não se fala disso. Quando envolve a hierarquia mestre/aluno, é algo de que ninguém fala”, disse o ex-diretor, ressaltando que o caso é exemplo, mas não único.
Na Uenf, apesar de toda a campanha do Coletivo de Mulheres Uenfianas, com panfletagem nos campi e com elaboração do debate sobre a prática no assédio nas universidades, não há denúncias. A presidente do Comdim, Vanessa Henriques, que também é aluna da universidade, diz que isso se deve ao medo, que ainda se faz presente. “A gente está em diálogo com a reitoria e a gente compreende que o que acontece dentro da Uenf é, para todo mundo, muito notório. Existe uma cultura de abafamento, de medo, medo de ser prejudicada na vida acadêmica. O que a gente mais ouve é: deixa isso para lá, ele vai ser seu professor no próximo ano; ele é professor titular; deixa isso pra lá porque você não gravou”, disse a presidente do Conselho da Mulher.
Para o delegado da PF em Campos, Paulo Cassiano Júnior, além do medo, existe uma cultura machista que envolve a sociedade e que, muitas vezes, prende também as mulheres em um tipo de relação com os homens.
— Não é só o medo das alunas, mas também uma dificuldade de se perceberem como vítimas, porque há cultura machista que impõem às mulheres, essa posição de aceitação dessas investidas do homem. Essa cultura que favorece a insistência masculina, acaba sendo repercutida também na medida em que as mulheres também, culturalmente, acabam aceitando passivamente essas investidas. A investigação tem o mérito de romper essa lógica, romper essa cultura, já que é algo muito difícil que um professor universitário, concursado, doutor, seja demitido das suas funções pela prática de um crime sexual no ambiente universitário, onde normalmente existe uma tolerância ainda maior a essas investidas masculinas. Se na cultura geral isso é tolerado, no ambiente universitário é ainda mais tolerado. Então, o mérito da investigação está em quebrar, romper com esse paradigma, para criar um precedente judicial de uma lógica no sentido contrário — disse o delegado.
Coragem para denunciar e investigar o caso
“Bloqueei no WhatsApp. Com isso, ele começou a enviar SMS, e-mail, passou a me parar nos corredores para saber por que eu não falava mais com ele, mas, mesmo assim, não consegui evitar que ele me visse e comentasse sobre meu corpo, minhas roupas, dizer que eu ‘estava no ponto’ e coisas assim”, disse uma das 16 alunas que denunciou o professor da UFF. Ele conseguiu o número dela solicitando a todos os alunos, no primeiro dia de aula, os contatos de telefone e e-mail para trabalhos.
Segundo Paulo Cassiano, a abordagem do professor era pessoalmente, com envio de mensagem, por telefone ou por rede social. As vítimas eram, em sua maioria, recém-ingressas na universidade. “Eu concluí pela responsabilização criminal desse professor, pela prática do crime de assédio sexual”, disse Paulo Cassiano.
Na universidade, segundo a advogada Semírames Khattar, as investigações foram lentas. “A mobilização foi importante e foi por elas mesmas, justamente para produzir provas. Elas conseguiram fazer uma denúncia e acabou demorando, porque não é comum. A UFF, geralmente, abafa esse tipo de coisa. A gente demorou muito e teve de três a quatro anos para decidir esse caso”, contou a advogada.
O professor Paulo Gajanigo, que foi coordenador do curso à época, disse que a denúncia chegou em janeiro de 2016, por mensagem eletrônica e foi encaminhada à diretoria. No mês seguinte, a coordenação se posicionou a favor de uma abertura de inquérito e, em março de 2016, a sindicância foi aberta, sendo concluída em favor da abertura de Processo Administrativo (PAD) em julho do mesmo ano.
O atual diretor da UFF, Roberto Rosendo, disse que, assim que assumiu, no início de 2017, pediu celeridade na conclusão do caso à reitoria da UFF em Niterói. “No início da nossa gestão, como não havia um procedimento claro, nós pedimos celeridade. Eu fiz um documento, solicitando à comissão celeridade na elucidação do caso”, disse.
Para a advogada, fica a esperança de que próximos casos sejam denunciados e sejam resolvidos democraticamente. “Que fique uma mensagem à instituição. Que, por mais que, de fato, a gente não possa controlar o comportamento humano, ou o comportamento não desejável, pelo menos, erros correspondentes certamente vão acontecer de outra forma, mas que isso não fique abafado. Erros acontecem e cabe à administração fiscalizar”, finalizou.
Formas de atendimento e conscientização
A Uenf, como membro do Fórum das Instituições de Ensino Superior de Campos (Fidesc), formado por iniciativa do Ministério Público Estadual (MPRJ), é signatária do Pacto pela Educação em Direitos Humanos e vem tomando algumas medidas para, dentre outras coisas, combater o assédio sexual e moral em seus campi. “A gente está conseguindo trabalhar um pouco melhor essas questões. A primeira foi reativar a ouvidoria que estava há anos sem funcionar. A gente também ofereceu às pessoas, no portal, a ouvidoria eletrônica. Lá tem a possibilidade de se comunicar para sugestões, reclamações e também denúncia. As meninas do coletivo de mulheres começaram uma campanha de denúncia e conscientização sobre o problema do assédio e, quando começou, a nossa pró-reitora de graduação se ofereceu para acolher qualquer denúncia. Até o momento, nem a pró-reitora, nem a ouvidoria receberam alguma denúncia”, disse o reitor Luiz Passoni.
Para a presidente do Comdim, ainda há muito a ser feito. “Não basta o menino ou a menina denunciar na ouvidoria. A instituição precisa garantir que esse aluno não vai ser destruído em algum momento da sua vida acadêmica, que ele não vai ser prejudicado”, disse Vanessa.
Nesta terça, às 16h, no anfiteatro 3, do Centro de convenções da Uenf, o Coletivo de Mulheres Uenfianas, junto com a universidade, realiza uma roda de conversa com o tema “Educação em Direitos Humanos — Um debate sobre o assédio sexual e moral nas universidades”. Participam, entre os convidados, o delegado Paulo Cassiano e a advogada Semírames Khattar.