Referência em Atafona virou ruínas há 10 anos
Arnaldo Neto 31/03/2018 19:53 - Atualizado em 03/04/2018 17:08
Prédio do Julinho
Prédio do Julinho / Rodrigo Silveira
Segunda-feira, 31 de março de 2008. Dia de sol na praia de Atafona e festa em homenagem à padroeira Nossa Senhora da Penha. Única vez no século que o dia maior das celebrações ocorre no mês março — a data é móvel, oito dias após a Páscoa. Os devotos se aglomeravam na praça para a procissão. Os santos, em andores decorados, saíam da porta da igreja como se olhassem para o horizonte, aonde a avenida Nossa Senhora da Penha se encontra com a rua Feliciano Sodré, e por ali mesmo elas se encerram. O mar, que há décadas redesenha a praia da foz do Paraíba, destruindo ruas, casas e comércios, havia chegado naquele ponto e ameaçava, há alguns meses, derrubar o combalido, mas ainda resistente Prédio do Julinho. Se as imagens dos santos enxergassem, veriam a construção de pé pela última vez. Cinco dias depois — sábado, 5 de abril — o mar venceu. Era fim de tarde quando o edifício sucumbiu: caiu sobre ele mesmo, como em uma perfeita implosão. Foram poucos segundos para virar pó, concreto e ferragens retorcidas. Há 10 anos, o Prédio do Julinho, referência nos tempos áureos do já submerso Pontal, desabou.
O prédio foi erguido na década de 1970 por Júlio Ferreira da Silva, um comerciante e leiloeiro campista que passou a viver em Atafona. Ele morava com a família em uma casa que ficava próximo ao antigo Farol, na beira mar. No térreo do prédio chegaram a funcionar supermercado, bar, padaria e restaurante. Era o ponto final do ônibus, na entrada do antigo Pontal. Filha do Julinho, a jornalista Júlia Maria Assis conta que o pai ergueu mais três andares, com um total de 48 suítes. O primeiro foi concluído, mas o hotel nunca funcionou. O segundo e o terceiro não chegaram a ter o acabamento finalizado.
Julinho ficou doente e morreu em 1981, aos 66 anos. No período da doença, o espaço comercial foi arrendado e alguns apartamentos, que passaram a ser residência, chegaram a ser vendidos. Anos mais tarde, com risco de desabamento, o imóvel, um projeto ousado, foi interditado pela Defesa Civil. “Meu pai foi um grande empreendedor. Era apaixonado pelo projeto do hotel e por Atafona. Com certeza a doença veio muito da tristeza de ver o mar começando a levar as ruas de Atafona e saber que seu sonho estava ameaçado. Mas nunca ouvi dele nada sobre arrependimento. Perdemos um patrimônio e isso é difícil, claro, mas nem para o meu pai e nem para ninguém da nossa família isso significou que Atafona deixasse de ser para nós o melhor lugar do mundo. Atafona é nosso lugar e temos um respeito muito grande pelo mar”, afirmou Júlia.
Vizinha do Prédio do Julinho, Sônia Ferreira faz suas orações de frente para o mar. Nem sempre foi assim, já que quando construiu a casa, nos anos 1980, além do Julinho ainda tinha de passar por muitas ruas, entre elas a avenida Atlântica, até chegar à beira mar. Antes mesmo de construir sua residência, veraneava na casa da sogra, que fica ao lado. Conheceu o “seu Julinho” e viu o prédio ser erguido. “Foi o primeiro supermercado de Atafona, tinha o bar, a padaria. Depois que o prédio foi feito, era nossa referência. Tudo era no Julinho. Quando a gente fez a nossa casa, era em frente ao Julinho. Na nossa calçada ficavam as bancas de jornal, de verdura, o ponto de ônibus. Tudo por ser em frente ao Julinho”, lembra.
Sônia viu a área ser isolada pelo risco de desabamento, a intensa movimentação da imprensa e dos curiosos até o prédio desabar. As ruínas do Julinho formaram uma espécie de proteção para sua casa. Hoje, o mar volta a assustar. Está batendo próximo ao muro — e a preocupação é ainda maior nessa época, durante as marés de lua. Foi em uma dessas marés que ela pôde ver, da sacada de sua casa, o edifício vir abaixo. Dez anos depois, mas nítido na memória como se fosse ontem, Sônia conta como foi aquele fim de tarde do dia 5 de abril de 2008 :
— A gente estava acompanhando e sabendo que estava pra cair a qualquer hora. Ele já estava rachando. O prédio fez um barulho forte. Deu um estalo forte e desceu sobre ele, levantando uma poeira. Não caiu um pedaço de tijolo, cimento, nada aqui dentro de casa. Eu queria até ter pego um pedaço como recordação, mas não caiu nada no meu jardim. Se não fosse tão trágico, tão triste, seria uma coisa bonita de se ver. Mas deu uma dor no coração, me lembro que, na hora que ele caiu, eu chorei. A gente perdeu uma referência da vida toda.
Nestes 10 anos após a queda do edifício, projetos foram discutidos, mas nada de real surgiu para conter o avanço do mar em Atafona. Ainda que em ruínas, o Prédio do Julinho continua a ser referência. Nem que seja como ferida exposta dessa longa briga travada entre o homem e o mar no litoral sanjoanense, da qual a força das ondas, há décadas, sai vencedora.
Queda do prédio do Julinho
Queda do prédio do Julinho / Rodrigo Silveira

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