Daniela abreu
17/03/2018 14:15 - Atualizado em 19/03/2018 14:41
Nas regiões de Lagoa de Cima e Imbé, rios, estradas e lagoa se confundem em diversos trechos. Desde as fortes chuvas da semana passada, a população tem sofrido com quedas de barreiras nas estradas, alagamentos encobrindo os acessos e levando perigo às residências, pontes quebradas e falta de assistência. A reportagem da Folha da Manhã esteve na região, onde só é possível chegar de barco, e constatou as dificuldades que moradores têm enfrentado. São famílias em isolamento, sem transporte público e assistência médica e pequenos agricultores sem opções para escoamento da produção, em contraste com pescadores que comemoram o alagamento de áreas de desova, que não recebiam grande volume de água há cerca de cinco anos. O alagamento, porém, apesar de ser parte de um ciclo natural da região, é agravado pelo desmatamento na região do Imbé, barragens irregulares na Lagoa de Cima e assoreamento dos rios, canais e da Lagoa Feia.
A equipe seguiu de barco até o ponto onde os rios Urubu e Imbé desembocam na lagoa. O volume de água torna impossível identificar os limites de cada um, assim como a estrada. Até Conceição do Imbé são mais de quatro trechos onde a água invadiu o asfalto encobrindo cercas.
Os ônibus, que atendiam aos moradores, estão impossibilitados de cumprir o itinerário normal, pela Tapera. Para se deslocar ao Centro é necessário conseguir uma carona até Rio Preto, por onde não há interrupções na estrada. Além disso, a população ficou sem energia elétrica desde o último dia 10. O serviço foi regularizado na última quinta-feira, mas interrompido novamente depois do temporal de sexta.
Outra preocupação é com a saúde da população. A Unidade Básica de Saúde (UBS) de Lagoa de Cima está fechada, mas ainda que estivesse funcionando, não teria como atender mora-dores de locais acessíveis somente por barcos.
Segundo Rui Henrique de Souza, que já foi encarregado da unidade, o motivo é a falta de medicamentos e de médicos, que teriam alegado falta de transporte para a unidade.
— Se alguém passar mal, não tem como ser atendido aqui. Hoje (sexta), às 14h, está com cadeado no portão e todo fechado e tem sido assim todos os dias. Não tem nem analgésico. Temos o posto de Conceição do Imbé, mas só tem uma ambulância, que não é equipada, e o motorista — disse.
Em nota, a Prefeitura informou que “devido à queda de algumas barreiras no trecho de Lagoa de Cima, a secretaria de Infraestrutura e Mobilidade Urbana encaminhou maquinário e caminhões desde o início da semana, para que sejam desobstruídas as vias de acesso afetadas”. Já a Defesa Civil do município esclareceu que “vem mantendo contato com moradores da região de Lagoa de Cima, para promoção da assistência necessária e, na última sexta-feira, recebeu a solicitação de água potável”.
O Instituto Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT) informou que, “na próxima semana, novas medidas serão tomadas para resolver a situação dos moradores desta região”. A nota diz ainda que “os órgãos municipais estão finalizando levantamento sobre situação no local a fim de traçar novas ações de assistência às famílias”.
Quanto à UBS de Lagoa de cima, a subsecretária de Atenção Básica, Cintia Ferrini, disse que “está sendo reativada e estará funcionando normalmente na próxima semana”.
Apesar de transtornos, volume de peixe subiu
“O volume de água retribui em volume de peixe.” A frase foi dita pelo morador Rui Henrique de Souza ao ressaltar que a Lagoinha é o berçário da Lagoa de Cima. Segundo ele, a estiagem prolongada e o baixo índice pluviométrico, desde 2012, fizeram espécies como a tilápia, traíra, sairu e piabanha quase sumirem do ecossistema local.
A informação foi comprovada pelo ambientalista Aristides Soffiati, que explicou que os peixes precisam de águas rasas, quentes e com vegetação para desovarem. “Tudo isso torna a região alagada de Lagoinha ideal para a reprodução das espécies nativas. No entanto, barragens irregulares construídas por proprietários de terras e o desmatamento no Imbé, vem limitando essa área e condenando, não só a sobrevivência dos peixes como da própria Lagoa de Cima. Além das barragens, o desmatamento faz as águas chegarem com mais terra e quando encontra aquele volume de água ‘parada’ da lagoa, fica ali, deixando ela cada vez mais rasa”, disse Soffiati.
O ambientalista disse ainda que o assoreamento dos canais e da Lagoa Feia, que também sofre o problema de barragens irregulares, é um dos fatores que contribuem com as enchen-tes prolongadas em Lagoa de Cima. “Os canais estão entupidos por sedimentos e plantas desde 2012 e a Lagoa Feia vem sendo invadida. Ela tinha 370 km² em 1900 e atualmente está com 200 km². Se os diques implodidos em 2008 foram reconstruídos, a área atual é de 170 km²”, alertou Soffiati.
Produtores não conseguem escoar produção
No percurso de Lagoa de Cima até Conceição do Imbé foram identificados mais de cinco agri-cultores familiares com problemas no escoamento da produção. Paulo Roberto de Abreu, morador de Lagoinha, está com mais de 100 litros de leite sem ter como levar à fábrica de laticínios, localizada em Aleluia, por conta dos bloqueios nas estradas, onde a água invadiu a pista.
— Meu medo é perder tudo. Ficamos sem luz desde sábado (10). Só voltou ontem (quinta) e voltou a faltar hoje (sexta), de novo, depois do temporal — disse o agricultor, que contou ainda que produtores que vendem na Feira da Roça também estão prejudicados.
O superintendente de Agricultura e Pecuária, Nildo Cardoso, disse que se reunirá com o pre-sidente do grupo de produtores da Feira da Roça para viabilizar uma solução. Ele disse ainda que iria ao local para analisar melhor a situação. Nildo contou que a vazão do rio Ururaí para a Lagoa Feia e da Lagoa Feia para o Canal das Flechas é insuficiente para o volume de água que a região vem recebendo. “Passamos toda a situação para o André Corrêa (secretário de Esta-do de Ambiente) para viabilizar uma flutuante em Ponta Grossa para retirar a vegetação que veio com a pressão da água”, disse ao acrescentar que as três comportas do Canal das Flechas estão abertas.