"Provas claras na Chequinho"
Suzy Monteiro 14/01/2018 09:57 - Atualizado em 16/01/2018 16:10
Juiz Eron Simas
Juiz Eron Simas
Em entrevista exclusiva - a primeira desde que assumiu a esfera cível-eleitoral oriunda da operação Chequinho - o juiz Eron Simas fala sobre condução das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), que levaram à condenação de 42 réus, entre eles, a ex-prefeita Rosinha Garotinho. Como efeito das sentenças de Eron Simas, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) já cassou o mandato de oito vereadores de Campos, sendo que dois deles - Jorge Magal e Vinícius Madureira - estão recorrendo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas fora dos cargos. O magistrado diz que em todas as sentenças estão demonstradas, de maneira muito clara, as provas que levaram à condenação ou à absolvição. Afirma, ainda, que não parece crível que a ex-prefeita Rosinha ignorasse o que estava acontecendo e diz que a Lava Jato é importante, mas, por si só não é a solução para a corrupção no Brasil.
Folha da Manhã – O senhor assumiu o caso Chequinho no dia 21 de setembro de 2016, no auge da operação e às vésperas da tensa eleição municipal. Assumiu, por determinação do então presidente do TRE, desembargador Jayme Boente, depois que vários magistrados se declararam impedidos. Como recebeu esta “missão”?
Juiz Eron Simas – Para o juiz, eleição municipal é sempre um desafio, principalmente em cidades de interior, onde há essa proximidade dos candidatos com os eleitores. Em Campos, pelo histórico de acirramento político, é ainda mais desafiador. Fui pego de surpresa com a nomeação, que ocorreu devido à licença-médica de uma colega, mas logo que comunicado, procurei tomar par do que estava ocorrendo, resolver o que havia pendente e manter a tranquilidade para cumprir a tarefa da melhor maneira possível.
Folha – No dia seguinte, o senhor proferiu sua primeira decisão no caso: Suspendeu, até as eleições, o Cheque Cidadão para cadastrados a partir de junho daquele ano. Na decisão, destaca a importância do programa social, prova documental indicava que passou a haver componente político, “tornando-o ferramenta de campanha eleitoral”. Já naquele momento identificava-se isso?
Juiz Eron Simas – É. Naquele momento as investigações ainda estavam no início, mas já era possível verificar que havia algo de errado. Além do número de beneficiários do Cheque Cidadão ter aumento consideravelmente num curto período, as listas encontradas na empresa responsável pela confecção dos cartões indicavam um número ainda maior de pessoas inscritas. Foi essa diferença alarmante e até então inexplicada que chamou a atenção e que gerou suspeita. No entanto, mesmo diante deste cenário, busquei preservar as pessoas que já recebiam o Cheque Cidadão há mais tempo, porque elas nada tinham a ver com essa situação. E nós sabemos que no final são essas pessoas mais humildes, que realmente dependem do benefício para viver, que acabam sofrendo. Quis preservá-los disso e focar apenas nos beneficiários inscritos de última hora, isto é, nos meses próximos às eleições.
Folha – Por incontáveis vezes na esfera criminal-eleitoral da Chequinho, o ex-governador Garotinho, a então prefeita Rosinha e os demais réus contestaram a presença do juiz Ralph Manhães no processo. De certa forma o senhor foi mais “poupado”. Os ataques não eram tão diretos, embora houvessem. Como vê este posicionamento dos políticos envolvidos no caso?
Juiz Eron Simas – Infelizmente, esse é um comportamento que tem se tornado frequente. Isso faz me lembrar de uma de frase de Millôr Fernandes. Em uma de suas tiradas sarcásticas, Millôr se questionava: “Como posso confiar numa justiça que não me dá razão?” No entanto, descontentamento com decisão judicial resolve-se pela via do recurso, jamais por ataques pessoais ao juiz, com o intuito de pôr em xeque a sua integridade e a sua imparcialidade de forma infundada.
Folha – No decorrer do processo, o senhor recebeu algum tipo de pressão? Alguma ameaça, mesmo que velada?
Juiz Eron Simas – Nunca recebi qualquer tipo de pressão, nem de ameaça.
Folha – Foram 38 Aijes e apenas um dos réus não condenado – Wellington Levino. A teoria da “perseguição” alegada pelo casal Garotinho é derrubada por este número de ações e 42 réus?
Juiz Eron Simas – Na verdade, a tese de perseguição que eles sustentam é porque todos os condenados seriam do seu grupo político. Mas posso afiançar, ao menos que diz respeito à minha atuação – e só posso falar por mim –, que sempre conduzi e julguei os processos com absoluta imparcialidade. Não julguei nenhum dos réus a partir da aproximação política que tem com A ou B. Em todas as sentenças estão demonstradas, de maneira muito clara, as provas que levaram à condenação ou à absolvição. As partes e o público em geral têm o direito de discordarem da sentença, mas nunca poderão dizer que decidi de tal ou qual forma para prejudicar ou favorecer quem quer que seja.
Folha – Além das provas testemunhais, havia os documentos apreendidos e que demonstraram o aumento de beneficiários: Oficialmente, entre março e agosto, passou de 11.542 para 12.954. Extraoficialmente, em uma lista da Trivale/Valecard, para 30.469. Mais de R$ 6 milhões repassados pela Prefeitura à empresa em um único mês, enquanto se fosse pelo oficial seria cerca de R$ 2,6 milhões. Essa sangria nos cofres públicos era muito aparente, difícil não enxergar, correto?
Juiz Eron Simas – Eu acho difícil não enxergar, sobretudo pelo considerável aumento de repasse num momento em que se dizia de crise financeira. De qualquer forma, essa questão ainda será levada à apreciação do TRE e, possivelmente, ao TSE, de sorte que não me sinto à vontade tecendo considerações específicas e alongadas sobre o mérito de recurso ainda pendente de julgamento. Também não sou de fazer ode às minhas decisões.
Folha – Como o senhor mesmo diz na sentença “o conjunto probatório também não deixa qualquer dúvida de que a inscrição indiscriminada e clandestina de novos beneficiários no programa social Cheque Cidadão tinha por objetivo servir como moeda de troca por voto em benefício dos candidatos aliados do grupo político que estava à frente da administração municipal”. Acha que essa quantidade de provas era uma demonstração de crença na impunidade?
Juiz Eron Simas – Tenho para mim que sim. Até bem pouco tempo o pensamento reinante era o de que em eleição podia-se fazer tudo. Aliás, há a célebre frase de uma ex-presidente da República de que em hora de eleição pode-se (podia-se) fazer o “diabo”. Contava-se muito – e que devemos fazer uma mea-culpa – que eventuais abusos, se descobertos, dariam em processos que se arrastariam por anos na Justiça Eleitoral. Hoje o cenário está bem diferente e devemos lutar para permaneça assim. Digo mais: devemos avançar para começar a investigar e punir também os que vendem o seu voto. Atualmente, há uma caçada contra os políticos por corrupção eleitoral – o que é salutar, mas um aparente esquecimento de um sem número de pessoas que fomentam esse comportamento. Não podemos tratar o eleitor que troca o seu voto por “carrada de areia”, por “milheiro de tijolos” e por cargos comissionados para parentes como vítimas. Essas pessoas são tão responsáveis quanto os candidatos. Não podemos esperar uma reforma política sem a correspondente e necessária mudança daqueles que são os responsáveis por prover esses cargos.
Folha – Na sentença da Aije principal, o senhor cita sobre a participação da então prefeita Rosinha: “...ingênuo supor que a investigada ignorava a compra de votos com o Cheque Cidadão. A magnitude do esquema, por si só, rechaça qualquer raciocínio que tente trilhar por esse caminho”. E, em outro trecho: “Quanto a ela também são duas as hipóteses possíveis, ambas conducentes à sua responsabilidade. Ou a então Prefeita avalizou a realização da fraude eleitoral por meio da distribuição irregular de Cheque Cidadão ou, ao menos, permitiu que essa ilegalidade fosse cometida, por meses, fazendo vista grossa”. Em uma terceira vez: “Em conclusão, reitera-se, quanto à investigada Rosângela Rosinha Garotinho Barros Assed Matheus de Oliveira, não é crível, nem lógico, que tenha sido alijada do processo decisório que resultou no esquema fraudulento com o programa Cheque Cidadão. De outro lado, mesmo que se admita, por suposição, essa possibilidade, não há como escapar do juízo de responsabilidade que advém de sua flagrante omissão, ao permitir tamanha violação aos cofres públicos do Município que comandava”. Era pontuar exatamente a participação da ex-prefeita no esquema?
Juiz Eron Simas – Exato. Não me pareceu crível que ela desconhecesse tudo o que estava ocorrendo. De toda forma, repito aqui, essa questão será analisada pelo TRE e talvez pelo TSE. Assim, não me sinto à vontade para comentar sobre detalhes.
Folha – O TRE tem confirmado todas as sentenças da Chequinho, o que resulta na cassação dos mandatos e o consequente afastamento dos condenados. O TSE já confirmou a sentença de um deles. Os demais ficarão para 2018, o TSE já sob a presidência do ministro Luiz Fux. Na primeira prisão do ex-governador Garotinho, ele chegou a dizer que o TSE concedeu Habeas corpus pela “fragilidade” da prova que levou à prisão preventiva. Como avalia que o TSE deverá se comportar nos casos da Chequinho no próximo ano?
Juiz Eron Simas – Não há como fazer qualquer prognóstico. Como se diz, cada cabeça é uma sentença. Para agravar, o julgamento é colegiado. Há que se considerar, ainda, que os processos envolvem a valoração de provas, o que permite interpretações diversas. O mais importante é mantermos a confiança na lisura e imparcialidade dos julgamentos. Não podemos apenas aplaudir quem concorda conosco e pôr em dúvida a integridade de quem decide de forma diferente. Infelizmente, isso tem ocorrido.
Folha – A eleição do ano passado foi a primeira depois da operação Lava Jato já devidamente consolidada, com os efeitos já percebidos e confirmados através de prisões e condenações. A operação também já estava em andamento no Rio. A Lava Jato, sem dúvidas, é um divisor de águas na Justiça brasileira. Acha que os políticos têm consciência disso? De que o Brasil que existia antes dela acabou?
Juiz Eron Simas – Veja bem: sou um pouco pessimista em relação a isso. Acho que ainda é muito cedo para asseverarmos que o Brasil que existia antes da Lava Jato acabou. Não podemos esquecer que os esquemas de corrupção continuaram mesmo com a operação todos os dias nas primeiras páginas dos jornais. Além disso, são mais de 500 anos de uma cultura política carregada de vícios. É ilusão acreditar que em três anos esse problema estará resolvido. A mudança dependerá, em muito, das nossas escolhas nas próximas eleições. Mas com cuidado redobrado. Se fizermos um paralelo com a Itália, vamos observar que foram os resultados positivos da Operação Mãos Limpas que criaram o cenário para a ascensão de Silvio Berlusconi e o resultado dessa história nós conhecemos. Então, em resumo, acredito que a Operação Lava Jato foi importantíssima, mas, por si só, não é a solução. O Judiciário, apesar dos ataques que vem sofrendo da classe política, deve continuar firme na sua missão de combate à corrupção. E, para finalizar, embora digam que elogio em boca própria é vitupério, deve-se reconhecer que nesse quesito a Justiça de Campos dos Goytacazes tem se destacado.
Folha – No final do ano, o vazamento de um áudio atribuído ao juiz Glaucenir Oliveira acabou repercutindo na imprensa e no meio político e jurídico. Até o momento, ele responde em três frentes: Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Corregedoria Geral da Justiça Eleitoral movidas pelo ministro Gilmar Mendes e inquérito da Polícia Federal. Como o senhor viu o episódio?
Juiz Eron Simas – Prefiro não comentar sobre esse assunto.
Folha – Em um julgamento no TSE, em abril do ano passado, o então ministro Hermann Benjamin falou, de maneira irônica, que deveria ser muito difícil atual em Campos porque “juiz não presta, promotor não presta, polícia não presta”. Quinta-feira, durante visita do presidente do TRE, desembargador Fonseca Passos, à cidade, os juízes eleitorais relataram a dificuldade de conduzir processos aqui na cidade. É realmente difícil atuar aqui?
Juiz Eron Simas – A observação feita por Sua Excelência, o ministro Hermann Benjamin, referia-se – de fato em tom irônico – a algumas queixas e acusações feitas por determinados réus a autoridades que participaram da Operação Chequinho. Mas, no geral, ser juiz em Campos é como ser Juiz em qualquer outro lugar. A peculiaridade daqui é esse intenso e constante embate de forças políticas, do qual o magistrado deve estar ciente e cuidar para que não influencie na sua atuação. Isso exige equilíbrio e sangue frio.
Folha – Qual sua impressão da reunião com desembargador Fonseca Passos (presidente do TRE, que esteve em Campos quinta-feira, dia 11)? O que se pode esperar da próxima eleição?
Juiz Eron Simas – A reunião destinava-se apenas a Juízes que estão em exercício da Justiça Eleitoral, o que não é mais o meu caso. Por isso, não participei. Passei apenas ao final para cumprimentar o presidente, Des. Fonseca Passos, e o corregedor, Des. Carlos Santos. Quanto à próxima eleição, são eleições gerais, de modo geral, mais tranquilas do que as eleições municipais. Mas seja como for, a população pode esperar uma Justiça Eleitoral atuante, presente, e muito atenta a toda e qualquer ação que busque influenciar indevidamente na disputa entre os candidatos.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS