Jéssica Felipe
27/01/2018 16:35 - Atualizado em 30/01/2018 16:37
A arte sacra, simbologia e manifestação artística do sagrado, surge na Roma com o nascimento de Cristo. Para a pequena São João da Barra, a tradição católica revela muito mais do que aspectos religiosos, conta a história de um povo. Com o trabalho de restauração, o município tem se destacado na valorização da arte como um legado histórico e artístico para as futuras gerações.
Jorge Renato da Silva Amaral é, atualmente, o artista responsável pelo trabalho em São João da Barra. Ele explica que a restauração é um exercício “minucioso, que exige além da técnica, pesquisas para a manutenção da arte original”. Movido pelo sentimento de realização, Jorge fala da experiência com a imagem de Nossa Senhora da Penha, padroeira de Atafona, restaurada há nove meses.
— Cores originais foram recuperadas e no final a santa de volta a igreja em Atafona para a tradicional festa que arrasta multidões. Vi a realização de um projeto arrojado, mas que ao final valeu todo esforço — considerou o artista.
A imagem da Nossa Senhora da Penha foi retirada da igreja para o processo de restauro, que durou cerca de um ano. Jorge Renato relembrou os desafios ao manter a proposta de recuperação na sua perspectiva original. “Ela ia voltar com uma ‘nova’ roupagem. Pois muitos já estavam acostumados a ver a imagem naquele estado de repintura. Fui corajoso em ‘mudar’”.
A dificuldade de encontrar materiais compatíveis com a época da confecção da imagem foi o principal desafio do artista: “Ver as pessoas dizerem que a imagem estava linda é emocionante e o resultado do trabalho foi dedicação e amor”.
O próximo objetivo do artista é entregar o altar-mor da igreja de São João Batista restaurado em talha de madeira, na festa do padroeiro da cidade, em junho desse ano. Atividade que já está em andamento.
Para o pesquisador de cultura popular Ricardo Gomes, a arte sacra sanjoanense possui um “valor afetivo e efetivo não apenas para a comunidade católica, mas para a cidade. Este conjunto precisa ser preservado como um legado para as futuras gerações. Um legado que representa a memória religiosa católica”.
Jorge Renato sente orgulho de sua atividade
Um talento nascido no coração e reconhecido na cultura sanjoanense. Jorge Renato da Silva Amaral, de 28 anos, sempre foi muito curioso e dedicado. Aos 15 anos, fez sua primeira restauração e conta, em tom de riso, que ela (estátua de São Francisco) “não ficou muito boa, não”. Inspirado em grandes nomes da arte nacional, como Aleijadinho e Mestre Ataíde, seguiu apaixonado pela arte sacra.
Formado em artes visuais pelo Centro Universitário Fluminense (Uniflu), em Campos, Jorge se especializou em policromia (técnicas seculares), no laboratório do museu da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hoje, reconhecido entre as igrejas da região, em SJB restaurou e pintou diversas imagens, como Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora das Dores, Nossa Senhora da Penha e o próprio padroeiro São João Batista. “Desejo que através desse trabalho eu consiga conscientizar as pessoas para a preservação do patrimônio sacro”, revela Jorge.
Historiadora fala de identidade cultural
“Uma manifestação artística do sagrado, que ao mesmo tempo traz à tona a essência do homem”, essa é a reflexão da historiadora sanjoanense Analice Ribeiro. Para ela, “o que dá identidade a fé católica são os rituais litúrgicos, por isso a necessidade de preservação dessa arte, para que nossa identidade não se perca”. Em termos históricos, Analice explica que a cidade tem um legado importantíssimo, porque foi colonizada por reinos católicos.
— Qualquer religião é baseada em rituais. E os nossos rituais (sanjoanenses) estão ligados diretamente a arte sacra, que está ligada à nossa colonização. Acho que isso é fundamental e deve ser mantido, porque só assim a gente compreende o nosso passado e a nossa fé. As pessoas se reconhecem e se identificam através desses rituais — considera a historiadora.
Analice acrescenta ainda, que o calendário litúrgico do município é um potencial para o turismo religioso, o que para ela “com organização e planejamento, atrairia cada vez mais fiéis, com caráter cultural, religioso e turístico, para preservação da arte e do patrimônio”. Aos professores de história, Analice faz um adendo: “explorarem mais o nosso município com aulas lúdicas utilizando os patrimônios históricos que possuímos”.