O Brasil é mesmo o País dos contrastes. Vistos de forma gritante em diferentes cenários, ora exibe faces da sétima economia do mundo e do espetacular potencial de suas riquezas naturais ora, contudo, revela não ter se livrado das âncoras de terceiro mundo, ‘deixando’ faltar água na maior cidade da América do Sul ou, pior, tendo que lidar com o que se pensava superado no século passado, como a Dengue e, agora, a febre amarela.
Num misto de despreparo e de falta de informação, o Brasil assiste neste início de 2018 ao aumento de casos que beiram nível alarmante.
Além das Regiões Norte, Centro Oeste e parte da Nordeste – onde há maior incidência por causa da mata e dos rios – a doença avança sobre estados de São Paulo, gerando pânico na população que fica perdida entre os anúncios ‘oficiais’ de que existe vacina de sobra, e a realidade das grandes filas defronte aos postos de saúde.
Diferentes mosquitos – No geral, as autoridades confirmam que não há surto em centros urbanos e que o alerta se restringe às áreas florestais. Segundo divulgam, os casos registrados são de origem silvestre, de pessoas que estiveram em áreas endêmicas e foram picadas por mosquitos dos gêneros Heamagogus e Sabethes. Já o ciclo urbano da doença acontece quando ela é transmitida pela picada de mosquitos Aedes aegypti.
Médico Nélio Artiles analisa questão no âmbito local
A grosso modo, observa-se que a situação de descontrole ocorre mais por falha de comunicação do que por gravidade epidêmica.
Contudo, como os noticiários nacionais dão informações genéricas que se perdem num País de dimensão continental, buscou-se ouvir o médico campista Nélio Artiles, renomado infectologista, que fez breves considerações sobre o quadro, digamos assim, no âmbito doméstico, tentando fugir à linguagem técnica que não chega ao leigo e focando nas dúvidas que com maior frequência afligem a população.
Com 33 ano de profissão, Nélio Artiles cursou a Faculdade de Medicina de Campos. É formado em Clínica Médica, com residência no Hospital dos Servidores do RJ e especialização em Infectologia pela UFRJ.
Especialista pela Sociedade Brasileira de Infectologia, ao retornar para Campos, após o mestrado, lutou para dotar o município do Centro do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Ferreira Machado, hoje referência no Estado do Rio, que atende pacientes com quadros de doenças como tuberculose, meningite, Aids, entre outras.
Membro-fundador da Sociedade Brasileira de Imunização, professor de várias cadeiras das Faculdades de Medicina de Campos e Redentor, atua também no Hospital Álvaro Alvim – entre várias outras atividades desenvolvidas área Médica.
Os moradores de Campos precisam tomar a vacina contra a febre amarela?
É preciso deixar claro que Campos não passa por nenhum surto de febre amarela. Contudo, a orientação é que todos deveriam, sim, fazer a vacina contra a doença, porque sem dúvida estamos sob risco de reaparecimento na área urbana. Então, o ideal é todos tomem. Não apenas em Campos ou no Rio de Janeiro, mas no Brasil inteiro, para impedir que a doença chegue, já que desde 1942 não se tem registro de febre amarela urbana. Os casos que nós temos são silvestres, causados por mosquitos de área silvestre.
Há diferença quanto à prevenção entre a população urbana e a que reside nos distritos, em áreas de mato?
Olha... o vírus da febre amarela, por sinal parecido com o da Dengue, é transmitido por um mosquito da mata, que vive em copas de árvores. Vez por outra eles chegam ao chão, mas geralmente ficam no alto. Por isso atingem em cheio os macacos. Aliás, é um equívoco pensar que o macaco transmite a doença. Ao contrário, o macaco morre para mostrar à população que existe naquela região a febre amarela. Então, os cuidados devem ser os mesmos com toda transmissão por mosquito, colocando-se mais atenção para a área silvestre. Nós temos experiência com o Aedes aegypti, que é o potencial causador da febre amarela, mas atualmente não é ele que está transmitindo. O cuidado básico que se tem que ter é para que o mosquito silvestre não alcance o ambiente urbano.
Quem mora em Campos e está de viagem marcada, deve tomar a vacina?
Diria que sim. Não apenas agora, que as pessoas viajam mais para a região dos dos Lagos, etc. mas todo o ano. Nos meses frios, são as serras. Então a prevenção deve ser permanente e a forma efetiva de prevenção é a vacina. É bom lembrar que muitas vezes as pessoas viajam de repente, e a vacina precisa de no mínimo 15 dias para fazer efeito.
Excluindo-se as pessoas cuja recomendação é que não tomem a vacina, e que não pretendam viajar para áreas de risco, tomem as vacinas?
É como disse. Todos devem buscar se proteger. Mas as pessoas que estão fazendo uso de medicamentos contra câncer, que têm Aids, com defesa muito baixa, que usam cortisona em altas doses que baixam a imunidade, mulheres grávidas, idosos de 60/65 anos e todos esses grupos de risco precisam ser cautelosos e, cada qual, ser avaliado por um profissional. Afinal, é uma vacina de virus vivo. Modificado e atenuado, mas vivo.
No caso de indivíduos que não têm necessidade absoluta de tomar a vacina, mas que poderiam tomá-la por precaução, há algum risco em face do vírus inoculado?
A chance de efeito colateral, adverso, é muito pequena. A vacina é super segura. Milhões e milhões de pessoas já tomaram essa vacina. Nós exportamos essa medicamento para vários países do mundo. Então, tirando aquelas que estão na faixa de risco face a doenças, gestação ou idade, não vejo problema.
O chamado ‘vírus inoculado’, de baixo teor ofensivo pode causar problema? Ou seja: uma pessoa pode pegar febre amarela por tomar a vacina?
Não. Não causa febre amarela. Pode causar alguns efeitos muito leves, mínimos, discretos. A pessoa pode ter uma febre, ou um mal estar, que nem vai interferir em seu dia-a-dia. E ainda assim é raro. Agora, quem está com uma doença de imunidade baixa, pode ter algumas alterações indesejadas. Deixando claro: a imunidade um pouco baixa por motivo de estresse, processo gripal, etc. isso não é justificativa para não usar a vacina. Ela só não deve ser aplicada naquelas situações de defesa gravemente baixa, pelos motivos já citados.
Quem estiver com baixa imunidade vale a pena tomar um complexo vitamínico?
Não. Isso é mito. Não há nenhuma comprovação de que vitamina aumente a imunidade. Pode-se pensar em vitaminas para outros efeitos, não em relação à baixa imunidade. Não há que se preocupar em ter uma imunidade baixa e não poder tomar a vacina. Minha sugestão é que todos que não tenham doença crônica de base, com a defesa drasticamente baixa, devem tomar a vacina. Mas, se tiver dúvida, é bom procurar um médico e, se for o caso, buscar fazer algum exame.
A vacina como medida preventiva, sem causa objetiva, é aconselhável ou desaconselhável? E quanto a ser fracionada?
Sempre recomendável para quem não está no grupo de risco. O sistema de vacinação de Campos é bem efetivo. Acredito que estejam disponíveis na Secretaria de Saúde. E a vacina aqui, disponível, não é fracionada. A fracionada foi disponibilizada onde há surto, que não é o caso de Campos. Contudo, é importante afirmar que a vacina, mesmo fracionada, é eficiente e bem interessante para proteção em torno de 9 a 10 anos.
E a repetição depois de 10 anos?
A vacina não fracionada protege pelo resto da vida. Antigamente havia orientação de se repetir depois de 10 anos. Hoje já se sabe que ela é duradoura. É bom frisar: a possibilidade de uma febre urbana, ela existe por causa do Aedes aegypti. Mas sabemos que o Aedes aegypti de hoje não é o africano, é o asiático, que parece ter menor poder ofensivo. Vou repetir: todos que podem devem tomar a vacina, mas não se justifica o pânico.
O uso de repelentes é recomendável?
São eficientes sim e relativamente seguros. É raro haver reação alérgica. Claro que pode aparecer, mas não é comum. É preciso cuidado porque com o calor o repelente dura pouco e não há garantia de 100%.
É verdade que o mosquito transmissor da febre amarela é diurno?
É importante estar atento o tempo todo. Mas, via de regra, esses mosquitos atuam mais na parte da manhã, na hora do almoço o meio da tarde. Picam geralmente no período mais quente. A fêmea coloca até 80 ovos no ciclo produtivo. Mas repito: ele pode picar também de noite, não há uma regra.
Como saber se determinada pessoa contraiu a febre amarela já que os sintomas são semelhantes a viroses?
De fato é uma doença que se inicia como quadro viral, com febre, dor no corpo. Mas a forma grave é fácil perceber: o indivíduo começa a ter alteração na coloração dos olhos, da pele, insuficiência renal, lesão hepática grave e altera a circulação. Enfim, é uma doença sistêmica, muito grave.
A pessoa que contrair a febre amarela, se atendida adequadamente, se livra da doença?
Olha, a maioria das pessoas contrai a febre amarela e nem fica sabendo, face aos sintomas fracos. Mas a forma grave – que é rara, friso – a pessoa tem essas alterações, hemorragias e aí o risco é grande. Mas não se pode pensar... pegou febre amarela, vai morrer. Não é assim. Outro detalhe importante é que algumas doenças são parecidas... podendo desenvolver um quadro infeccioso, com febre alta, etc. dando sinais de ser febre amarela, não sendo. Contra a febre amarela, não existe um antibiótico específico. O tratamento exige suporte químico de CTI, com intensivista controlando a pressão, fazendo reposição, para que a pessoa tenha possibilidade de recuperação. Mas é sempre muito grave.