Aldir Sales
16/12/2017 10:28 - Atualizado em 17/12/2017 11:35
O ex-governador Anthony Garotinho (PR) anunciou que está em greve de fome. Não, não estamos em 2006. Onze anos depois de fazer o primeiro jejum “para denunciar uma perseguição da mídia”, Garotinho repete o roteiro, desta vez para chamar a atenção para a “injustiça” que estaria sofrendo por parte de juízes e promotores e pede para ser ouvido pelo corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Enquanto isso, em Campos, o juiz Ralph Manhães, da 98ª Zona Eleitoral, rejeitou o pedido da defesa do casal Garotinho que pretendia a absolvição sumária. O magistrado ainda remarcou a primeira audiência das testemunhas de acusação da operação Caixa d’Água, que aconteceria na próxima segunda-feira, para o dia 10 de janeiro.
Há mais de uma década, o palco de Garotinho era uma sala na sede do PMDB no Rio de Janeiro, seu partido à época, com apenas uma porta de vidro que separava o político da Lapa da imprensa, que acompanhava as cenas ao vivo. No entanto, em 2017, o cenário é bem diferente: uma cela no presídio de segurança máxima de Bangu 8, onde Garotinho cumpre prisão temporária na operação Caixa d’Água, suspeito de comandar um esquema de propina e caixa dois com empresários locais dentro da Prefeitura de Campos durante a gestão da esposa, Rosinha Garotinho (PR).
Em uma carta endereçada ao diretor do presídio, o ex-governador também renuncia ao direito de banho de sol e de receber visita de familiares e dos advogados. Nesta semana, Ralph Manhães chegou a acatar o pedido de Rosinha para autorizar visita ao detento. A ex-prefeita também foi presa na Caixa d’Água, mas teve a reclusão revertida em medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica e recolhimento domiciliar à noite e aos finais de semana.
Na carta, Anthony Garotinho disse estar “no limite do sofrimento” e completa dizendo: “Minha atitude é um grito de desespero contra a injustiça que venho sofrendo, abalando fortemente minha família, como visto durante a visita da última quarta-feira. Rosinha está com síndrome do pânico e meus filhos traumatizados”.
Em outro trecho, o ex-governador afirma que não está abalado ou deprimido e questiona o que ele chama de “perseguição de juízes e promotores”. “Tenho sido covardemente perseguido por juízes e promotores da cidade de Campos que agem para proteger um desembargador que denunciei junto com a quadrilha do ex-governador Sérgio Cabral. Em um ano fui preso três vezes pela Justiça Eleitoral de Campos, por crimes que não cometi”.
Antes de chegar a Bangu, Garotinho ficou dois dias na cadeia de Benfica, a mesma onde continuam políticos como Sérgio Cabral e os ex-presidentes da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani (PMDB) e Paulo Melo (PMDB). Lá, o político campista diz ter sido agredido por uma pessoa não identificada com um taco de beisebol durante uma madrugada. As imagens do circuito interno não registraram nenhuma anormalidade e agentes penitenciários dizem que Garotinho provocou autolesões. As investigações sobre o caso seguem sendo feitas pela Polícia Civil, mas o ex-governador voltou a lembrar do episódio. “Passados mais de 20 dias da covarde agressão que sofri no presídio de Benfica, não há retrato falado ou laudo das câmeras. Por quê?”.
De acordo com a denúncia do Ministério Público Eleitoral, baseada em documentos e na delação premiada do empresário André Luiz da Silva Rodrigues, Garotinho comandava o esquema que teria até um braço armado, o policial civil aposentado Antônio Carlos Ribeiro da Silva, o Toninho, que seria um dos operadores e utilizava arma de fogo para coagir empresários. A defesa de Garotinho entrou com habeas corpus para tentar a liberdade do político, o que foi negado pelo plenário do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e pelo ministro Jorge Mussi, relator do caso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília.
De presidenciável em 2006 a presidiário hoje
De 2006 a 2017 muita coisa mudou na vida do casal Garotinho. Rosinha estava em seu último ano de mandato no Governo do Estado, depois se elegeu prefeita de Campos em 2008, reeleita com aprovação recorde em 2012. Depois de obter mais de 15 milhões de votos na campanha de 2002, Anthony Garotinho era novamente pré-candidato à presidência da República em 2006, mas uma série de matérias do jornal O Globo que denunciava irregularidades em sua campanha com dinheiro que supostamente viria de Organizações Não Governamentais (ONGs) contratadas por Rosinha no Palácio Guanabara. Contra o que ele chamou à época de “campanha sórdida” da mídia, do sistema financeiro e do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deflagrou uma greve de fome em abril de 2006.
Foram 11 dias de jejum forçado no qual Garotinho afirmou ter perdido 6,7 kg até que a Justiça concedeu direito de resposta ao então pré-candidato no jornal. Na época, o fato gerou diversas piadas na internet. Atualmente vereador, o cardiologista Abdu Neme (PR) foi o médico que acompanhou Garotinho durante os monitoramentos constantes de pressão arterial.
Durante o período, foram levantadas suspeitas de que o ex-governador se alimentou algumas vezes. Em uma crônica sobre a prisão do político da Lapa, o jornalista e cineasta Arnaldo Jabor comentou a situação de Garotinho. “Mas o Garotinho foi um inventor. Garotinho sempre foi um menino levado que engana a polícia e escapa da cana. Como um nenenzinho zangado, ele chorou e berrou entre lençóis e fraldas e não entrou em um camburão, lembram? E saiu. Depois também fez uma greve de fome, comendo uns sanduichinhos escondidos. E saiu. Agora inventou que o bicho papão foi pegá-lo na cadeia com o porrete na mão”.
No entanto, a estratégia da greve de fome não deu certo e desde então começou o processo de declínio político que levou Garotinho de presidenciável a presidiário. O campista perdeu espaço dentro do PMDB, que decidiu retirar a candidatura à presidência e apoiar Lula em sua reeleição.
Garotinho foi eleito deputado federal em 2010, já pelo PR, mas sofreu uma derrota inesperada em 2014, quando ficou fora do segundo turno da eleição ao Governo do Estado por menos de 1% dos votos, sendo derrotado por Luiz Fernando Pezão (PMDB) e Marcelo Crivella (PRB).
Sem cargo eletivo, o ex-prefeito de Campos voltou à cidade natal para participar do governo da esposa na Prefeitura, mas viu o candidato da família, Dr. Chicão (PR) perder a eleição ainda no primeiro turno para Rafael Diniz (PPS), em 2016.
Além das derrotas nas urnas, Garotinho também passou a se preocupar com a Justiça. Além da Caixa d’Água, que levou o casal à cadeia, o radialista já foi condenado em primeira instância a 9 anos e 11 meses de prisão por “comandar o esquema criminoso” de troca de votos por Cheque Cidadão na última eleição municipal e vê o seu grupo político ser dissolvido por condenações em segunda instância na operação Chequinho. O ex-secretário de Governo também é citado por delatores da Odebrecht como um dos recebedores de dinheiro ilícito. O nome de Anthony Garotinho também estaria aparecendo na delação do empresário Fernando Trabach, apontado como verdadeiro dono da GAP, empresa fantasma que prestou contrato para a Prefeitura de Campos para aluguel de ambulâncias e veículos particulares.