"O RJ voltará a ter investimento"
Aluysio Abreu Barbosa 06/12/2017 23:40 - Atualizado em 10/12/2017 15:52
Ninguém com senso histórico negará: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o político mais popular do Brasil desde Getúlio Vargas (1882/1954). Como nenhum dos eleitores que o fazem favorito em todas as pesquisas, na corrida ao Palácio do Planalto de 2018, pode ignorar a grande rejeição que hoje o acompanha. Campos testemunhou essas faces de amor e ódio irmanadas na fogueira das paixões, separadas por um cordão de isolamento da PM na noite da última terça (05), durante o comício da praça do Liceu que reuniu de 1,5 mil simpatizantes de Lula, além de 150 militantes do também presidenciável Jair Bolsonaro (PTC). Na tarde dessa quarta-feira (06), no IFF, onde o ex-presidente cumpriu agenda, a polarização chegou às vias de fato. Antes, pela manhã, ele deu uma entrevista exclusiva ao Grupo Folha, transmitida ao vivo na Rádio Continental e em lives no Folha 1 e no perfil do líder petista no Facebook. Neste, até às 22h20 dessa quarta, o vídeo da entrevista havia gerado 217 mil visualizações, 12,9 mil comentários, 7,4 mil curtidas e 3 mil compartilhamentos. E viralizou também na mídia nacional, onde foi repercutida por Estadão, Folha de São Paulo, UOL, Carta Capital e Brasil 247, entre outros. Lula falou da necessidade de paz, de Previdência Social e da recuperação econômica do Estado do Rio e do Brasil. E atacou quem julga seus detratores: a Rede Globo, o mercado financeiro, o presidente Michel Temer (PMDB), o juiz federal Sérgio Moro e o TRF-4, cujo julgamento previsto até abril ameaça sua pré-candidatura pela Lei do Ficha Limpa.
Folha — Presidente, a pesquisa mais recente do Data Folha, feita em 29 e 30 de outubro e divulgada agora, no dia 2, com margem de erro de dois pontos para mais ou para menos, colocou o senhor à frente, em vários cenários, de primeiro turno, com 34% a 37%, variando os cenários. É mais do que o dobro do segundo colocado, que é Bolsonaro, que varia de 17% a 18%. O senhor também vence nas três simulações de segundo turno: com Marina, em menor vantagem, 48% a 35%; Bolsonaro, 51% a 33%; e Alckmin, 32% a 30%. A que o senhor atribui essa vantagem tão grande nas pesquisas?
Lula — Primeiro, Aluysio, queria cumprimentar os ouvintes da rádio Continental, do programa Panorama Continental, e dizer aos nossos ouvintes que as pesquisas feitas com um ano de antecedência das eleições, elas apenas servem como amostragem, mas não têm valor muito forte porque muitas coisas podem mudar até outubro de 2018. Eu penso que as pesquisas me dão vantagem pelo reconhecimento que o povo tem, das lembranças que ele tem do nosso governo. Efetivamente, o povo tem consciência de que o Brasil viveu, no meu período de presidente da República, um dos melhores momentos da sua história. O país cresceu, se desenvolveu, fez inclusão social. O Brasil gerou empregos, aumentou salário, fez o programa “Minha Casa, Minha Vida”. O programa fez investimento de infraestrutura. Eu posso dizer para você, sem medo de errar, que o Estado do Rio de Janeiro nunca recebeu a quantidade de investimentos, desde a sua criação, como no meu governo. Nunca. Nenhum presidente colocou, no Rio de Janeiro, a quantidade de dinheiro que eu coloquei para fazer as obras que o Rio de Janeiro precisava. Investimento em pesquisa para que a Petrobras se transformasse na segunda empresa de petróleo do mundo, que eles estão destruindo. Pesquisas para que a gente descobrisse o pré-sal. A recuperação da indústria naval carioca, os investimentos nas universidades e nas escolas técnicas. Então, tudo isso, na verdade, o povo começa a se lembrar. E quanto mais for chegando a data da disputa, o povo começa a lembrar. É como futebol. Quando o Flamengo está disputando alguma coisa na final, o pessoal começa a lembrar: “em 81, ele foi campeão da Libertadores; em 81, ele foi campeão do mundo”. E o povo vai começar a lembrar que, no nosso tempo, andava de cabeça erguida aqui no Rio de Janeiro, que era mais feliz. Que, em Campos, tinha mais emprego. Que, em Campos, tinha mais aumento de salário. Não havia a desordem, o baixo astral e a desesperança que têm hoje. Então, é isso que me dá essa vantagem. E, ao mesmo tempo, o povo começa a perceber que, quando eu cheguei ao governo, em 2002, do ponto de vista da inflação e do desemprego, os níveis eram iguais ou piores do que são hoje. Eles diziam que eu não ia conseguir governar o Brasil, que o Brasil estava quebrado, que o Brasil estava devendo ao FMI, que o (ex-ministro da Fazenda, Pedro) Malan ia todo final de ano aos Estados Unidos buscar dinheiro para fechar o caixa. Isso acabou. Nós resolvemos o problema. O Brasil deixou de ser devedor do FMI e passou a ter quase US$ 400 bilhões de reserva. O Brasil passou a ser protagonista internacional. Isso, o povo vai lembrando. E olha que não é por falta de o Lula apanhar. Porque, se tem um cara que toma chibatada da imprensa brasileira, das 5h à 0h, sou eu. Abre todos os jornais de todas as rádios e de todas as televisões, todas as revistas. E eu estou muito tranquilo. Porque quem tem a consciência tranquila sabe que, quando um cachorro late para ele, não pode ficar latindo para o cachorro. Passa e vai continuar a sua vida tranquilo. Aliás, eu queria aproveitar, Aluysio, e dizer que está comigo, aqui, o senador Lindbergh e o nosso querido Zé Maria, petroleiro e nosso presidente da FUP.
Folha — O senhor então compara o período em que foi presidente, para o brasileiro, como foi, para o flamenguista, o Flamengo de Zico de 81. É mais ou menos isso?
Lula — Eu acho que foi o melhor momento do povo brasileiro. Vamos relembrar que, quando eu deixei a presidência, a economia estava crescendo a 7% ao ano (PIB de 7,5% em 2010). Vamos lembrar que o comércio varejista estava crescendo a 12% ao ano. Vamos lembrar que o povo tinha acesso a crédito consignado a juro muito barato. Nós saímos, Aluysio, para você ter ideia do número, de R$ 368 bilhões que o Brasil tinha disponibilizados para crédito, entre bancos públicos e privados, para R$ 2,7 trilhões. Mas só para você ter ideia de que nós aumentamos, em mais de cinco vezes, o número de dinheiro disponibilizado para emprestar para as pessoas. Nós fizemos um milagre de ter uma microeconomia ligada ao pequeno empreendedor individual, ligada ao trabalhador, que aumentava o salário. O salário mínimo aumentou em 74%. As pessoas passaram a ser cidadãs de primeira categoria.
Folha — Ascenderam socialmente.
Lula — Isso. Fez com que o pessoal ascendesse um degrau na escala social desse país. O povo começou a comer melhor, a comer carne de primeira, a ir a shopping, onde só ia gente chique antigamente. O povo começou a viajar de avião, a fazer uma sala, um banheiro, um puxadinho a mais na sua casa. O povo começou a ter sonho de comprar casa. No Nordeste, o povo trocou o jumento por uma motocicleta. Essas coisas mexeram com a alma do nosso povo. Eles sabem que é possível fazer isso. E eles sabem que só é possível se tiver um presidente que conheça a alma desse povo. Que conheça profundamente. Veja uma coisa que aconteceu agora, Aluysio. Você sabe que eu fiquei oito anos na presidência e não aumentei o gás de cozinha uma única vez. O Temer, em sete meses, já aumentou em 68 %. O gás de cozinha é um produto da cesta básica para quase 29 milhões de famílias neste país. Portanto, ele não pode ser aumentado do jeito que está aumentando. Tem lugar do país em que o botijão de gás de 13 litros está custando R$ 105. Tem lugar neste país em que custa R$ 94. O mais barato está a R$ 75. É quase 10% do salário mínimo.
Folha — O senhor falou isso no comício ontem...
Lula — É uma vergonha. Primeiro você manda uma medida provisória para o Congresso, que não sei se foi aprovada ontem, que o Temer mandou, inventando de pagamento de imposto tudo que é derivado de royalties de gás e de petróleo que você importa. Você inventou imposto zero para as empresas multinacionais que vieram para cá explorar o nosso pré-sal, comprar sonda, plataforma e navio. É tudo imposto zero. E aumenta em 68% o gás de cozinha. Ou seja, é, mais uma vez, o povo trabalhador, o povo pobre deste país pagando a conta, para dar e garantir privilégios à parte mais rica deste país. O Temer faz discurso de que é preciso conter gasto, conter gasto, conter gasto. Vocês, da imprensa, disseram, há um mês, que duas votações que a Câmara fez para manter o Temer no poder custou R$ 30 bilhões aos cofres públicos.
Folha — De emendas parlamentares.
Lula — E quem foi o beneficiário? A elite brasileira e a bancada ruralista. Enquanto isso, o povo tem aumento de gás, aumento da gasolina, aumento do óleo diesel. Aumentou pouco a gasolina? Aumentou 20%? E quanto aumentou o salário? Pergunte para um petroleiro quanto ele teve de aumento este ano. Pergunte quanto foi feito de investimento na educação neste país. E você vai perceber que eles estão voltando à velha prática de tudo para quem tem e nada para quem não tem.
Folha — Crescer o bolo para depois dividir.
Lula — Não. Eles vão comer, não vão dividir. Eu, na década de 80, contava a seguinte ideia, Aluysio: o Delfim Neto dizia que era preciso o bolo crescer para, depois, dividir.
Folha — O “Milagre Econômico”.
Lula — E o bolo cresceu, cresceu, cresceu, e eles comeram. Para o povo, sobrou aquelas bolinhas de chumbo que eles colocavam.
Folha — Além do gás de cozinha, no comício de ontem da praça do Liceu, o senhor bateu, também, na grande mídia, em Jair Bolsonaro (PTC) e em Sérgio Moro. O senhor chegou a falar que queria que...
Lula — Eu não bati em ninguém.
Folha — O senhor criticou.
Lula — Eu citei coisas. Apenas disse que desafiava o juiz Moro...
Folha — A provar alguma coisa?
Lula — ... O Ministério Público e a Polícia Federal a mostrarem ao povo brasileiro um dólar, um real que não seja do resultado do meu trabalho, da minha vida. Porque, até agora, já provei minha inocência e, ainda assim, eles, sem provas, me condenaram. Isso está virando uma coisa assim: quem tem que provar sua inocência é o acusado. Quem acusou não precisa provar nada. Então, tenho desafiado Moro nisso. A segunda coisa que tenho dito é que, se eles não querem que eu volte a ser presidente da República, eles que disputem as eleições. Tem tanto partido. Eles podem criar mais um e disputar as eleições.
Folha — O senhor fala isso em relação a Moro?
Lula — Em relação a todo mundo. Porque não é só o Moro que não quer. O Moro é um instrumento. Eles não querem que eu dispute as eleições. Porque este país não aceita que pobre tenha ascensão social. Este país não aceita que empregada doméstica tenha filha na universidade. Este país não aceita que pedreiro tenha filho estudando engenharia. Este país não aceita que cortador de cana possa virar advogado ou diplomata. O fato de eles não gostarem da ascensão dos mais pobres é uma burrice porque, quanto mais os mais pobres ascenderem, mais eles também ganham dinheiro. Eu tenho dito o seguinte: se não querem que eu seja candidato à presidência da República, disputem as eleições. Eu já perdi três eleições: para o Collor.
Folha — Para o Fernando Henrique.
Lula — Duas para o Fernando Henrique Cardoso. Eu votei tranquilo para casa, não xinguei ninguém, não fiz passeata, não fiz protesto. Não tentei, como Aécio, anular as eleições, como ele tentou anular as eleições da Dilma. Não plantei ódio neste país. Eu voltei e me preparei. Depois de três derrotas, fui eleito. Com muita paciência. Agora, se eles não querem, é só disputar. Se, na urna, eu for derrotado, vou voltar para casa. Como diria nosso querido e saudoso Brizola: vou lamber minhas feridas. Mas disputem.
Folha — No comício da praça do Liceu, o senhor também analogias críticas com Bolsonaro. Disse que, enquanto alguns candidatos prometem mais cadeias, o senhor quer fazer mais escolas.
Lula — Não sei se foi ele que falou isso. Mas é que eu tenho ouvido muito. Eu sei que tem violência no Rio de Janeiro, mas não é só no Rio de Janeiro. A violência está espalhada Brasil afora. E, quanto mais pobreza tiver, quanto mais desemprego tiver, quanto mais o salário for arrochado, mais vai aumentar a violência. Se você gera emprego, gera salário. Se gera salário, gera consumidor. Se gera consumidor, gera mais um emprego, mais um salário, mais um consumidor. O que vai acontecer? Um jovem que está trabalhando, recebe um salário e pode comprar um celular bonito, ele não tem por que assaltar uma pessoa para roubar um celular. Não tem por que assaltar uma pessoa para roubar um tênis, uma blusa. Então, eu tenho dito que o trabalho e a educação são 50% do desmonte da violência que está espraiada neste país. Se um adolescente levanta com esperança, com sonho; se ele vê que o pai e a mãe dele estão trabalhando e que, em casa, tem comida e que ele está na escola, ele não vai roubar. Há mais de 20 anos, eu tinha um filho que, quando a gente comprava tênis para ele ir para a escola, que é em frente à minha casa, ele raspava o tênis calçada para ficar velho.
Folha — Para não ser assaltado.
Lula — Para não ser assaltado. Olha, se você dá condições de essas pessoas trabalharem e ganharem um salário, essas pessoas não vão precisar assaltar do jeito que estão fazendo hoje. Outra coisa, ouvi um cidadão dizer, que eu não vou citar o nome, em uma reunião com fazendeiro: “vou dar fuzil para vocês, vou dar armas para vocês”.
Folha — No comício de ontem, o senhor citou isso e falou que preferia dar terra a quem não tinha.
Lula — Meu Deus do céu! Como você vai encontrar a paz se está estimulando a violência, o ódio, estimulando a disseminação do preconceito? Eu penso, Aluysio, o que eu sonho, na verdade, é que a gente possa restabelecer a tranquilidade neste país. As pessoas têm que aprender que a gente pode ter divergências, pode não concordar; que um vascaíno pode assistir a um jogo sentado ao lado de um flamenguista e cada um gritar “gol” na hora que sair o gol e ir para casa tomar cerveja juntos, sem precisar brigar. Eu sou do tempo em que a gente ia para o estádio, todo mundo junto.
Folha — Era o tempo da geral nos estádios.
Lula — Cada um com a camisa do seu clube. Aí, inventaram torcida organizada. Os times começaram a estimular, a dar ingresso gratuito. A quem interessa essa briga? Porque aquele cara que é da torcida organizada do Flamengo mora na mesma rua do cara da torcida organizada do Vasco. As famílias se conhecem. Então, ficam disseminando ódio e, depois, não sabem como tratar. A minha tese é a seguinte: quem planta vento colhe tempestade. E eu quero plantar tranquilidade, uma brisa. Este país tem um povo alegre, um povo feliz. Como é que eu posso aceitar a crise do Rio de Janeiro? Um estado com que eu assumi um compromisso, em 2006, no primeiro comício que fiz aqui, de que eu iria ser o presidente da República que mais iria colocar dinheiro para investimento em infraestrutura no Rio de Janeiro. E fiz isso. Você não sabe o orgulho que eu tenho, Aluysio, de ver aquelas pessoas das favelas serem contratadas para trabalhar no PAC. Mulheres, homens e adolescentes trabalhando vestidos com a camisa do PAC, ganhando seu dinheiro honesta e dignamente, porque é isso que dá tranquilidade. Você não sabe a alegria que eu tenho da recuperação da indústria naval brasileira. A indústria naval brasileira, quando eu disputei as eleições em 2002, só tinha dois mil trabalhadores. Os metalúrgicos de Angra dos Reis vendiam cerveja no isopor, na praia, porque não tinham emprego. Nós recuperamos a indústria naval. Ela chegou a ter, no ano passado, 82 mil trabalhadores. Já caiu para 38 mil. Eles querem acabar. Eles querem que a gente compre navio da China, da Coreia. Que a gente compre sonda da Petrobras da China, da Coreia, de Cingapura, sem pagar imposto, emprego e conhecimento tecnológico. Este país nunca será um país independente. Nunca será um país soberano porque a elite brasileira tem complexo de vira-lata. Ela acha que é pequena, que não pode. Tudo tem que depender dos Estados Unidos, da Alemanha. Não. Nós temos que depender de nós. Temos que ter orgulho, amor próprio. Temos que fazer as coisas corretamente neste país. E eu provei que é possível fazer isso. É por isso que o povo começa a perceber que, se quiser consertar este país, tem um metalúrgico que foi presidente, que não tem diploma universitário e está disposto a recuperar este país.
Folha — Além da questão política e eleitoral, há a questão jurídica. Inicialmente o TRF-4 tinha previsão para julgar sua condenação por Moro até agosto. No domingo (03), o Lauro Jardim noticiou em O Globo que o prazo foi abreviado para março ou abril. E, ontem (05), saiu a notícia de que o relator do caso, João Pedro Gebran Neto, já teria encaminhado o voto sobre o seu recurso ao revisor Leandro Paulsen. Como o senhor enxerga isso? Qual é a sua expectativa?
Lula — Aluysio, na verdade, prefiro nem enxergar. Desde que começou essa bandidagem comigo, essa cretinice...
Folha — Quando fala em bandidagem, o senhor se refere a quê?
Lula — Eles inventaram uma mentira. O procurador (da República, Deltan) Dallagnol inventou uma mentira. Ele construiu a tese do power point. E, com base na tese do power point, ele fica procurando coisas para tentar jogar dentro do balaio. E obriga os empresários a dizerem que todo o dinheiro que utilizou em campanha é propina. Que as contas que os empresários têm na Suíça não são evasão fiscal; são propina. E, até agora, o máximo que eles conseguiram foi o cara dizer “o Lula sabia, o Lula sabia”. Ora, eu estou muito tranquilo porque estou desafiando eles a provarem alguma coisa. Não venham com essa de que “Lula sabia”. Porque, aqui mesmo, em Campos, no Rio de Janeiro, e em São Bernardo do Campo, deve ter muita gente falando em meu nome. Quando você fica famoso, todo mundo vira seu amigo, todo mundo fala em seu nome, todo mundo vende uma coisa no seu nome. Então, eu tenho a consciência muito tranquila. Por que eu não me preocupo? Porque, desde que começou esse processo, os caras falam que eu tenho que ser condenado. A peça do Moro me condenando é, segundo todos os advogados que leram, simplesmente ridícula. Ela não tem sustentação jurídica em nenhum lugar. Ela tem sustentação nos pares do Moro. Então, quando cai na mão desse juiz Gebran, eu estou lendo todo dia que eu já estou condenado. Se eu ficar preocupado com isso, não durmo. Então, prefiro deixar ele fazer o serviço dele. Ele tem responsabilidade, tem mais de 30 anos de idade. Ele estudou direito, fez um concurso, virou juiz.
Folha — O Moro?
Lula — Eu não sei o que ele é também. Mas deve ser a mesma coisa. Então, deixa ele julgar. Não vou ficar batendo boca. Quem bate boca são os meus advogados. Eu vou continuar trabalhando. O que quero dizer para você é o seguinte: se o PT quiser, eu estarei candidato a presidente da República. E quero dizer para eles: querem disputar as eleições comigo? Se filiem. Participem de um partido político. Vamos disputar ideias. Eu fico indignado, meu caro. Esses caras invadiram a minha casa, levantaram o colchão da minha cama. Esses caras estavam com máquinas de fotografia penduradas no peito, achando que iam encontrar barra de ouro, dólar, euro, real. Eles não encontraram nada e tiveram a desfaçatez de não pedir desculpas ao povo brasileiro. Como eu posso respeitá-los se eles não me respeitaram? Então, é o seguinte: eu estou na disputa. Estava até tranquilo. Você está me vendo aqui. Parece que eu tenho 30 anos. Eu tenho 72. A minha energia é de 10, agora. A única coisa que posso fazer é defender a minha honra e dizer ao povo brasileiro que este país tem solução no dia em que ele tiver um presidente que tenha credibilidade. Anote bem: ninguém governará este país se não tiver credibilidade junto à sociedade. E credibilidade você adquire com o seu comportamento. Primeiro, sendo presidente eleito democraticamente pelo povo. Segundo, não atender a interesses menores. Alguém tem que governar para todos. E governar para todos significa que, dentro desses todos, o povo trabalhador e o povo pobre são os mais necessitados. É para esses que temos que governar de forma privilegiada. É para esses que temos que fazer isenção de impostos, aumento de salário. É para esses que a gente tem que abrir vagas nas universidades e nas escolas técnicas. É por isso que eu quero governar. Acho que o Brasil pode virar uma grande potência se a gente investir em educação. Aluysio, eu vim aqui, em Campos, por causa do símbolo. Você já me ouviu falar, muitas vezes, “porque foi o presidente Nilo Peçanha que, em 1909, abriu a primeira escola técnica da cidade de Campos dos Goytacazes”. Pois bem. Em 100 anos, eles construíram 140. Nós, em 12 anos, construímos 500. Por quê? Porque nós, em 12 anos, colocamos mais jovens na universidade do que eles em 100 anos. E porque não existe nenhuma possibilidade de o Brasil virar uma grande potência econômica se não investir em educação. Não é exportando soja e minério de ferro que a gente vai ser uma grande potência. A gente vai ser uma grande potência quando a gente exportar conhecimento, inteligência; quando a gente estiver transformando a nossa inteligência em um produto que tenha valor agregado. E isso tem que ter muita educação, porque tem que ter competitividade nos preços, na qualidade. Isso só vem com a educação. É por isso que eu, embora tenha sido o presidente brasileiro que não teve diploma universitário, sou o presidente que mais fez universidades na história deste país. E tem que fazer muito mais. É preciso abolir a palavra “gasto” quando se fala em educação. Educação é investimento. E investimento para sempre. Uma empresa que você financia pode quebrar, pode pedir falência, mas o cidadão que tem diploma de engenheiro nunca vai esquecer o que aprendeu, e, portanto, o Brasil terá um técnico para sempre.
Folha — O senhor falou que está defendendo a sua honra. Mas qual é o seu principal objetivo ao tentar voltar para a presidência?
Lula — Eu acho que o PT tem clareza de que a minha volta à presidência pode fazer com que o trabalhador deste país volte a sonhar. O que a gente não pode mais assistir, por exemplo, é alguém achar que o problema do Brasil é a Previdência Social e, sobretudo, a parte mais pobre do povo brasileiro. Se você conversar com a professora Laura Conceição, você vai ouvir dela o seguinte dado: de 2004 a 2014, quando a gente gerou 20 milhões de empregos, formalizou 6 milhões de pequenos empreendedores individuais e aumentou, todo ano, o salário das categorias acima da inflação e o salário mínimo, a Previdência Social foi superavitária. Quando eles falam que a dívida pública cresceu em relação ao PIB, só tem um jeito de a dívida pública diminuir: aumentar o PIB. Tem que ter investimento. E, para ter investimento, o Estado tem que ser indutor. Os bancos públicos têm um papel importante. Na crise de 2008, quando eu falei que era marolinha, o que eu fiz?
Folha — Usou o BNDES e Caixa Econômica para expansão de crédito.
Lula — BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica. O banco Votorantim era o que mais financiava a carteira de carro usado. Porque o pobre, para comprar um carro novo, ele vende o carro usado. Ele vende o dele para comprar outro novo. O que nós fizemos? Compramos 50% do banco Votorantim para que a gente pudesse financiar carro. Financiamos até motocicleta. Você incentiva a empresa a vir para cá para produzir. Depois, você não garante que o povo tenha dinheiro para comprar, para que vai produzir? Se não tem quem compre. Então, tem que financiar para o povo comprar.
Folha — Como presidente, o senhor passou a usar os bancos públicos para estimular o crédito e o consumo. Mas acha que a solução ainda é por aí? Não teria que ser uma medida específica para o período de crise?
Lula — Deixa eu te dizer uma coisa. De vez em quando, eu ouço alguns discursos de que “a política econômica do Lula foi baseada em consumo. É preciso fazer uma política baseada no desenvolvimento industrial”. Agora, veja, você acha que alguém irá implantar uma fábrica em Campos se não tiver consumo para o produto que vai ele vai fabricar? Por que ele iria fazer uma fábrica aqui? Para fazer estoque? Não. As duas coisas caminham juntas. Eu só produzo se tiver consumo. E eu só consumo se tiver produção. Qual é o agravante? É que você pode importar a coisa mais barata. Então, na OMC (Organização Mundial do Comércio), nós fizemos um acordo que, quando queremos dificultar o produto a entrar no Brasil, você tem a possibilidade de aumentar em até 35% o imposto daquele produto. Tem gente que fala que é preciso fechar as importações da a China. Tudo bem. Só que é uma política de duas mãos. Quem é que compra mais do Brasil?
Folha — Os chineses são os grandes compradores das nossas commodities de soja.
Lula — É a China. Então, se a gente quiser proibir a China de exportar para a gente, a China vai criar problema com as nossas exportações.
Folha — A China é o nosso principal parceiro comercial.
Lula — Então, tudo se resolve em uma mesa de negociação. Tudo se resolve se o Brasil tiver competência de estabelecer parcerias estratégicas, e a gente estimular o consumo. O Brasil tem um mercado de 207 milhões. Têm pessoas ansiosas para comprar e não têm dinheiro. Tem gente que fala: “vamos, então, exportar”. Exportar não depende do Brasil. Depende da nossa capacidade de produção, de produzir com qualidade, de competitividade, de preço no mercado internacional e depende de você querer comprar aquilo que eu quero te vender. O mercado interno, não. O mercado interno é a única garantia que você tem. Se tiver produtos a preços compatíveis, as pessoas vão comprar. As pessoas vão entrar no shopping, vão comprar carne de qualidade, produtos de qualidade, vão trocar de carro, televisão, computador, roupa. Esse é o teu mercado interno. Para vender, você tem que ir lá e convencer as pessoas de que teu produto é melhor, é mais barato. Todo mundo quer vender e pouca gente quer comprar. Então, o problema do desafio do Brasil é a gente acreditar em nós mesmos. Por isso que estamos investindo na educação. Por isso que essa região recebeu muitos institutos federais. Porque, para nós, a educação é a base fundamental. Não pode, em um país, dizer que o governo empresta R$ 1 bilhão para empresário e é investimento e o governo financia uma bolsa de estudo de R$ 2 mil e é gasto. Que história é essa? Quem é que disse que é gasto fazer investimento em bolsa para estudante estudar? Esse jovem, quando se formar, ele vai retribuir ao Brasil muitas alegrias e muita qualidade naquilo que a gente faz. Então, eu acho que nossa volta à presidência deste país é a possibilidade que a gente tem de ser feliz outra vez, de acreditar no Brasil. De saber que os poços de Campos não vão ser fechados porque estão produzindo menos. Você investe mais! No mundo inteiro, é assim. Agora, por conta do pré-sal, você começa a abaixar a produção aqui. Porque, quando nós descobrimos o pré-sal, sabe o que eles diziam para nós, Aluysio? Que o pré-sal era impraticável porque estava muito fundo e era muito caro. Sabe a quanto que a gente, hoje, tira o barril de petróleo, de seis mil metros de profundidade? A U$ 8,5 dólares. Sabe a quanto que se tira o barril de petróleo na Arábia Saudita, que é quase à flor da terra? A US$ 6,5. O tal do gás do xisto americano, do petróleo americano, da gasolina americana que ia sair do gás do xisto, ou seja, que ia ser o mais barato do mundo, é três, quatro vezes mais caro do que o nosso pré-sal. Então, toda essa bagunça que está no Brasil, todo esse comportamento. Veja, eu tenho indignação com o comportamento da Lava Jato. Porque a Lava Jato poderia estar prendendo a pessoa jurídica, poderia estar prendendo o empresário que roubou.
Folha — Mas ela não prendeu?
Lula — Mas ela não poderia prender a empresa. Porque quem está pagando o pato na indústria naval são os trabalhadores. Já tem mais de 50 mil sendo mandados embora. Quando você quebra as empresas brasileiras, quem ganha com isso? Prendam o dono, prendam a pessoa física e libertem a pessoa jurídica para continuar fornecendo emprego e salário. Coloquem uma comissão para julgar a concorrência daquelas empresas, mas você não pode matar quem gera emprego. Você não pode matar a indústria naval, a indústria de óleo e gás, de engenharia. A troco do quê? Quem é que assume a responsabilidade pela quantidade de milhões de pais de família, que nunca souberam que o patrão deles estava roubando e, de repente, são mandados embora porque o patrão roubou?
Folha — O não senhor colocou isso para o Moro na audiência do seu julgamento?
Lula — Eu coloquei. Eu acho que o Moro é surdo. Eu acho que ele não ouve nada que eu falo. Nem ouve as testemunhas. Eu levei 83 testemunhas. Nem as testemunhas deles me acusaram. Mas eles ficaram subordinados à Rede Globo de Televisão. Essa é a verdade e esse é o grande erro da Lava Jato: se subordinar aos meios de comunicação. Primeiro, eu condeno com a manchete. Depois, vamos ver o que a gente faz.
Folha — O Estadão andou muito à frente na Lava Jato. Acho que até mais do que a Globo.
Lula — Muito. O grande problema é que o Estadão tem pouca repercussão. O problema é que a Globo tem mais repercussão. Alguns jornalistas privilegiados recebem as informações antes dos advogados.
Folha — O Fausto Macedo, do Estadão.
Lula — O Fausto e outros. O que acontece é que você não precisa de prova. Eu desconfio que o Aluysio está cometendo alguma improbidade na rádio em que ele trabalha. Ora, aquilo vira manchete: “Aluysio cometeu improbidade”. Aí, você vai ter que passar a vida provando que não cometeu, meu caro.
Folha — Falamos de Moro, um pouco e Bolsonaro e há outros candidatos na corrida. Eu queria saber quem o senhor encara como seu maior adversário e seu maior aliado nesta tentativa de voltar à presidência em 2018?
Lula — Quem está sendo, neste instante, o meu maior adversário é a Globo, que tentou até lançar o Luciano Huck. Quem sabe ele conseguisse fazer a Míriam Leitão ser a ministra da Fazenda e o William Waack, ministro da Igualdade Racial? Aquele (Carlos Alberto) Sardenberg iria ser presidente do Banco Central. Ele era o sonho da Globo. E tudo que eu queria era enfrentar um candidato com o logotipo da Globo. Não sei se eles vão ter um candidato, mas eles vão ter. E outro é o tal do mercado. Todo dia, eu ouço dizerem: “o mercado não quer o Lula”, “o mercado não sei das quantas”, “o mercado está preocupado”. Eu é que estou preocupado com o mercado, não é ele que está comigo. Eu estou preocupado porque estão mentindo neste país. E, muitas vezes, fazem matéria de jornal, de primeira página, para poder viver de especulação. E eu aproveito aqui, na tua rádio, para dizer: o mercado precisa viver do resultado do trabalho da nação, e não do resultado da especulação. Porque os banqueiros ganharam dinheiro no meu governo, os empresários ganharam dinheiro no meu governo, a classe média ganhou dinheiro no meu governo, o trabalhador ganhou dinheiro no meu governo. E isso vai continuar acontecendo. Eu vou ser presidente de todos. Agora, todo mundo tem que saber que as pessoas mais pobres serão tratadas com o carinho de que precisam. E vou te dizer mais uma coisa: o Rio de Janeiro vai voltar a receber investimentos. Eu não quero saber quem é que quebrou o Rio de Janeiro. Eu quero saber quem vai recuperar o Rio de Janeiro. Porque, se a gente ficar discutindo quem deu o tiro e não for levar a pessoa para o hospital para parar o sangue, ela vai morrer. Então, o Rio de Janeiro não merece estar passando pelo que está passando. Nem a cidade de Campos, nem a cidade do Rio de Janeiro, nem o Estado do Rio de Janeiro. E o governo federal tem que assumir a responsabilidade de sentar com o governo do Estado, seja ele quem for, e discutir um plano de recuperação do Rio de Janeiro. E tudo isso começa com geração de empregos. Dê emprego a esse povo que você vai perceber que o povo vai voltar a sorrir.
Folha — O povo, então, é o seu maior aliado?
Lula — Eu acho que o povo é aliado de todas as pessoas. Porque você sabe que eu tenho como concepção de governança que eu não sou o dono do Brasil. Por isso, quando eu era presidente, fiz 74 conferências nacionais para que o povo decidisse as políticas públicas que eu tinha que colocar em prática. Eu fiz conferência de comunicação, de segurança, de portador de deficiência física, de hansenianos, de negros, de índios, de LGBT, da saúde. Porque eu queria ouvir da sociedade aquilo que ela entendia que era importante a gente fazer para o Brasil. O problema é o seguinte, meu caro, você não pode ter um presidente da República governando para meia dúzia de pessoas. Vou te dizer uma coisa: nenhum presidente da República eleito democraticamente, que tivesse tido 99% dos votos neste país, teria a desfaçatez de desmontar o Brasil como o Temer está desmontando. O Temer está fazendo isso porque ele é um presidente que não tem um pingo de respeitabilidade moral. Na pesquisa, ele aparece com 1% de intenção de voto. Tem 97% de rejeição. Este cidadão está fazendo o que está fazendo porque ele se prestou a ser presidente como resultado de um golpe para vender este país. Então, tem que vender a Petrobras, acabar com a lei de partilha, isentar os ricos para fazer um monte de coisas, enquanto os pobres voltam a comer o pão que o Diabo amassou. E é com isso que nós vamos acabar. As pessoas mais pobres deste país têm o direito de, no final de semana, comer um churrasco, com picanha, com alcatra, com filé, e tomar uma cervejinha gelada. É um direito que ele tem. Quem bebe, obviamente. Quem não bebe, pode fazer outra coisa. Este povo tem o direito de pegar sua família e ir ao shopping, a uma praça de alimentação. Este cidadão tem o direito de pegar sua família e ir para o aeroporto, para a classe média alta ficar dizendo que o aeroporto parece uma rodoviária. Olha, se não quer ir ao aeroporto-rodoviária, vai para a rodoviária e pega um ônibus. Ah, não quer andar na rua porque está cansado e tem muito carro. Lá em São Paulo, às vezes, eu era xingado: “esse Lula é um desgraçado porque pobre tem carro e entupiu a rua de São Paulo”. Deixa a rua para os pobres e vai pegar um ônibus. Será que as pessoas que trabalham não têm direito neste país? Então, é isso, Aluysio, que eu quero provar para o povo: todo mundo tem direito. O dono da Pirelli tem direito, o da Fiat tem direito, o da Volkswagen tem direito, o do Pão de Açúcar tem direito. Todo mundo tem direito. Eu só quero que o pobre tenha direito, que ele tenha oportunidade, que ele possa sonhar que o filho dele vai ter um diploma de doutor porque o governo vai garantir a oportunidade para ele estudar. É isso que me faz voltar à presidência da República. É por isso que eu vou sair para a rua para pedir voto para esse povo. E, quem quiser me derrotar, dispute. Ou faça uma coisa qualquer. Eu estou disposto a qualquer coisa.

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